segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

Média e terror


AFP

Mark Bowden escreveu um excelente artigo na Atlantic de Dezembro passado sobre a cooperação entre os média e o terrorismo. Aí se reflectia sobre a relação entre a estratégia das imagens globais que as redes do terror passaram a usar no pós-2001 e a inocente capitulação dos média ocidentais face a esse plano (incluindo o tempo da antena associado aos sucessivos raptos do final do ano passado). A certa altura, Mark Bowden escrevia: "Leading the news with acts of terrorism is often both journalistically unwarranted and - assuming that decent people everywhere would like to see such acts cease - tragically self-defeating".
Vem isto a propósito das notícias que ontem as rádios e as televisões foram difundindo a partir do cenário iraquiano. Em vez de relevarem a adesão da população às urnas de voto - e o significado real dos números narrados -, muitas vezes os dez ou quinze actos terroristas do dia foram noticiados com mais realce. Já sem falar, também, do tempo dado à GNR portuguesa. Como se o pano de fundo do que se estava a passar coincidisse mais com a presença da al-Qaída do que com a mobilização activa de mais de oito milhões de eleitores. De facto, voluntariamente ou não, muita gente neste mundo terá ontem praguejado para que tudo corresse mal. Mas não foi assim.
Népias & direitos



Tinha que ser Jerónimo de Sousa a inventar os "direitos políticos de autor". Talvez a coisa pudesse ter sido útil aos escritores que inventavam os seus escritos nos antigos "Palácios da Cultura", essas torres de arquitectura irrespirável, massiva e monocórdica (a iluminação nocturna sempre favorece a monstruosidade). Memories.
Corporação

Os jornalistas não perdem um grama (é masculino!) que seja para se constituírem como objecto de notícia. Revêem-se razoavelmente entre o nível da excepção, do acidente, da inversão, ou ainda do sal ficcional que é abundante nas meta-ocorrências. E o bom povo bate palmas.
Paradoxos do antiamericanismo

Leia-se com branda voz:

Peritos do mundo inteiro começam hoje a discutir na Unesco, em Paris, um projecto de tratado para proteger a diversidade cultural. Este é um assunto importante para vários países que querem defender a sua produção cultural face à hegemonia dos Estados Unidos.

Isto por um lado, mas, pelo outro lado, os mesmos actores tão ciosos das suas "culturas" exigem aos EUA o pagamento da factura da UNESCO.
É o chamado Paradoxo à Fórum Social.
Entre antropologias ou os olhos em bico


WD

Outro dia, numa aula, vi-me a dizer - acontece-me muito ponderar a partir de uma objectiva que, sendo minha, me observa de fora - que estávamos celeremente a atravessar a ponte que liga a antrolopologia da potencialidade e a antropologia da virtualidade. Na primeira os eventos realizam apenas um parte dos seus vários possíveis (daí que a realidade e a ficção se separem de forma abismada), enquanta na segunda as possibilidades poderão vir a aparecer todas ao mesmo tempo devido aos encantos hipertecnológicos (daí que a ficção se possa vir, um dia, a libertar do manto que sempre a separou do real).

domingo, 30 de janeiro de 2005

Júbilo

O que se passou hoje no Iraque é profundamente encorajador e, de certa forma, inesperado. Em todo o mundo, muitos terão praguejado para que tudo corresse mal. Há alturas em que o paradoxo põe lado a lado o hiperterrorismo e as contraculturas que respiram o privilégio da liberdade sem que, de todo, o valorizem.
Hoje respirei fundo e fiquei feliz. Descomplexadamente feliz. No entanto, estas eleições são o início. Um puro início da segunda fase de um longo processo.
Mas nunguém poderá dizer que foram uma "farsa". Para além de falso e de rotundamente desonesto, era esse argumento que a al-Qaída mais gostaria de ouvir. Mas não ouvirá.

sábado, 29 de janeiro de 2005

Carolina



Embora por suave afinidade, é uma ideia excelente ser avô na lua cheia de Janeiro.
Malcolm Gladwell - 3



"The philosopher Isaiah Berlin divided people into foxes, who know many little things, and hedgehogs, who know one big thing and Gladwell, unsurprisingly, identifies himself as a fox."

Eu também prefiro, de longe, a equipa das foxes.
Malcolm Gladwell - 2



"His thesis is this: quick decisions based on first impressions are often much better than those made after lengthy analysis; less information can be better than more; or simply: sometimes the best way to judge a book is by its cover."

O que não quer dizer que a "snap decision" não nos possa arrastar rio abaixo!
Malcolm Gladwell - 1



I hate that word (intuition), it’s so overloaded - it’s a way of demeaning this process, saying it’s all emotional. I really want people to take snap judgments seriously. Just because you can’t explain something doesn’t obliterate its legitimacy”.

Rápido e bem, não faz ninguém? Gladwell não pensa assim.
Gravidade

Diz Margarida Rebelo Pinto com excelsa sageza e perene sagacidade:

"Depois de perdidas as colónias, Portugal não se virou para lado nenhum e a pouco e pouco foi perdendo a sua auto-estima. Hoje, apesar de todos os problemas nacionais inadiáveis, somos um país no bom caminho; o único problema é que não acreditamos nisso".

O problema está, pois, algures entre as colónias, a fé e o pescoço que não roda o suficiente. A identidade portuguesa anda mesmo na moda. Em movimento. Depois de Lourenço e Gil, é esta a teoria do momento.
Davos, Davos…

Escreve hoje Mário Bettencourt Resendes:

“(…) na próxima quarta-feira, vou almoçar com a loura que protagonizou o mais célebre cruzar de pernas da história do cinema e que recentemente pôs fim à sua relação com o director de um diário de S. Francisco. Deve ter, no mínimo, alguma apetência pela área dos media... Como o mundo não é perfeito, à mesa vão estar mais algumas dezenas de pessoas, entre elas Richard Perle, um dos gurus do neoconservadorismo norte-americano. O local é um dos hotéis de Davos ( …)”

Só o viril cronista poderá dizer o que tem a marmota a ver com a perdigota. Enfim, debates. Muito insulares, já agora.
Desvarios



A avaliar pela capa, o Expresso de hoje entrou em estado de cativante delírio. Ao lado de uma fotografia de Luís Delgado com área de 200cm2, aparece o título: "Cavaco apoia Governo romeno". Um pouco por baixo ficamos também a saber que "Encontro do PSD junta Valentim e Damasceno". O carácter dadaísta desta capa poderia ter sido coerentemente amplificado com a fotografia de um pôr do sol nos Cárpatos, precisamente na noite do encontro de todos os personagens das narrativas de James Malcolm Rymer, Thomas Preskett Prest, John Polidori, Joseph Sheridan e sobretudo de Bram Stoker. Portugal, de facto, ainda tem coisas giras.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

Intolerâncias vs. liberdade

Custo a entender que a inteligência sobreponha o cromatismo compulsivo das facções políticas à lógica da livre abertura dos percursos individuais. Falo de Freitas do Amaral, naturalmente. Mas Durão, Pacheco, Lamego, Espada, Zita Seabra entre muitos muitos outros, também percorreram as suas vias livres, e às vezes dolorosas, entre campos, mundos e intermináveis terras de ninguém. A forçada coerência estalinizante é própria das formigas, mas não dos homens. Julgo eu. E muito menos o será da inteligência. Resida o afecto à direita ou à esquerda. Tanta visão esquemática que por aí anda... tão subliminarmente hostil à liberdade!
É já depois de amanhã

"With not even candidates out on the streets, role of getting out vote has fallen to infantrymen." (Steve Fainaru, Washington Post)

A razão e o erro podem coexistir. Mas a evidência supera ambos. Largamente.
Deslindando mistérios recentes

"Fique no entanto a saber-se que muito foi tentado, felizmente sem vir para as páginas dos jornais, para que tal acontecesse. Houve muita gente que não ficou sentada e que tentou. Falhou, mas também não é verdade que muitos militantes, entre os quais me incluo, não tenham tentado persuadir, convencer, sem sucesso."

Quando o autor destas linhas nos fala acerca do novo espaço político que poderia vir a ser preenchido por um novo partido (não fosse a "pouca fluidez do sistema político" e a "rigidez" do sistema eleitoral), o que será mais importante: a manifesta impossibilidade de concretizar esse projecto (que seria o equivalente aos "Democrats" ingleses ou ao "D66" holandês), ou o simples facto de enunciar - e assim legitimar e prenunciar - essa mesma possibilidade?
Fico-me, ou seja, tenho-me ficado mais pela última hipótese. Mera intuição. E que eu desse por isso, Pacheco Pereira já referiu o facto umas quatro vezes (entre o seu blogue e as crónicas impressas em papel). Sublinhe-se. A repetição faz o engenho e o engenho faz a coisa.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

O que dizer?


The Jerusalem Post

É o problema. O que dizer. Dizem-se as coisas, não se diz a barbárie. Desdizem-se as coisas, mas não pode desdizer-se a barbárie.
Meta-ocorrências típicas

Por que razão andam as televisões a dizer-nos que há uma vaga de frio polar a sobrevoar o país? Se calhar, é isso. A sobrevoar. Mas muito por cima.
Por que terá sido?

E há ainda uma leveza tardia a recobrir o ócio que faz a pedra viver no seu silêncio.
A geração

A desestruturação das redes sociais no ocidente, com destaque para a família, fez emergir, nas últimas décadas, a importância da ideia de geração. Particularmente a partir da segunda metade do século passado, uma (nova) geração passou a ser a procura de um espaço singular de significação, de uma haceitas, e a simultânea e exaustiva repetição das palavras de ordem que se iam cumulativamente estabilizando ao longo dessa procura. Há sintomas claros que permitem demarcar a iminência de fim de uma geração e o necessário advento de uma outra. O mais peculiar é a permuta mútua de elogios no espaço público entre os elementos-chave que mais terão contribuído para cimentar a anterior procura num conjunto de crenças (tal como Peirce as entendia: um estado de repouso, de bem estar e de arrumação mental que, ao contrário da dúvida, orienta quase toda a reprodução dos hábitos).
É verdade



Continua a ser o único derby a sério que há em Portugal. E nunca houve um tão longo. A chama foi encarnada, claro. Mas redistribuam-se os parabéns.
O Benfiquismo - 3

Os benfiquistas têm uma compaixão incomparável. Nutrem pela sua equipa um facílimo desdém ao fim de meia hora de jogo se a coisa não calibra, mas ajoelham-se diante dos deuses do futebol se a águia relembra, por segundos que seja, os tempos áureos. Não há meio termo. Ou o declive quase sem fim, ou a ascese pouco temperada. Ou o Olimpo com vista para a Bursa otomana, ou a estepe árida com vista para esqueleto de bicho. No meio fica o jogo, o desaire, a mediania, o quadro electrónico empatando, o tempo de desconto, o fora de jogo, fora do planeta, numa palavra: a desmesurada espera.
Não há espera igual à de um Benfiquista, confesse-se. E há razões várias para esta especificidade. Por um lado, a ausência de alimento que uma equipa destas necessita como de pão para a boca: vitórias, títulos. Muitos e incessantes títulos. Por outro lado, a presença excessiva, exagerada, sem fronteiras da convicção. Sim, da convicção. Uma convicção de aço, benfiquista. Mas pouco mais do que isso. Até porque seria preciso expiar para tentar explicar essa convicção. Para a domesticar e para a entender. Seja como for, uma convicção inabalável. Da cor de sangue de boi, mas revestida por um inverno longo, um inverno que dura há mais de uma década. Sem parar, como um comprido túnel de neve sem fio de luz no horizonte. E, apesar de tanta agrura, a espera. Sempre essa ravina sem dó que acaba todos os anos com o soluçar da mesma palavra: a espera.
A compaixão é, pois, um acto normal que, para qualquer bom benfiquista, faz parte da espera. Saber esperar, saber respirar compassadamente. Porque é ela, a compaixão, que impede o ditado popular - quem espera desespera - de ser verdade. Na arena do Benfica ninguém desespera, ninguém desalenta, apenas espera. Por compaixão. Essa forma matreira de impedir o tédio no jogo e de afastar as manhas mafarricas da má arbitragem. Há, de facto, sentimentos incomparáveis nos benfiquistas. Dignos como o elefante na montanha. Um por todos e todos por um. Fazer da espera um império, uma consagração, uma apoteose memorial. E acreditar na espera, sempre, como Rómulo acreditou em Roma. Um dia há-de acontecer.
Em voz alta

Durante muito tempo resisti em dizê-lo. Até porque sei há séculos que amigos de amigos nem sempre espelham a coisa com objectividade, se é que um cheesecake desses existe. Mas o tempo acaba sempre por desenrolar a luva com que o mundo redescobre a sua forma possível, que não ideal. E é aí, nessa constatação óbvia, que a verdade fala por si, sem quaisquer tutelas, pressões ou submarinos em ziguezague. E por isso, agora o digo:
Gosto sinceramente do espasmo bem digerido, da frase polida e discreta, do contraste filigrânico a rastejar pelo humor e ainda do aroma citacional que não queima. Rara combinação de alfaias e sebes que fazem frase e sintaxe nua, despida, depurada, quase a vibrar no osso. É o que persigo ao longo do texto, esse caudal sem fim de página, que o João escreve e encaminha, muitas vezes sem que eu, leitor, dê excessiva importância ao que se alude por esgotar-se no próprio corredor do texto tal prazer. É assim na escrita blogosférica e na Folha também, menos o é no Expresso, mas aí talvez devido a algum náufrago que pesa na ostensiva divisão das orações em três partes. Mas tal não ensombra o brilho e sobretudo o deleite que faz gosto.
Tinha que dizê-lo. Já está.

terça-feira, 25 de janeiro de 2005

Intellectuals

Ora aí está uma coisa que me interessa: o colapso dos intelectuais. No pó que soçobra à era pós-pós-pós, as antigas imobilidades ideológicas e outras não menos pesadinhas (havia um francês amado por americanos que lhes chamava "arborescentes") aparecem agora, subitamente, diante de nós como fantasmas. Ninguém dá pela falta delas, mas quando surgem mencionadas logo lembramos o seu rosto barroco e dantes quase omnipotente. É o que a Nova Cidadania - hoje comprada - nos delega, ou seja, um promissor livro de Frank Ferudi (Where Have All The Intellectuals Gone), acompanhado de interessante crítica de Carlos Marques de Almeida, que já me obrigou a dar ordens transatlânticas - à Amazon - para que se faça rapidamente ao caminho até este meu pátio de buganvílias e alguns cometas. Voltarei ao tema.
O Benfiquismo - 2

Só no Benfica é que se anunciam jogadores novos, durante semanas e semanas, como se fossem cosmonautas saídos de uma epopeia maior. E depois não chegam, não aterram na Portela. E toda a gente sabe que assim é. Mas o frémito, essa espécie de raro entusiasmo que se recicla todos os sete dias, esse, não pára. Nem cede. Para o pior e para o melhor. Até porque o verdadeiro benfiquista é aquele que sabe olhar para o céu e nele desvenda sinais maiores. Encantatórios: por exemplo, cometas avermelhados que prenunciam a vitória no simples verbo das entrevistas, nas manchetes dos jornais, nos escândalos prometedores, nas desavenças menos explicáveis e até mesmo na revisitação quotidiana da grandeza histórica do clube.
Existe entre o adepto e o Benfica aquela vertigem que ligou, um dia, Cléopatra e Marco António no promontório de Accio, independentemente do sangue vertido e dos campeonatos e vidas ameaçados de costa a costa. Perdidos por cem ou por mil, na senda de um ponto-ómega certo, os benfiquistas caminham para a catedral com esse frémito antigo e com esse grito de batalha das velhas gestas sem limite, mas sem terem em conta a real dimensão em que navegam. E quando confrontados com o relvado, com os lances, com os passes, com o intenso dramatismo do jogo, os benfiquistas admitem então sofrer e não hesitam em mergulhar a âncora da exaltação como se houvesse males que são, afinal, segredos bem guardados da natureza. Mas, diga-se, males apenas próprios dos heróis.
É por isso que o sofrimento benfiquista não é um sofrimento qualquer. Traz atrás de si o inexplicável, o insondável, o irremediável. Há uma filosofia profunda no Benfica que alia a mística do clube aos resultados palpáveis. É uma filosofia do desconcerto. É uma metafísica que transforma a crença, não em querela, mas em algum delírio. Uma onda que não cessa e que tem de miragem o mesmo que terá de força. Mas nada a evita e nada nela indicia, também, qualquer quebra de persistência ou de vontade. O ânimo de um benfiquista tem hoje um substrato de sofrimento cristalizado até à raiz. É como uma planta com pouca água, mas viçosa, vermelha e secreta. Melhor dito: sedenta e ansiosa pelo inferno que a faria rejuvenescer, um dia, na Luz.
3+2, 4+1, 3+1+1, etc.

Bolonha é de facto uma confusão em Portugal. E este artigo reflete-a, espelha-a e, de algum modo, adensa-a. Não será verdade?
Declaração obrigatória

É o que diz o Diário da República de hoje (Portaria n.º 103/2005. DR 17, SÉRIE I-B): o "Ministério da Saúde Integra a infecção pelo VIH na lista de doenças de declaração obrigatória". Haja comentários.
"Esses gerais são sem tamanho"



A Ângela deu-me a conhecer um blogue todo dedicado ao João Guimarães Rosa. Vale a pena.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

O Benfiquismo - 1

Há uma única coisa em que eu sou muito português. É no Benfiquismo. E não sou o único, pois é no Benfica que a pátria é mais pátria e que a tradição da nação é mais indelével. Goste-se ou não, mas o facto é que o Benfiquismo é uma constelação que atravessa de norte a sul, de paralelo a paralelo, de pólo a pólo e que vive do ronronar sequioso e vivamente glorioso de um passado, não deixando de ameaçar invadir o presente com algo de inesperadamente novo e épico. Domingo a domingo. É nessa iminência, misto de esperança e de cantochão do mais inusitado espanto, que reside o Benfiquismo.
Tal como Portugal, o Benfiquismo oscila entre a ilusão do zénite e a brusquidão das trevas, entre o desmedido voo e a ocultação das penas, entre o desejo imprudente dos marinheiros do fim do mundo e a nostalgia dos calceteiros perdidos na melancolia dos seus labirintos infinitos. Ser Benfiquista é este receio infundado da vitória, espécie de ressoar pessoano que faz do menino da sua mãe a Pietá onde adormece o jogador vermelho e branco da pátria-mãe, enquanto os outros festejam apenas o futebol e não o mito.
O jogador do Benfica, o jogador vitorioso do Benfica permanece ocultado no seu mundo irreal e carregado de névoas e brumas distantes. Apenas um sinal, apenas um brevíssimo sinal do fundo da fatalidade portuguesa, poderá ou poderia levantá-lo. E eis que o aceno fará a hora. Já ouço a abertura dessa ópera por escrever.
De facto, só acredito nas celeumas da "filosofia portuguesa" se aplicadas ao Benfiquismo. De facto, só acredito no mito do amor eterno e até no sebástico se aplicados ao Benfiquismo. De facto, só acredito no milagre de Ourique - sendo o mouro símbolo da adversidade do destino - se aplicado ao Benfiquismo. Tudo o resto é apenas para levar a sério. Demasiado.
No Benfica, o que há a mais carece no nosso tempo. Mas falta mostrar. Entrar em campo. E tal como falta a Portugal um projecto mobilizador, também falta ao Benfica voltar a ser. Marcar golos. É isso que faz ter na alma a chama ardente. Esperança, caos, fado, delírio, ironia? Tudo, tudo isso. E tão, tão português.
Vale tudo

Há pessoas para quem o mapa do metropolitano de Londres (de Henry Back) ou um candeeiro da Baushaus (por exemplo de Wilhelm Wagenfeld) é precisamente o mesmo. Tanto faz, afinal é tudo design. Na política é que não devia ser bem assim. Mas, muitas vezes, também é.
Quem me arranja esse programa?

O jornal online Portugal Diário retirou o inquérito sobre as próximas eleições legislativas. Os responsáveis do site explicam que foram «obrigados» a apagar a sondagem depois de detectado um programa automático que votava ininterruptamente no PSD.

Um programa destes podia ajudar a fundar um novo partido.
Cabotagem brasileira e a mágica arara



"Voz nem choro não se ouviu, nem outro rumor nenhum, feito fosse decreto de todas as pessoas mortas, e até os cachorros, cada morador. Mas pessoas mor que houvesse: por trás da poeira, para lá da fumaça verdolenga se vislumbravam os vultos, e as tristes caras deles, que branqueavam, tantas máscaras" (JGR, Grande Sertão: Veredas)

Obrigado por esta imagem que é a de um velho grito de João Guimarães Rosa!
Dominações vs. ilusões - 4

As tecnologias que envolvem, na actualidade, a investigação no campo da neurobiologia e a própria conectividade global em rede estão a definir, cada vez mais, um terreno fértil onde o humano pode passar a ser visto como um fluxo virtual por desvendar, até ao limite - hoje ainda impensável - das suas potencialidades.
As próteses, a digitalização da materialidade corporal, as novas mediações entre metabolismos apontam já para uma abismada revolução na ordem da cultura e do genoma, os dois macrocódigos através dos quais nos compreendemos e significamos a nós próprios, pelo menos nos dias que correm.
Plano nacional de Leitura

Então os ministérios esquecem a logotecnia, o cibermundo e o horizonte dos blogues? Sou eu que imagino, ou é mesmo verdade?
Decepção

Está a gente à espera da tão anunciada vaga de frio polar e acontece-nos isto. E eu a pensar que ia utilizar os gorros de malha e o equipamento da neve! Seja com for, parece que ainda há dez anos de relativa esperança.
Programa eleitoral do partido inexistente

Em altura de campanha eleitoral, caso existisse um partido, mesmo se pequeno, sem grandes alinhamentos corporativos (sindicais, patronais e outros) e sem cargas ideológicas pesadas, atento à liberdade, ao ambiente e às novas formas de sociabilidade, creio que o seu programa de regionalização deveria e poderia ser inovador.
Proporia, por exemplo, três regiões. Só que, em vez de estas serem máquinas burocratizadas e abertas ao apetite funcional dos caciques localistas, seriam antes regiões meridianas essencialmente viradas para a resolução muito pragmática de aspectos económicos.
Por exemplo, suponhamos a existência - por concelhos - da Faixa Litoral, da Faixa Interior (acima dos 70% da média comunitária) e da Faixa Interior Depressionária (abaixo dos tais 70%). Podia imaginar-se um quadro orçamental com regras diferentes e outros mecanismos inventivos e compensatórios virados para a "descriminação positiva", como costuma dizer-se. Não haveria parlamentos, nem fronteiras latitudinais ou outras, nem cargos fixos, centrados e instalados em pretensas capitais regionais.
Havia, isso sim, umas tantas reuniões por ano dessas três redes de concelhos (uma espécie de Assembleia Móvel) de onde sairiam, de acordo com uma parametragem previamente definida, os principais projectos que supririam as lacunas, aliás diagnosticadas, deste cantinho da União Europeia (e não havia cá tempo para moções e para política caricatural e coisas dessas).
Simples, fácil, exequível e sobretudo ao arrepio das tentações politiqueiras e corporativas tão em voga, quer na versão Relvas, quer em tantas outras.
Noite embevecida

Não é que, ao ver o filme e o documentário sobre Winston Churchill, bebi um copito a mais! (ainda por cima... bela cerveja alemã comprada no Lidl, passe a publicidade)
Não é que, apesar de tão datado como Trajano, eu continuo a admirar profundamente o jeito intuitivo, sagaz e persistente desse menino de ouro! (But... this are things one never tells!)

domingo, 23 de janeiro de 2005

Uf!?

Há episódios incríveis numa rede espontânea como é a internet. E esta que vos vou contar até era de manter em silêncio. É verdade, devia agora era calar-me, sossegar e apenas sorrir ali na varanda a fingir que olhava para a primeira infância da novíssima laranjeira. Trata-se de um romance que foi o meu primeiro (escrito em 1982 e publicado seis anos depois) e que nunca devia ter saído a público. Felizmente isso aconteceu numa pequena editora, ainda por cima, na altura, com sede na Suíça. Coisas estranhas. Já há quase há uns vinte anos, uma revista de uma universidade norte-americana (Elizabeth Shaffer, Introduction to Between the Echo of the mirror em New Wave, Un. Colorado, 20, 1988, pp.22-25, Boulder) pôs-se a traduzir uma parte do livro e eu fiquei pasmado. Hoje... ando à boleia pela net e não é que dou com uma página designada "The best novels of all times in the Portuguese language (Selected by Piero Scaruffi)" onde a dita hipótese de romance aparece em vigésimo quarto lugar, antes da Memória de Elefante de Lobo Antunes e depois de Vidas Secas de Graciliano Ramos!
Não sofro de autofagia, mas sei que só conto os meus romances a partir do segundo (o mesmo não acontece com os ensaios). O princípio de Peter é um bom guia. Mas uma boa garagalhada não é pior.
(já agora os cinco primeiros da surpreendente lista são: "Machado de Assis (Brazil, 1839): "Don Casmurro" (1899), Augustina Bessa-Luis (Portugal, 1922): "Vale Abraao/ Abraham's Valley" (1991), Jose Saramago (Portugal, 1922): "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (1984), Jose-Maria Eca-de-Queiros (Portugal, 1845): "O Primo Basilio" (1878) e Jorge Amado (Brazil, 1912): "Dona Flor e seus Dois Maridos" 1966).
Simplicidade - 2

Tenho uma aluna que escreve com palavras bastante previsíveis, calculadas e imagináveis em todo o terreno. Mas, no final de cada texto, rebate toda a aparência com um arrebatado valete de ouros. E eu fico sem saber o que dizer. Ainda bem.
Simplicidade - 1

Há de facto blogues que nos deleitam, devido à sua talvez inesperada criatividade. E fica sempre esta pergunta: por que esperamos o que esperamos? (talvez pela mesma razão que não esperamos o que, muitas vezes, nem se chega a avizinhar do nosso destino mais imediato)
Visitantes Miniscênticos das últimas duas semanas

Sabe bem saber que os caminhos deste blogue se cruzam com muitos outros:

Portugal - 4309, Brasil - 317, Estados Unidos - 191, Moçambique - 69, França - 60, Espanha - 58, Alemanha - 53, Reino Unido - 42, México - 41, Holanda - 21, Canadá - 18, Luxemburgo - 12, Filipinas - 9, Suíça - 9, Itália - 7, Polónia - 6, Áustria - 6, República Dominicana - 3, Coreia do Sul - 3, Japão - 3, Dinamarca - 3, Hungria - 3, Bahrain - 3, Noruega - 3, Malásia - 3, Venezuela - 3, Singapura - 3, Taiwan - 3, Belize - 3, Peru - 3, Bélgique - 3 e Colômbia - 1.

Espero dar eco activo às mais variadas topografias que vêm ter diariamente com o Miniscente!
(fonte Geoloc)
Dominações vs. ilusões - 3

E de repente a palavra "maremoto" invadiu com sofreguidão a nossa linguagem. Talvez seja genético: a necessidade de hiperbolizar cede imparavelmente à natureza da escolha. Entre tantas potencialidades e virtualidades, esta, a do "maremoto", passou de súbito a moda e, de certo modo, já virtualiza o discurso que nos envolve (até os nossos melhores cronistas já foram levados pela torrente).
O senso comum cresce assim: como um motor turbo que se alimenta do verosímil, do denunciado, do previsível, ou do simples encaixe criado pelos efeitos da rotina que não ousam ir patra além da própria rotina. E desta maneira singela, o que é montagem mimética e repetitiva torna-se na coisa mais natural e inquestionável do mundo. Um detalhe. Apenas isso. Mas é da repetição que nasce a liturgia. Toda a liturgia, toda a crença e, até certo ponto, toda a capacidade de iludir e induzir a convicção.
Dominações vs. ilusões - 2

O virtual veio possibilitar que o campo de possibilidades deixasse de ser uma mancha imaginária que se cumpriria num além (escatológico, utópico ou ideológico), para passar a ser a imanente realização, já e hoje, de todas as possibilidades através das tecnologias de raiz ciberespacial.
A visão desceu à terra e confinou-se assim com a instantaneidade, enquanto sistema de vida, no seio do qual a dominação já não depende de um centro, de um espaço original ou de um império, mas depende, isso sim, de um movimento, de uma modulação e de uma abertura que está para além do político clássico (e moderno).
A liberdade, a democracia, as soberanias, a própria existência estão, hoje em dia, a jogar-se em novos tabuleiros. Tabuleiros poliplanares.
(não admira, pois, que a política seja cada vez mais mera gestão, a nível local, e tentativa de controlo dos fluxos de imagem a nível global)
Dominações vs. ilusões - 1

O estado alucinogénico, tão na moda há umas quatro décadas, permitia viajar ao longo da propagação electrónica. O real e o não real separavam-se ainda, embora se separassem já menos do que acontecia antes com o paraíso e a vida terrena.
Hoje, a tendência é cada vez mais híbrida: real e não real a fundirem-se e a sobreporem-se, enquanto a alucinação tácita e socialmente consumada do virtual (e do seu embrião chamado zapping) se perfila em vez do velho alucinogénio.
Os expressionistas não viam, tinham visões. Hoje somos todos expressionistas, mas com uma diferença: em vez de visões, vamos tão-só visionando. Como se isso fosse apenas ver. Por sobre este diáfano aparelho de linguagens e de convicções desmontadas, vamos falando, vamos blogando, vamos pretensamente opinando.
Mas o rei vai nu.
Pessoa bem dizia que o mito era esse "nada que é tudo", como se fosse "o corpo morto de Deus/ vivo e desnudo". Lembram-se?
Lembrando Bataille

Se a RTP tivesse um canal que pudesse concorrer com a SIC-Notícias (não é, pela certa, salvo raríssimas excepções, aquele pobre empreendedorismo que pode ser visto a partir do Monte da Virgem), faria um programa, aos Sábados, pelas 00.00 horas, com o nome quase baudelaireano, “Flores do Mal”. Podia até ter como breve epígrafe: “La littérature, je l´ai, lentement, voulu montrer, c´est l´enfance retrouvée” (Georges Bataille, La Littérature et le mal).
Sol de Janeiro

Hoje plantei uma laranjeira. Livros já escrevi. E desde que ouvi o presbítero Louçã, fiquei a saber que pouco mais interessa.
Vazios da campanha eleitoral

Um choque em cadeia supera qualquer ideia mais pura sobre fiscalidade, tecnologia ou gestão.
Limiares da campanha eleitoral

Marques Mendes e António Vitorino fariam um tête à tête mais equilibrado. Por todas as razões.
Às portas da campanha eleitoral

If you can't see the light at end of the tunnel there must be a train coming.

sábado, 22 de janeiro de 2005

Ignóbil

A guerra acabou há sessenta anos. Mas há, hoje, quem recuse um minuto de silêncio em nome das vítimas de Auschwitz.
Coisas



Tenho dificuldade em achar graça. Humor?
Mais do que o terror de existir

Ouvi o final do debate Louçã - Portas, na véspera de um dia ocupadíssimo. Esqueci. Coisa pobre. Mas ficou-me no ouvido o momento nevrálgico: Louçã acusava Portas de nunca ter gerado uma vida. Ele, sim, podia ver o sorriso da sua filha, mas Portas não. Incrível. Toda a gente conhece os mil subtextos que habitam nesta insinuação. Num país de tabus como o nosso, esses subtextos são sempre dissimulados com outras discussões mais elevadas (já se sabe que a homossexualidade e a heterossexualidade são parte inviolável de um fantasma sempre elidido, não dito, não falado, não assumido e perpetuamente remetido para a esfera do privado, do invisível ou do proibitivo). Sobra o resto: uma rotunda simetria de indignações: de um lado, Louçã esquece que Portas é uma pessoa e até um adversário político, transformando-o num espectro canibalmente diabólico (Mossulini também insistia na obrigação de os machos procriarem contra tudo e contra todos); e Portas, por seu lado, esquece deliberadamente que “o direito à vida” não é uma pretensão exclusiva, não é um dote de noivado ideológico, nem é uma alegação paroquial de uns tantos iluminados e possidentes da unicidade ética e moral.
Tal simetria atira por terra a dignidade e a frontalidade políticas na nossa terra. Metade do que se insinua é sempre matéria de ocultação, metade do que se diz é muitas vezes torpe, medíocre, reles, nojento, sujo (os adjectivos começam, também eles, a resvalar na direcção de uma escatologia do paradoxal e do terror). Possivelmente, não há ainda maturidade plena para o debate político em Portugal. Digo-o sem mágoa e digo-o sobretudo com provas que entram pelos nossos olhos dentro.
Debater por ter apenas que debater (caso do face a face Portas - Louçã) conduz a isto mesmo: à consciência de que José Gil se fez inocente arauto, isto é, de que Portugal é um país que vive amiúde com um inadiável terror de existir. Medo de ser. Medo de dizer. Medo de discutir. Abertura forçada. Medo um do outro. De nada. Bardamerda.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Cenário íntimo do olhar

Olho de longe para a minha cidade e digo: haja o que houver - o tempo tem insuspeitas respirações - ficará a luz directa e brutal, a poeira breve, a excelente textura dos palácios, as encostas vergadas e lentas, os frontões apagados, as ladeiras descaídas, as rosáceas geométricas, os telhados proibidos, as esquinas belamente taciturnas e ainda um chafariz a extravasar a comoção na memória do abandono.
Inqualificável

As malévolas confusões de Nuno Cardoso entre justiça, politiquice e intrigas menores, sem nobreza, sem nada.
Todos os dias

Santana Lopes (ainda primeiro-ministro de Portugal) deu ontem, em Almada, o tiro no pé do dia. Todos os dias dá um. É especialista. Não admira já. É como uma adolescente que escreve um diário e repete todos os dias a palavra "coração". Está lá sempre. É superior às forças de quem escreve, ou de quem fala. Além disso, Santana Lopes evidencia péssimo gosto nas metáforas que usa: "um governo que é como uma casa apedrejada", "um governo é como uma incubadora onde o bebé é agredido" e coisas assim. (Eu sei que o líder da oposição é um incansável finalista de media training, eu sei. Mas agora estou a falar de um e não do outro. Não tenho ilusões. E tenho pouca paciência para pobres maniqueus). Ó leitores não portugueses... não invejem nunca a vida política que temos por cá!
Afirmações

Acho interessante - e, aliás, aprecio e secundo - a desideologização da geração dos trinta, trinta e poucos. Falei ontem com um amigo meu do Partido da Terra e, embora ele encare a ala santanista por um canudo e saiba o que é um fartido “falso” no parlamento, a verdade é que estava genuinamente entusiasmado em poder mostrar ao país que o “PT” não é o mesmo que aquela “coisa” chamada “Verdes” (que nada tem a ver com a seriedade das ecocausas ou outras, a não ser a carcaça tutelar). Eu talvez seja demasiado niilista e descrente na espécie para sorrir com a ecologia. Mas sei de que lado está a civilidade. E nisso não deve haver hesitações. Por mínimas que sejam.
Do Rio e com grande voragem

Apareceu ontem escrito pela Sílvia Chueire:

"(...) Vou-me juntar a ti nesta tarde nascente que queima entre as casuarinas. Ouves o que elas murmuram olhando o mar? Resgata-me o corpo, todas as formas e o que há dentro delas. Porque é resgatando-as que as poderei oferecer a ti.Não há pranto a encobrir abismos - talvez um dia houvesse – mas há um oceano a navegar. Uma ausência de medos e um longínquo cantar de sereias (...)"

Obrigado, Sílvia. Já aí chegou o meu romance?
Estou lendo o livro que me enviaste. Muito útil, sinceramente, para o ensaio que estou a escrever sobre o humor (embora haja coisas, não apenas esta, que mais vale a pena fazer do que propriamente pensar. Não é assim?)
Atlântico (actualizado)
Pois é, Ana Maria, talvez por seja por causa do "feriado do padroeiro", mas a verdade é que, hoje, um terço de visitantes do Miniscente vêm mesmo do Brasil! Esse S. Sebastião que "cai no meio de Janeiro" dá uma grande inveja às nossas pulsações mais melancólicas. Já agora, boas melhoras!
Já agora, Brasil: Muito, muito obrigado pelas vossas referências!
Entretanto

Tenho passado o dia de ontem e de hoje a compilar e recompilar bibliografias, dossiês e arquivos variadíssimos para fazer chegar à tutela e a tempo o novo conteúdo de um mestrado, de que sou uma espécie de coordenador. Trabalhar contra a corrente. Remar contra a impaciência. Mas estou farto. Fartinho. A minha vida deveria hoje passar-se à beira de um lago com vista para o "Dois de Junho de 1910" do Som e a Fúria do apreciadíssimo William Faulkner. E mais nada para além disso.

terça-feira, 18 de janeiro de 2005

Homenagem a Theo van Gogh

O mundo do filme holandês vai homenagear Theo van Gogh através de um conjunto de quinze curta-metragens, divulgou hoje o “Nederlands Film Festival” em Utreque. O evento terá como nome “Allerzielen” (literalmente, “Todas as Almas”: a expressão remete para a festa pré-cristã que hoje se celebra a 2 de Novembro - “Todos os Santos” -, precisamente o dia em que Theo van Gogh foi assassinado).
Na iniciativa colaboram dez produtores e quinze realizadores, entre os quais, Eddy Terstall (Simon), Martin Koolhoven (Het Zuiden, De Grot), Karim Traïdia (De Poolse Bruid, Eilandgasten), Nicole van Kilsdonk (Johan, Ochtendzwemmers) e Rita Horst (Knofje, De Daltons).
Estes filmes serão posteriormente copilados numa única faixa-imagem de noventa minutos destinada à televisão e que passará no canal estatal, Nederland 3, no próximo dia 20 de Abril.
Não era má ideia, apesar da complicada gestão orçamental, que a RTP pudesse manifestar algum interesse neste material.
Sailing

Hoje tem sido um dia realmente transatlântico. Mais de um terço dos visitantes do Miniscente tem vindo do outro lado do grande mar, batendo-se o Brasil e os EUA por um honroso segundo lugar (geralmente têm cerca de 5% cada um). É evidente que os lusitanos pontuam hoje, não pelos quase setenta por cento habituais, mas apenas por uns quarenta e poucos. Aragens mundializadas. Saudáveis.
Sobre a Europa

"We had Church, Empire, a number of Kings and Princes, a multitude of feudal relationships and – in some regions – independent Cities, but we never had a small group of rulers able to organize economic life and civil society. As Jean Baechler noticed in his important study about the origins of capitalism and about the role of medieval anarchy in this extraordinary history “the dark centuries have undeniably diffused a spiritual order, but also a deep disorder in politics and the economy." (...) "This manageable chaos was the explanation of our success."
(Carlo Lottieri)

Via Causa liberal
Os recantos do labirinto

"Os portugueses são sensíveis, porque não são maduros. Isso poderia ser maravilhoso. Somos pessoas de pequenas percepções, de intuições imediatas, e por isso sentimos quando alguém está a torcer para que não avancemos. Faz curto-circuito, fecha o espaço das possibilidades. É um sistema."

José Gil.
O esperado regresso de Hirsi Ali


Hirsi Ali, hoje de manhã, no parlamento de Haia

A deputada Hirsi Ali regressou ontem à cidade de Groningen e compareceu já hoje no parlamento de Haia. Depois do assassinato de Theo van Gogh, há quase três meses, só agora Hirsi Ali aparece de novo à luz do dia. Durante todo este tempo, Hirsi Ali permaneceu em parte incerta por iniciativa do próprio estado holandês, tal a gravidade dos acontecimentos do Outono passado. O meio político e em particular o partido de Hirsi Ali, o VVD (liberal de direita), temem que, na conferência de imprensa marcada para hoje à tarde, Hirsi Ali quebre a visão liberal de mundivivência cultural, nomeadamente face ao Islão (novecentas mil pessoas na Holanda). Segundo revela o Volkskrant de hoje, o interesse dos média locais e estrangeiros é enorme. O singular laboratório holandês promete.
Saindo daqui

A noite calou a linha de sombra que escalou pelas folhas da buganvília. Falta um candeeiro na rua. Um pombo enroscado entre telhas. O sonho dos teares. Porque adormece o olhar a resvalar nas palavras. A relva como uma mancha, um alarido informe que soa a rara sinfonia. E eu tão admirado.
Gargalhada

A maior de ontem foi na TSF, no programa do Carlos Vaz Marques. Foi aí que Cruzeiro Seixas explicou a razão que o tinha levado a justapor datas fictícias aos seus poemas: dificultar, complicar e impossibilitar as tarefas aos académicos, i.e., "para que eles não se ponham a dizer que eu escrevi não sei o quê naquela fase e que, depois, na outra fase já...". Acho óptimo. Sobretudo para quem, hoje em dia, entende (nas Faculdades de Letras) a literatura como um mundo autista, fechado em si mesmo e sem quaisquer correntes de ar. Foi uma gargalhada espontânea.
Adiadíssimo

É por isso que Portugal ainda não merece um Senado. Se calhar, a ideia de um Senado vai ter que ser adiada por mais duzentos e poucos anos. Foi ver hoje, na RTP 1, o Prós e Contras para entender que, por trás do "centrão pantanoso", há uma unanimidade tipo afectuosa que é salutar no interface familiar dos avós, mas que em nada contribui para o brilho da afirmação política da comunidade.
Brincar com coisas circunspectas

O Dr. Cadilhe é um especialista que deve ser bem compreendido. E tem razão no que diz em relação ao cancro da administração pública. E não só. Mas tem um acento, uma intonação e uma prosódica tão forçadamente british que quase parece reaver o paródico e saudoso programa "Rapido, Rapido, Rapido" que passava no início dos nineties na BBC 2. Izzn´t it?

segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

Revista brasileira - 2

Dudi Maia Rosa:

"Visita ao Rio, aquarelas, 2004, 2005."
Cecilia Giannetti:
"Depois de escrever, consertar e entregar pra quem vai publicar, a melhor coisa é deixar quieto. Como tentaram me avisar noutro dia: "deixa quieto", a tradução - em duas excelentes palavras - de sete parágrafos assinados por Cesare Pavese que recebi do Chico por e-mail e colei aqui, como post-it pra mim mesma. Mas tem que mostrar, e escutar. Escolher dois ou três que tenham bom histórico de paciência e alguma vontade de ler e comentar. O objetivo não é buscar aprovação. Tem que escutar as diferenças, não inalar o que parecer boçal (aka boçal para além de suas próprias possibilidades), salvar o que parecer pertinente (muito passível de erro) e combinar tudo no que passa a ser a nossa versão da versão dos outros sobre a nossa versão dos fatos ou de fábula que passa por fato. (Não escrever 'ah' em minúsculas e entreparênteses depois de uma frase longa, boba, pra imprimir distanciamento porque a moda agora é eliminar todo o cinismo. Vamos ver até onde isso vai)."
Lucas Baldus e Vicente Gunz:
"João Serenus emprestou-nos sete tamboretes e lá fomos nós para os Altos da Avenida Afonso Pena: Joyce, Gunz, Baldus, Rubião, José Cardoso Pires, Drummond e eu. Pusemos os tamboretes no canteiro central da avenida e começamos a dedicada e atenta observação das pessoas vestidas de carro. Joyce, Gunz e Baldus observavam a pista esquerda; Rubião, Cardoso Pires, Drummond e eu observávamos a pista da direita. Era manhã em Belo Horizonte e as pessoas vestidas de carro, indo ou vindo, pouco se davam conta da nossa presença." (vejam lá se recomeçam este blogue!)
Rudolfo Filho (glosa, naturalmente):
"Alternatively, we can take the view that, precisely because Britain is increasingly multicultural, all variations of religion, all "cultures" - including, of course, atheism, devout Darwinism, etc - should get used to living with a higher degree of public offence. Either you try to protect everyone from offence, or you allow offence equally for all. I'm emphatically of the offence-to-all persuasion."
Letteri café:
"- Senhor, as tristezas não se fizeram para os brutos, mas para os homens. Se os homens se entregam a elas com furor, tornam-se brutos. Anime-se, apanhe as rédeas a Rocinante e volva à galhardia que é própria dos cavalheiros andantes. Que diabo é isso? Que esmorecimento é esse? Estamos aqui ou lá em França? Que leve Barzabu a quantas Dulcinéias há no mundo, que vale mais a saúde de um só cavaleiro andante que todas as nigromancias e alterações da terra. (Sancho Pança a D. Quixote in O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963. 2º vol. Tradução de Aquilino Ribeiro.)"
Andrea Augusto:
Infelizmente não se deixa citar ou copiar (belo texto sobre o Big Fish).
No mínimo:
"O melhor da moda ainda vem aí por trás das transparências que franqueiam a anatomia das modelos do Fashion Rio, há uma indústria de 51 mil empregos no estado (1,5 milhão no país) tentando varrer a crise que começou há 20 anos, na demagogia protecionista, e se agravou na tucanagem cambial."
Adriana Paiva:
"Trabalhar, ir às compras, enfim, andar por uma São Paulo esvaziada pelas férias escolares: decididamente, não tem preço."
Maira Parula:

"Mulher andando nua pelo apartamento."
Sixhat agridoce:
"Eu juro que tinha uma ideia bestialmente interessante para escrever aqui, agora, mas esqueci-me..."
Maria Elisa Guimarães (MEG):
"Na Grécia, dizia-se que Eros (Cupido entre os romanos) teria dado uma rosa a Harpócrates, deus do silêncio, para fechar-lhe os lábios, a fim de que nada dissesse a respeito dos amores de AFRODITE (Vênus entre os latinos)."
Ângela (Olá!):
"Os acordos de pesca surgiram nas regiões de Santarém e Marajó, espalhando-se atualmente por muitos municípios nos estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Mato Grosso e Amazonas. Entre suas conquistas, por exemplo, está a concessão de seguro-desemprego para pescadores artesanais nos períodos de desova dos peixes, que assim podem se multiplicar sossegados durante o período."
Sérgio Faria:
"A mãe natureza está puta, arrancou o avental todo sujo de ovo e, aos poucos, vai fazendo todo mundo ajoelhar no milho. Pra ela não tem dois ou três, é só de 100 mil pra cima. Coração de mãe perdoa mas não esquece."
Revista brasileira - 1

Alexandre Soares Silva:
"A pergunta não é que Deus é esse que permite o maremoto na Indonésia. A pergunta é que Deus é esse que permite que tantos blogueiros brasileiros sofram tanto com o maremoto na Indonésia."
Aldir Blanc:
"Coltrane, morto, tem infinitamente (êpa!) mais a dizer que nossos espertíssimos sambolas e sertanojos."
Paulo Bicarato:
"Projetos existem, mas efetivamente nada saiu do papel: tapumes ordinários ocupam os lugares das antigas portas de madeiras nobres; relógios, equipamentos e mobílias desapareceram; telhas e detalhes arquitetônicos esboroam-se a olhos vistos. O luxo dos nobres passageiros e a riqueza do café deram lugar aos mendigos e desocupados."
João Paulo (is on the table):
"Fim de semana é quando a gente vê estrelas. Este fim de semana quero com muita espuma. Merecida espuma. Aquela coisa fútil e leve."
André Leal:
"Ainda bem que a geração cabeçuda de 1968 lutou por um direito que eu vou exercer agora."
Marina:
"Hoje (ontem) fui até Ipanema, parecia que eu estava no centro do inferno. Soprava um vento forte e fervendo. Comprei um biquini bonito para as férias e uma calça bem fina (crepe?) com a mesma estampa. Ficou bem bacana, amor à primeira vista."
Marcelo V.:
"Estamos aqui mais para falar de cinema do que de política (embora a política, no fundo, esteja praticamente em toda a parte). Desconsidero totalmente opiniões do tipo "o projeto do PT não passa de ascensão social" ou afins, que andei lendo por aí, em especial a respeito de "Entreatos". Não torço nem pra clube de futebol, muito menos pra partido político. Se nem quando eu era do movimento estudantil, trabalhava na UNE e estava envolvido em política até os lóbulos auriculares eu sequer cogitei me filiar a uma sigla (não dizem que jornalista não tem amigos? Pois jornalista não deve ter é partido)..."
Eliane Stoducto:
"Que lástima... Estou velha, arcaica, senil como o vinil dos nossos embalos de sábado e sexta-feira à noite...O vinil que contava nossas histórias pessoais e passionais, com a faixa arranhada e gasta - quase furada - de tanto ouvir quando se chegava em casa de porre depois de ter perdido o suposto grande amor... Aquele, do qual conhecíamos os arranhões e cicatrizes, se foram... E hoje eu choro a perda dos velhos vinis com suas heranças, histórias e legados febris."
Sulitânia

Fui ontem comer ao restaurante - ou taberna celestial - do blogueador alentejano-moçambicano que soma o dedinho do design à arte do pimentão de carne com cação, ou ao refinado coelho à Bussalfão com alecrim. Não precisei de fazer fé no Fugas do Público ou na Visão para rever neste meu compatriota de escola primária o vastíssimo devir do bom gosto, do risco, do humor, da tradição e, ao mesmo tempo, da volumetria pura das formas. Fica no Vimieiro (a meio caminho entre Arraiolos e Estremoz), chama-se Sulitânia - Casa de comes-e-bebes, é alimentado a branco profundo e à clássica cor de sangue de boi e, nas suas entradas e sobremesas, revê-se, tudo leva a crer, a profunda nostalgia de quem não pode ainda deslocar-se a esta transparência do prazer em plena planície! Olhem que vale a pena, sinceramente. Para confederados, solitários, eternos noivos, ou ainda para simples evasões à procura de mundo ou da mais simples respiração.

domingo, 16 de janeiro de 2005

Velejando



"Finalmente, conheceram e souberam que o povo chacoteado saía a pelejar com o outro que o chacoteava em demasia. Chegou-se para eles D. Quixote em grande desgosto de Sancho, que nunca foi amigo de se achar metido nessas danças. Os do esquadrão abriram-lhe campo, julgando que era algum dos da sua parcialidade. D. Quixote, alçando a viseira com gentil brio e porte, chegou ao pé do estandarte do burro, e ali os rodearam os mais principais do exército para o verem, cheios de costumado pasmo que sentiam todos os que o divisavam pela primeira vez." (Cap. XXXI, D. Quixote de la Mancha)

Parabéns, Miguel de Cervantes.

sábado, 15 de janeiro de 2005

Saudade/ Heimwee


Universidade de Utreque (Holanda)

O comboio, enfim, não mais do que uma luz intensa e branca entre a fúria das águas e a redenção mal disfarçada que vagueia nas paredes cor de salmão. Um ronronar de vozes muito baixas, o arenque com cebola crua exposto em barraquinhas ao vento e, é verdade (!), há ainda o fio de ouro a uivar sob mantos de renda clara, muito muito próximo de duas velhotas que não param de olhar para o realejo. O comboio pára, atravesso o Hoog Catariijn, corro entre ruas coloridas e calmas, entro no edifício - cheira a café aguado - e já sei onde estou. Utreque, cidade de tratados, de ofuscações e de memórias meteóricas. Foi lá que me doutorei há já tantos anos, foi lá que comprei uma televisão minúscula e foi lá, também, que comi tantas e tantas vezes umas sanduíches com pimentos amarelados que os italianos vendiam junto ao canal.
Marcando o espaço

Olho para a macieira (que foi bastante podada) e sei que não há indiferença naqueles braços e ramos bruscamente cortados. Tudo neles é consciência a incitar os teodolitos (e teofanias) da vida.
Parabéns



Hoje, o Miniscente faz ano e meio (e o meu sobrinho Zé Zé que está em Boston já faz cinco). Parabéns aos dois meninos.
Israel sempre na mira

O Público de hoje escreve na primeira página: "Sharon Fecha Gaza e Corta Relações com Governo Palestiniano!". As palavras surgem envolvidas, com grande destaque, em torno de uma imagem normalmente pouco fotogénica de Sharon. O objectivo pretendido passa de imediato: o mau da fita já deu cabo de tudo outra vez. O que não se diz - ou diz em letra pequena e sem realce significativo - é que o promissor processo de paz que agora parecia querer começar foi drástica e tragicamente interrompido por um ataque terrorista adjuvado pelos habituais vídeos da cultura da morte (a que as televisões ocidentais continuam idiotamente a conferir o patológico estatuto de notícia). E eu pergunto: por que é tão indisfarçável este espírito anti-israelita que grassa em Portugal? Que tipo de branqueamento cultural profundo atravessa o país (e, já agora, grande parte da inteligência europeia)? Será realmente involuntária esta quase irresistível tentação dos jornalistas e de grande parte dos descendentes do que era dantes a figura do "intelectual"? Porquê estas truncagens que se sabe carecerem de objectividade e de verdade mínimas? Porquê?
O acontecimento de 2005


EPA/ESA/NASA

Até agora o grande evento do ano é a aterragem da Huijgens (o nome do holandês celebrado pela sonda é Constantijn Huijgens) no longínquo planeta Titã, o segundo maior satélite do nosso sistema solar.

EPA/ESA/NASA
Neste momento, estão a ser trabalhadas três centenas e meia de fotografias. O site da Agência Espacial Europeia não parece estar nos melhores dias, mas a agência italiana e a Nasa dispõem de informações de acesso fácil.


O caminho que a Huijgens seguiu ontem até descer em Titã (imagem NASA).

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

Fluxo de blogueador

Um blogue não serve nunca para confessar que o blogueador está mal disposto. É preciso enunciar, é preciso escrever, é preciso sobretudo estampar a linguagem ao premir o rectângulo laranja onde se lê “publish post”. Um blogueador vive do fluxo de ser blogueador e o blogue alimenta-se do que o faz ser blogue.
Press


"(...) an artistic and sporty teenager(...) "

"I want someone to stand up for him and say he is a very good man, and I'm that person. Because I know what it is like to have a very bad press and to be continually criticized. It is very tiring and it is very unpleasant".
Duchess Sarah Ferguson (BBC Radio 4)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Sans aucune gravelure

Ainda não me tinhas dito nada acerca desta maravilha!
Última hora

Vai aparecer um Laboratório de Escrita Criativa, em Lisboa, sediado ali para as bandas da D. Carlos, Conde Barão, S. Bento, etc. (há-de ser algures nas margens deste espesso triângulo). Dizem que se vai chamar Meteoro (?) e que se vai dedicar a muitas escritas. Dizem que vai ser dirigido por uma figura da blogosfera e de outras esferas e órbitas. O suspense promete crescer até Maio. Depois, dizem, o marketing vai ser arrasador.
Actualíssimo – 2

Contracção do volúvel coração do “Santo” e do artigo bastante indefinido, género feminimo e número singularmente louro, “Ana”.
Actualíssimo 1

Ainda sobre dicionários, ver este espantoso via via.
Os super pós-pós-pós Trio-Harmonia



Podem ser visitados em novo blogue onde se fica a saber tudo sobre litanias e raves, casas de pasto para jovens e ainda a rara prestidigitação que permite criar uma CDR Label em 10 passos simples. Definitivamente “Out with the 90's!”
Do pensamento dicotómico em Portugal

Se folhearmos o primeiro volume do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, entre as páginas 262 e 271 - há com cada maluco! -, apercebemo-nos das formas que a nossa língua seleccionou para fazer equivaler a conteúdos de natureza dicotómica.
Este é, ou pode ser, de facto, um barômetro interessante para compreender como é que o pensamento dicotómico (que acaba por relevar o que está em estado de falha produnda numa comunidade) age entre nós. Vejamos os resultados. Dividamos, para já, as coisas em dois grupos principais (há mais):
No primeiro, encontramos vinte e cinco possibilidades apenas com forma adjectiva (ou seja, sem o substantivo abstracto correspondente). Os exemplos vão de "antiamericano" e "antiunionista".
No segundo, incluímos as possibilidades que contemplam, quer a forma substantiva abstracta, quer a forma adjectiva. São culturalmente mais fortes e de maior relevância do que aqueles que apenas mobilizam possibilidades adjectivas. É aqui que estão referenciados os verdadeiros “topic” que o sistema comunicacional privilegia.
(ei-los: anticlerical/ anticlericalismo, anticolonialista/ anticolonialismo, anticomunista/ anticomunismo, anticonformista/ anticonformismo, anticonstitucional/ anticonstitucionalismo, anticorporativo/ anticorporativismo, anticristão/ anticristianismo, antieuropeísta (antieuropeu)/ antieuropeísmo, antifascista/ antifascismo, antifederalista/ antifederalismo, antifeminista/ antifeminismo, anti-ibérico (anti-iberista)/ anti-iberismo, anti-imperialista/ anti-imperialismo, antimilitarista/ antimilitarismo, antiparlamentar (antiparlamentarista)/ antiparlamentarismo, antipatriota (antipatriótico)/ antipatriotismo,
anti-racista/ anti-racismo, anti-realista/ anti-realismo, anti-reformista/ anti-reformismo, anti-revisionista/ anti-revisionismo, anti-semita (anti-semítico)/ anti-semitismo, anti-socialista/ anti-socialismo, antitabagista (antitabaco)/ antitabagismo e antiterrorista/ antiterrorismo)

Destas vinte e quatro formas expressivas, há seis que apresentam, não uma, mas duas possibilidades adjectivas. São as que correspondem a conteúdos culturalmente mais mobilizados e, portanto, em princípio, ainda mais pesados:

a) antieuropeísta (antieuropeu)/ antieuropeísmo;
b)antiparlamentar (antiparlamentarista)/ antiparlamentarismo;

(estas duas estão muito ligadas à experiência das últimas três décadas. Na primeira, joga-se a grande disputa que esteve na base da escolha de fundo das duas últimas gerações portuguesas, enquanto a segunda reflecte ainda a crispação vincada que se projecta sobre a consciência de fragilidade das instituições da democracia, sobretudo sobre o parlamento);

c)antipatriota (antipatriótico)/ antipatriotismo;
d)anti-ibérico (anti-iberista)/ anti-iberismo;
e)anti-semita (anti-semítico)/ anti-semitismo;

(estas três evidenciam uma tradição que se prolonga na contemporaneidade. A primeira advém do início de oitocentos e adensou-se com várias probabilidades semânticas durante o século XX; a segunda denota uma questão traumática fulcral que atravessa a ansiedade lusa; a última é parte escondida e subterrânea da história portuguesa, avivada pelas tragédias de meados do século XX e ainda pelas que, nas últimas décadas, se têm centrado sobretudo no Médio-Oriente);

f) antitabagista (antitabaco)/ antitabagismo;

(por fim, o tabaco aparece como a única prática social envolvida pelo pensamento e agir dicotómicos e, portanto, como alvo necessário de polémica aguda. A questão adquiriu moldes mais dramáticos na última década e meia, na medida em que, no Ocidente, as ecologias politicamente correctas passaram a perseguir o tabagismo, apesar das arreigadas tradições centenárias).
(by the way: isto não é uma abordagem científica, ou seja, ceci n´est pas une pipe)
Mitologias pessoais

Neste mundo de tijolos austeros que é Copenhaga o céu esbraseia. Perto do Tivoli, um octogenário navega sobre uma bicicleta de rodas minúsculas e eu penso que o circo anda por perto. Mas não. O senhor encosta a bicicleta à parede e abraça uma espanhola com metade da idade. E eu lembro-me do final do Ulisses - “… pus os braços à volta dele sim e puxei-o para baixo para mim para que pudesse sentir os meus seios todos perfume sim e o coração batia-lhe …”. A vida estava a começar. Outra vez.
Todos os dias, de manhã, penso nisto. Confesso-o.
Figuras

Um comentário que apareceu no post de ontem (da autoria de um leitor de Chaves) já prevê algumas figuras a incluir no directório dos novos "Democrats" portugueses. Ei-los:

"Proponho como secretário-geral o António Barreto e para porta-voz o Sousa Tavares. Punha o Pacheco Pereira no Parlamento Europeu e a Filomena Mónica na Cultura".

A coisa começa a andar.
Coincidência com a realidade é pura ficção

Imaginemos que uma universidade estatal decide efectuar uma acção de pura montagem entre cadeiras de departamentos já existentes e cria assim, com a maior das artificialidades e com fins apenas quantitativos, uma nova licenciatura em área esgotada e sobreabundante, quer no mercado de trabalho, quer na produção de massa crítica de qualidade (que a escala do nosso país possa absorver). Imaginemos que nada nem ninguém se poderia opor com racionalidade à manobra. Que fazer, então, nesta terra visceralmente corporativa, onde o estigma da ilimitada "função pública" de uns parece coincidir com a quase generalizada impotência e mediocridade (da imagem) de todos?
Nada.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Novo partido



No Abrupto:

"Teria excepcionais condições para aparecer se o nosso sistema partidário fosse menos rígido e as leis eleitorais diferentes. Seria um partido como os sociais-democratas ingleses face aos trabalhistas e conservadores, com apoio eleitoral “nacional”, assente na opinião pública reformista e nos quadros das profissões liberais, competitivo com o PS e o PSD."

Estes "Democrats" são mais ou menos semelhantes ao Democracia 66 holandês. Foi o meu partido, é verdade, mas vi-o desaparecer desde que aqui cheguei a terras lusas.

terça-feira, 11 de janeiro de 2005

Silhuetas

Quando ia a sair do bar, era noite, vi uma nuvem humana em delírio. Imobilizei-me. Quando pensei que ia ser varrido do planeta, ouvi um estrondo. Partira-se a montra a meu lado e o caixote do lixo explodia. Depois, houve um clarão. Nada mais. Roncos e sons desconexos. Olhei para trás e aquilo parecia um amontoado de gangsters gigantes, jogadores de futebol americano, gorilas de Hanói. Passaram e eu senti que não passava de uma amiba ilesa entre a furagida praga de milhares de gafanhotos. Por milagre assim foi.
Uma vez não são vezes

Uma vez, em Poitiers, um homem subiu a rua a correr. Entrou na estação e viu um outro homem que saía, apressado. Um correu atrás do outro. Era uma rua a descer e o tom do casario era acinzentado, informe, bordejado de hotéis com sinais luminosos já apagados. Fez-se manhã. De repente, vi uma ambulância e não consigo lembrar-me de mais nada. Só sei que foi em Maio de 1972. Na segunda metade do mês. E eu estava lá.
Já nem me lembro da marca

Há precisamente vinte anos, com ajuda de um subsídio do sindicato dos artistas neerlandês - as coisas em que um gajo andou metido! -, comprei a minha primeira máquina de escrever movida a esfera. Aquilo era um mimo. Apagava, rescrevia e tinha uma espécie de turbo minimal que dava ao engenho um ruído de fundo motorizado que me embalava como nunca antes tinha acontecido. Foi o fim da era da martelada. Mas foi, também, o início da impensada espera de apenas quatro anos. No, a todos os títulos, histórico 1989, o MS DOS bateu-me à porta, eu levantei os braços e acabei por suspirar de consternação aliviada.
Até hoje.
Não tinha nada que olhar

Num dia de chuva e céu muito carregado, passei pela frente da porta do meu vizinho. Não havia luz e a trovoada já ameaçava.
Olhei e vi que o meu vizinho segurava no ar a gata branca, branquíssima, que era, toda ela, naquele momento fulminante, uma rara mancha de luz no meio da mais misteriosa caverna.
Pressentimentos imaginados

E em certas noites, à beira do canal, tantas foram as vezes que parava a olhar para longe e subitamente me ocorria a ideia de duas mãos que me empurarriam para dentro da água suja. Nunca aconteceu.
Quando ainda escrevia à mão

Já não sei em que livros, mas confesso que várias vezes me vi rendido, sobretudo na escrita de sonhos ou na deambulação monologada, àquela imagem que é hoje, em todos os sentidos, adverbialmente incorrecta: a onda gigante do tamanho do horizonte que caminha sobre todos nós.
Breves 3

Pedro: confirmo que o dinheiro nos leva muito mais longe do que qualquer atavismo semiótico.
Contudo, concordar-se-á que foi com actos semióticos, nem sempre ponderados, que Onassis fez o que fez.
E, muitas vezes, com a roupinha fora do sítio certo.
Breves 2

Maria João Bustorff disse que, se o PSD vencesse as eleições, Évora seria Capital Nacional da Cultura. Por que não segredou tal novidade ao ouvido de Durão (na Primavera de 2002) ou de Santana (no Verão passado)? Faro teve mais sorte com os segredos. E ainda bem. Já agora, tenho saudades do ciberscópio da Coimbra 2003.
Breves 1

Se tivesse sido o Aznar, também terias escrito o mesmo? Estou certo que sim. Mas gostava de lê-lo escrito por ti. Bem sei que os “ses” habitam um universo de duendes no cabo do mundo da antimatéria.
(já agora, pensavas que te escapavas à blogosfera, não era?)
Memória & caldeirada



Ontem, na RTP-Memória, passou uma das antigas "Noites de Teatro" que, pelo menos, entre o final dos anos cinquenta e o início dos anos 70, preenchiam o serão de Quinta-feira (ou era Terça-feira?).
Na peça de ontem, Ájax de Sófocles, Eunice Muñoz encarnava Tecmessa, em gravação de 1973, com produção exclusiva da televisão estatal.
No fim, fiquei sem saber de quem era a encenação, de grande qualidade, saliente-se, e a riquíssima construção do espaço cénico.
Um desafio para a altura, mas um desafio impossível nos nossos dias.
Hoje em dia, aquela duração impertinente e extremamente estética, aquela rasurada entrega ao tempo, aquela morosidade da palavra pronunciada e aquele denso e labiríntico cruzar de vozes jamais se poderiam tornar em "produto" televisivo.
Em pouco mais de trinta anos, o alinhamento das imagens veiculadas pela televisão "evoluiu" do paternalismo calculado ao calculismo gaiteiro e massificado.
Naquele tempo, a larga maior parte das pessoas não entendia aquelas imagens. Mas era o momento da "Noite de Teatro" e isso era o quanto bastava. Tratava-se de enunciar um poder referencial e reverencial, sem quaisquer concessões por parte de quem explicava ao povo o que devia ser e como devia ser (e a peça de ontem até escapava ao verosímil dominante na época).
No tempo de hoje, a larga maior parte da população nem chega a colocar a questão da compreensão. O poder está do lado do fluxo de imagens e, para além do prodígio dos deveres - essa natureza morta já sem qualquer sentido -, basta-se a si próprio, reproduz-se por si próprio e ensimesma-se por si próprio a bem das audiências e da alegria apolvilhada do nosso bom povo global.
Economias paralelas


Jan van Goyen

A saga dos roubos de arte na Holanda continua. Na noite de ontem, no Museu Westfries de Hoorn, foram roubados mais de vinte quadros, entre os quais obras de Jan van Goyen, Jacob Waben e de Matthias Withoos.
Ou pensam que é só por cá que as economias paralelas se agitam?
Temperar com azeite

Hoje saiu uma "Portaria" (n.º 24/2005. DR 7 SÉRIE I-B), assinada por muitos ministérios (das Actividades Económicas e do Trabalho, da Agricultura,Pescas e Florestas, da Saúde e do Ambiente e do Ordenamento do Território), que define "as regras relativas ao modo de apresentação do azeite destinado a ser utilizado como tempero de prato nos estabelecimentos de hotelaria, de e bebidas".
When the music’s over, turn out the lights.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

S. Boaventura

Só hoje descobriram o manifesto. Vendo bem, até lá estão pessoas simpáticas. Há de tudo, como convém. E isto das polémicas é sempre sinal de boa vida. Só não entendo a razão que leva aquele senhor da sociologia porto-alegrense a ser tão abençoado. Será comércio justo? Não sei. O certo é que tenho ali o Mil Folhas pousado sobre a mesa, desde Sábado. Confesso que com o imbróglio até deixei queimar o bolo de requeijão. Aliás, sem ser grande barra a teologia, devo dizer que, apesar de não ter gostado nem dos poemas, nem da respectiva crítica, sempre fui um indefectível fã de Maria Filomena Mónica. Desde muito antes de ela ter dito que se “estava nas tintas para a autoconfiança dos portugueses”. S. Boaventura não está. E a real companhia também não.
A piada de mau gosto

vem hoje no Barnabé. Não será pelo que possam pensar (venda, véu, velame de sentido único), mas é-o, sim, pelas dores do Índico. Tanto é patético o aproveitamento miserabilista da coisa, como a graçola à boleia da dita.
Os sofás do anfitrião

Embora esteja a completar o segundo dia de contagem, o Geoloc permite conhecer a diversificada proveniência dos visitantes do Miniscente. O facto, já ontem aqui referido, não deixa de entusiasmar. Não tanto pela quantidade, mas sobretudo pelo que significa de salutar e mundializada respiração. Ora veja-se: Portugal -. 423, França - 24, Brasil - 17, Filipinas - 8, Polónia - 6 , Alemanha - 6, Reino Unido - 5, Moçambique - 3, Espanha - 3, Coreia do Sul - 3, República Dominicana - 3, Estados Unidos - 2.
O que vale é que o entusiasmo é sempre passageiro, sobretudo quando um braço deixado de fora, sobre as ondas calmas da lagoa do The Truman Show, acaba por rasgar o céu.
E, então, o rei fica subitamente nu, mas os softwares também.
Sinal dos tempos

Com linguagens diferentes, cada vez mais a opinião de crédito aparece apostada numa clara mudança de sistema político. A crítica recai na inevitável cegueira atribuída aos deputados que são eleitos sem qualquer relação concreta e vivida com o eleitorado. Eleitos em nome de uma abstracção geral e universal, a “nação” ou o “povo”, os nossos deputados não respondem perante nada, a não ser perante a doxa imprimida nas sedes partidárias em nome da conjuntura estreita, da antecipação serôdia ou do truque previsível. É assim, goste-se ou não.
Para piorar a já débil qualidade do nosso actual formato democrático, desta feita as listas mostraram-se claramente apressadas e deficientes, tendo perdido o carácter diáfano ou dissimulador que antes ainda denotavam. Um passo de pelicano em vez do clássico pudor da rã.
Para agravar a situação, vamos ter, em vez de um único partido falso - os verdes (que permitem esconder a foice e o martelo aos comunistas) - o razoável número de quatro (anunciam-se como outros apêndices, respectivamente, o Partido da Terra, o Partido Popular Monárquico e ainda a chamada Renovação Comunista). Faça-se justiça ao partido de Manuel Monteiro - e aos outros todos, MRPP incluído - que, pelo menos, se apresentam de corpo inteiro e sem taras perdidas.
Adivinham-se, na próxima Assembleia da República, debates intermináveis, retóricas repetitivas e secas, linguajares áridos, metáforas pastosas, argumentos estéreis e horas e mais horas de debate infrutuoso. Uma casca de banana luminosa a suscitar um swing saudável e apetitoso a todos os descrentes e inimigos da democracia.
Martha Nussbaum

em entrevista ao jornal ecologista (de esquerda) holandês De Groene Amsterdammer (10/1/2004):

Todos os direitos necessitam de um empenho activo do estado, e todos os direitos têm um componente económico.
(Alle rechten behoeven actieve inmenging van de staat, en alle rechten hebben een economische component.)
A liberdade de expressão, por exemplo, exige (implica) escolaridade, e isso significa que deve ser investido dinheiro (pelo estado).
(De vrijheid van meningsuiting vereist bijvoorbeeld scholing, en dat betekent dat er geld moet worden uitgegeven.)
Em certas partes da Índia as infra-estruturas e o sistema educativo são um verdadeiro desespero. O que é que significa então liberdade de expressão? O que é que significa então direito de voto?
(In bepaalde delen van India zijn de infrastructuur en het onderwijssysteem een puinhoop. Wat betekent vrijheid van meningsuiting dan? Wat betekent stemrecht dan?)
Mesmo nos Estados Unidos, onde as pessoas estão habituadas à ideia das liberdades negativas, há decisões do Supremo Tribunal que colocam o direito à educação com algo inerente à própria liberdade de expressão.
(Zelfs in de Verenigde Staten, waar men erg gehecht is aan het idee van negatieve vrij heden, zijn er uitspraken van het hoog gerechtshof geweest die stelden dat het recht op fatsoenlijke scholing inherent is aan het recht op vrijheid van meningsuiting.)

E esta?
Smiling

Para sorrir ou rir um bocadinho com processos de truncagem gráfica estilo Contra-Informação blogosférica, vale de facto a pena passar pelo Bloguítica. Antes que a coisa caduque!
Notícias do mundo da imagem

Saiu hoje a lei (n.º 1/2005. DR 6 SÉRIE I-A) que regula "a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum".
Acho curiosa a expressão "utilização comum". O semiótico A. MacHoul já quase há uma década que propôs a superação da ideia tricentenária de cultura pela mais contemporânea "community" ou "being-in-common": “A community, then, is whoever (collectively) copes - methodically - together with what happens, which may conform to what we think are collective expectations”.
O que os nossos legisladores andam a ler!
Securitat

Ontem andei o dia meio engripado e pude ver televisão, à noite, com aquela tranquilidade que esquece o stress mais pesado. Daí que a passagem pelo Arte me desse a ver a reconstituição ficcional do único assalto ao banco estatal que terá ocorrido na Roménia, no tempo da outra senhora. A coisa passava-se em 1955. Depois de as autoridades descobrirem os bandidos - todos judeus e recentemente saneados de alguns serviços de estado - decidiram realizar o filme, sem que houvesse algum precedente nesse sentido. O ministro da tutela acabou por autorizar, desde que os serviços secretos providenciassem a máxima discrição possível. Mais: os assaltantes deviam ser os próprios actores.
É evidente que o mais patético foi ver no filme os próprios "bandidos", nos seus respectivos papéis de stars meio amedrontados, a confessar o que haviam pretensamente feito, antes mesmo de serem julgados (na realidade). Claro que, algum tempo depois do filme, um Tribunal Militar Especial fez o que tinha a fazer: foi tudo condenado à morte, sem apelo nem agravo, excepto a única mulher que, no caso, era dada como alegada cúmplice: essa, "por ser mãe", foi enviada para "trabalhos forçados" até ao fim da vida ("perpétuos").
No final, veio a saber-se que os acontecimentos, todos eles de facto reais, haviam sido parte de uma campanha anti-judaica, no momento em que a política de forçada emigração dos judeus para Israel se tornava mais do que desejada (e foi-o na prática), embora não devesse dar demasiado nas vistas. O mesmo se passou na Polónia, na altura.
O filme ilustra ainda - com uma fotogenia assustadora -, sobretudo na abordagem à perseguição e aos interrogatórios, o canibalismo político e a hipocrisia mais violenta e verdadeiramente sanguinária destes regimes do "homem novo" - expressão corrente noutros filmes romenos da época - que ainda hoje meio mundo silencia.
Porquê?

domingo, 9 de janeiro de 2005

Anfitrião sabido



Com ajuda do Abrupto instalei o Geoloc, dando assim ao Miniscente a oportunidade de conhecer, em tempo real, a origem geográfica de quem o visita. Embora com pouco mais de 24 h. de convívio com o software, tempo ainda insuficiente para qualquer tipo de conclusões, é já, no entanto, interessante ver as Filipinas em terceiro lugar, apenas atrás de Portugal (cerce de 60%) e do Brasil (cerca de 12%), entre a mais recente - e, aliás, pequena - vaga de visitantes do Miniscente.

sábado, 8 de janeiro de 2005

Convivência global e convivência doméstica (actualizado)

O diário holandês Volkskrant publicou, no Sábado passado, um artigo assinado por Janny Groen sobre a cada vez mais estranha relação entre pais e filhos de origem marroquina que moram na Holanda. Na abordagem de Groen, o que está em causa já não são as clássicas segunda e terceiras gerações, mas sim o caso da mais recente primeira geração, muito marcada, na sua juventude, pelo impacto do 11 de Setembro. Se, no Ocidente, o vórtice criado pelo dia das torres gémeas continua a ser visto como o início de um processo que, de um modo ou doutro, veio alterar radicalmente os paradigmas habituais de análise política e social, este caso, pelo seu lado, permite-nos confirmar esse mesmo quadro, mas agora no mais íntimo e impensado reverso da medalha.
O mais curioso no artigo de Groen - e sobretudo no que é nele subjacente - é o modo como os jovens de origem marroquina apreendem, hoje em dia, o que é o Islão. Em vez de se sustentar nos seus pilares escriturais e da tradição (hadith), o Islão acaba antes por ser moldado, por estes jovens, de acordo com um modo de desabrida e radical oposição a todos os elementos simbólicos do mundo ocidental. Quer isto dizer que, para muitos adolescentes de origem marroquina que moram na Holanda, o Islão acaba por basear-se numa interiorização caricatural, fantasmática e, portanto, diagramática.
Um “teólogo” muçulmano - o termo é, não posso deixar de sublinhá-lo, muito ocidental - da província do Brabante, de nome Mohammed Ajouaou, relata, no artigo de Groen, o que se está de facto a passar, neste momento, na Holanda. Ouçamo-lo:

"(...) tudo começa com o interiorizar de um estilo de vida adoptado por um filho e, aqui e ali, também, por uma, por uma filha. O filho entra na sala e tem sempre um comentário na ponta da língua acerca das cortinas que estão abertas. Tal pode fazer com que gente estranha veja as mulheres que estão dentro da sala. E isso não pode, de modo nenhum, acontecer. (...) Noutras situações, faz-se sentir uma pressão quase hostil sobre as mães e as irmãs para que usem o véu. A televisão também deve permanecer fechada, já que a música que dela sai não é islâmica. Numa fase seguinte, os filhos chegam a separar os pais e as mães na própria casa, sempre que há visitas."

Groen termina o artigo com esta comparação assustadora:

"Segundo Ajouau, em muitas famílias marroquinas sofre-se em silêncio. Tal como os pais de drogados compulsivos, também os pais marroquinos já não conseguem, hoje em dia, evitar a entrada do radicalismo dos filhos na sua própria casa”.

Esta conclusão revela-nos uma novíssima história acerca dos pais marroquinos que se sentem domesticamente reféns dos seus filhos e, no fundo, devido ao facto de estes respirarem um súbito fascínio pelos agenciamentos de violência global anti-ocidentais que, como se sabe, adquiriram uma nitidez muito especial na Holanda dos últimos meses. Os efeitos de contracultura já eram poderosamente conhecidos no Ocidente, pelo menos desde os anos sessenta, mas com outras cores, naturezas e devires. É por isso interessantíssima a comparação que Ajouau faz entre os pais ocidentais confrontados com o flagelo da droga e seus derivados, por exemplo, e os pais marroquinos, hoje abruptamente comprimidos pelo esquematismo pseudo-religioso.
A verdade é que, no contexto da progressiva diluição entre esfera pública e privada, que é uma das características-chave do nosso mundo contemporâneo, a situação descrita por Groen ameaça pôr drasticamente em causa a tradicional política de integração a que países como a Holanda se entregaram há umas três décadas. Este estado de coisas era inimaginável há uns vinte anos, até porque a família marroquina era então um reduto férreo e uno que, apesar das diferenças e dos traumas, não se alheava dos processos estatais que visavam intensa e honorariamente a integração das “minorias”.
Hoje em dia, o 11 de Setembro está em curso em todo o lado. Mesmo na mais aprazível sala de um apartamento de Amesterdão. Nos tempos que correm, as fronteiras entre culturas, alteridades, modos de agir e violências possíveis pulverizaram-se. E, às vezes, parecem mesmo anular-se. E ainda há quem discuta a questão da Turquia com tanto receio e impaciência!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2005

Reparo

Num post (e crónica) que assinei acerca dos "juízes inabaláveis", critiquei convictamente a ideia de que poderiam - ou deveriam - existir listas "perfeitas". Interpretei o facto e tentei provar que essa ideia acabava, em última instância, por corroer o que há de mais importante e vital na própria democracia.
Mas não se entenda esse meu texto e essa minha posição, de modo nenhum, com uma espécie de aceitação acrítica das listas que estão aí a aparecer à luz do dia. A excentricidade e a incapacidade renovadora que denotam são de tal modo gritantes e generalizadas que nem quase valeria a pena escrever este reparo (ver hoje, a propósito, o excelente editorial de José Manuel Fernandes). Não irei tão longe quanto é saudável e causticamente habitual em Vasco Pulido Valente, mas, por outro lado, não há nada como a hipérbole para traduzir de forma cristalina o que se está a passar diante dos nossos olhos.
Maiorias

Hoje, o Expresso da meia noite promete. A avaliar pelo que se passou ontem na gravação. Seja como for, estarei ainda a dar aulas a essa hora.
No momento adequado

Foi hoje publicada no Diário da República uma "Resolução do Conselho de Ministros (n.º 5/2005. DR 5 SÉRIE I-B de2005-01-07) que "cria uma instância de coordenação da acção externa do Estado Português".
Também já não era sem tempo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2005

Na RTP - 1, hoje à noite

António José Seguro: levanta o pano do pó, enquanto apara a máscara circunspecta.
António Filipe: levanta os óculos, enquanto ameiga com puro dó a neurose ideológica.
Fernando Rosas: Coça a orelha, enquanto delira com o derribar da conjura bourgeoise.
Pires de Lima: Levita sobre sisudez, enquanto acena na teia para o fantasma da placidez.
Dias Loureiro: Deixem-me lá em paz que eu já dei o que tinha a dar para este peditório.
Existências

Acabo de colocar no Minitempo, o blogue mais subcutâneo do Miniscente (espécie de sótão para onde atiro coisas antigas), o texto que escrevi para o Salão do Livro de 2000. Para trás ficou uma peça de teatro, um libretto de drama musical e umas notas de viagem. E mais umas coisas. Gosto da poeira inesperada dos sótãos.
Há com cada coisa!



Por acaso é verdade: uma coisa tão inédita entre nós como é um acordo de fundo entre patrões e trabalhadores, ou, conforme se queira a - linguagem torna-se personagem enquanto o diabo esfrega um olho! -, entre empresários e sindicatos... não tem tido quase menção na blogosfera. Sobretudo naquela em que se esperava que a coisa fosse, pelo menos, mais sensível. Deve ser do derby que aí vem. Ou será das listas ?
Já nem ouso proferir outras alternativas mais fortes. Que as há. Haverá mesmo?
O sentido de estado e o estado do sentido

Vivemos interrogando ambos e, muitas vezes, não discernimos nem um nem outro. Não é?
Falar sobre Portugal é quase sempre reaver algum branqueamento com o seu ar diáfano, lírico e ocultado.
Atenção

Soube, via Aviz, que a Buchholz se encontra infelizmente em situação de pré-falência. Durante anos e anos, mais numas alturas do que noutras, a Buchholz tem sido quase sempre a minha livraria de referência (ainda hoje por lá passei). Chegou a altura de voltar em força à Duque de Palmela. Fica também aqui o apelo. Para que se amplifique, para que se difunda, para que se torne bem audível. Enquanto ainda é tempo.