sábado, 31 de março de 2007

O Simplex e o exclusivo das Bond Girls

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No Expresso online desde hoje
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Um dos aspectos que porventura mais irá mudar em Portugal, nos próximos anos, é a transformação da nossa burocracia secular num brevíssimo e descontraído suspiro. Daqui a uns anos, António Barreto poderá incluir este feito num novo “Retrato Social” do país e articulá-lo-á decerto com a palavra “rede” (na estreia da actual série, a palavra “internet” foi apenas referida por uma vez). Mas o cenário pode falhar, se a inércia das secretarias continuar a boicotar o novíssimo “homem novo” lusitano que nenhuma ideologia, felizmente, se encarregou de programar. Nada melhor do que um exemplo para me explicar.
Um dia destes tive necessidade de uma “Certidão de Teor” e deparei-me com duas hipóteses para a obter: ou ia aos habituais balcões da Conservatória ou recorria ao “Simplex”. Ponderei, decidi e foi no dia 8 de Março (a escolha não aspirou a conotações aventurosas) que acabei por me sentar ao computador e explorei, pela primeira vez na vida, o chamado “Portal do Cidadão”.
Em menos de cinco minutos, consegui introduzir os dados relativos a um pequeníssimo terreno situado num local recôndito do país e paguei com cartão de crédito quer a Certidão, quer os portes do correio. No entanto, ao contrário do que acontece com uma Caderneta Predial (que se pode imprimir em casa e na hora), este tipo de Certidão só pode ser emitido pela Conservatória onde o terreno está registado, o que significa que o pedido feito através da rede acaba, neste caso, por ser tratado pelos serviços locais. Mau augúrio, pensei.
Com efeito, ao fim de dez dias de espera, vi-me forçado a enviar um mail aos serviços do “Portal do Cidadão”. A resposta foi personalizada e instantânea: “O seu pedido já foi despachado há alguns dias, cabendo agora à Conservatória o envio da Certidão pelo correio”. Passadas duas semanas sobre o Dia Internacional da Mulher, esgotados os meus prazos e a paciência, decidi ir directamente à Conservatória. Quando a senhora ouviu o meu nome, pressenti que o nervoso lhe pairava no olhar. Ouvia-a então a soletrar: “Conheço esse processo, conheço esse processo”.
Levantou-se, dirigiu-se a uma secretária vazia e trouxe até mim a tão desejada Certidão. E concluiu: “Já devia ter sido enviada, é verdade, mas… a colega que o devia ter feito… adoeceu”.
Moral da história: qualquer “brevíssimo e descontraído suspiro” continua a ser um exclusivo das Bond Girls. O que já não é nada mau.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Portuenses... (act.)

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Há certas coisas em que sou pela centralização à D. João II. As Conferências de Serralves ("Crítica do Contemporâneo") são uma delas. Gostava de as ter à mão, em Campo de Ourique, ou mesmo aqui no meu outro território: o da ameixoeira alentejana.
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Mini-entrevistas/Série II – 146


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O Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje a convidada é Sandra Ferrás, técnica de estudos de mercado, 34 anos.
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- O que é que lhe diz a palavra “blogosfera”?
Um mundo, um universo, a palavra a quem a quer ter, a anarquia para o bom e para o mau. A liberdade para tantos, um corte com a solidão, um aprofundar da solidão. Isolamento, socialização. O universo de todas as contradições.
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
Já deixei de acompanhar há algum tempo o universo dos blogues. Descobri este "mundo", algures em 2001, com a passagem de uma conhecida Israelita por Lisboa. Fazia do blogspot o seu diário de viagens. Acompanhei alguém próximo que nessa altura resolveu ingressar no mundo, ainda em embrião (pelo menos por cá) dos blogues. Foi o primeiro blog nacional que conheci. O Silêncio apareceu em 2003, pelas mãos da mesma pessoa, que me arrastou para ele e acabou por ficar nas minhas mãos. Começou um pouco depois a loucura da descoberta, com meia dúzia de blogues a dar nas vistas. Deve ter sido nessa altura que mais acompanhei a onda. Alguns acontecimentos politicos faziam-me procurar alguns blogues esporadicamente (Guterres, Barroso, Santana.....). Hoje em dia apenas vejo os daqueles que me são mais próximos. Ganho com isso. São bons. Há demasiada palha, gerou-se demasiada palha e eu deixei de querer ter tempo para procurar as agulhas.
- Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
O Silêncio chegou a ser quase um fórum com posts a terem perto de 100 comentários. Foi um escape numa época profissional especialmente má, e numa reviravolta da minha vida pessoal. Foi muito importante para a minha sanidade na altura :)E tive um saldo extremamente positivo, que se reflecte na minha vida todos os dias - conheci por ele quase todos os que hoje me são queridos e próximos. Tem graça que todos eles hoje tenham blogues. O nosso universo, mesmo espalhado por vários pontos dentro destas linhas de fronteira, está sempre ali do outro lado do ecrã, alimentando os dias em que comboios ou estradas não tornam as distâncias mais pequenas que os bits e bytes.
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
Acredito sim, como disse acima, para o bom e para o mau. Todos dizem o que querem com os limites impostos apenas pelo que a sua consciência e respeito ao próximo ditam. E o anonimato pode ser a ferramenta que ajuda a derrubar/ignorar até esses limites. A sensação de se passar impune a tudo dá a liberdade para dizer o que se quer - defendendo uma verdade ou uma mentira.
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Entrevistas anteriores (apenas a Série II): Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca, Tiago Mendes, Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati), Rogério Santos, Lauro António, Isabela, Luis Mourão, bloggers do Escola de Lavores, Bernardo Pires de Lima, Pedro Fonseca, Luís Novaes Tito e Carlos Manuel Castro, João Aldeia, João Paulo Meneses, Américo de Sousa, Carlota, João Morgado Fernandes, José Pacheco Pereira, Pedro Sette Câmara, Rui Bebiano, António Balbino Caldeira, Madalena Palma, Carla Quevedo, Pedro Lomba, Luís Miguel Dias, Leonel Vicente, José Manuel Fonseca, Patrícia Gomes da Silva, Carlos do Carmo Carapinha, Ricardo Gross, Maria do Rosário Fardilha, Mostrengo Adamastor, Sérgio Lavos, Batukada, Fernando Venâncio, Luís Aguiar-Conraria, Luís M. Jorge, Pitucha, Gabriel Silva, Masson, João Caetano Dias, Ana Luísa Silva, Ana Silva, Ana Clotilde Correia (aka Margot), Tomás Vasques, Ticcia Patrícia Antoniete, Maria João Eloy, André Azevedo Alves, Sílvia Chueire, André Moura e Cunha, Helder Bastos, José Bandeira, João Espinho, Henrique Raposo, Jorge Vaz Nande, João Melo, Diogo Vaz Pinto, Alice Morgado e Sérgio dos Santos, Adolfo Mesquita Nunes, João Paulo Sousa, Pedro Ludgero, João Tunes, Miguel Cardina, Paula Cordeiro, Edgar, André Azevedo Alves e Inês Amaral, David Luz, Saboteur, João Miguel Almeida, O Impensado, Hugo Neves da Silva, Paula Capaz e João Pinto e Castro. Hoje: Sandra Ferrás.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Primavera = Design na blogosfera

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José Manuel Bártolo vai desenvolver no blogue Reactor um projecto de entrevistas sobre design. Serão feitas três séries: "Uma com pessoas de diversas áreas, outra com designers profissionais portugueses e uma terceira com designers estrangeiros". Cabe ao escriba do Miniscente responder ao inquérito no próximo dia 2 de Abril. Posso testemunhar que a abordagem é exigente e que irá decerto criar, no final, um banco de dados muito interessante acerca daquilo que (pelo menos aparentemente) ainda designamos como sendo o molde da nossa cultura. Eu hoje acredito que o design é muito mais do que um simples molde; que fique então aqui registada a tentação do Teaser: "O design sucede hoje à crença do mesmo modo que, para Nietzsche, a gramática pretendeu suceder a Deus. O design é, na contemporaneidade, o apogeu de uma história que passou a ser vivida sem clímax nem desenlace".

Mini-entrevistas/Série II – 145


LC
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O Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje o convidado é João Pinto e Castro, 56 anos, docente universitário e consultor de gestão.
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- O que é que lhe diz a palavra “blogosfera”?
Foi um original espaço público de liberdade de expressão que se abriu, algo de valor ímpar num país como o nosso, ainda tão marcado pelo temor reverencial e pela inibição perante o debate. Foi uma forma inovadora de pôr o país a falar consigo mesmo sem papas na língua, que, se não erro, abriu também as portas à revitalização e ao enriquecimento da língua. No que toca ao meu envolvimento pessoal, direi que é a coisa mais divertida que se pode fazer sem ter que tirar a roupa.
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
Não houve nenhum acontecimento que tivesse seguido apenas ou sequer principalmente através dos blogues. Os únicos acontecimentos que os blogues cobrem em exclusivo são as eminentemente dispensáveis tricas entre bloggers. Todavia, noto agora que o blogue do Pedro Magalhães (Margens de Erro) é a principal fonte de informação a que recorro para me manter a par das sondagens de opinião em Portugal e no estrangeiro. E é capaz de haver outras situações similares.
- Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
Reencontrei pessoas que perdera de vista, por vezes há décadas. Reatei velhas amizades e fiz outras novas. Descobri personalidades fascinantes. Entusiasmei-me com a qualidade da escrita de muita gente. Maravilhei-me com a generosidade que anima a grande maioria dos bloggers. Aprendi muita coisa com muita gente. Creio que escrevo hoje melhor, embora me tenha tornado mais crítico em relação ao resultado dos meus esforços.
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
Absolutamente. Penso mesmo que se trata de um dos poucos casos em que a palavra liberdade se aplica com inteira propriedade.
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Entrevistas anteriores (apenas a Série II): Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca, Tiago Mendes, Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati), Rogério Santos, Lauro António, Isabela, Luis Mourão, bloggers do Escola de Lavores, Bernardo Pires de Lima, Pedro Fonseca, Luís Novaes Tito e Carlos Manuel Castro, João Aldeia, João Paulo Meneses, Américo de Sousa, Carlota, João Morgado Fernandes, José Pacheco Pereira, Pedro Sette Câmara, Rui Bebiano, António Balbino Caldeira, Madalena Palma, Carla Quevedo, Pedro Lomba, Luís Miguel Dias, Leonel Vicente, José Manuel Fonseca, Patrícia Gomes da Silva, Carlos do Carmo Carapinha, Ricardo Gross, Maria do Rosário Fardilha, Mostrengo Adamastor, Sérgio Lavos, Batukada, Fernando Venâncio, Luís Aguiar-Conraria, Luís M. Jorge, Pitucha, Gabriel Silva, Masson, João Caetano Dias, Ana Luísa Silva, Ana Silva, Ana Clotilde Correia (aka Margot), Tomás Vasques, Ticcia Patrícia Antoniete, Maria João Eloy, André Azevedo Alves, Sílvia Chueire, André Moura e Cunha, Helder Bastos, José Bandeira, João Espinho, Henrique Raposo, Jorge Vaz Nande, João Melo, Diogo Vaz Pinto, Alice Morgado e Sérgio dos Santos, Adolfo Mesquita Nunes, João Paulo Sousa, Pedro Ludgero, João Tunes, Miguel Cardina, Paula Cordeiro, Edgar, André Azevedo Alves e Inês Amaral, David Luz, Saboteur, João Miguel Almeida, O Impensado, Hugo Neves da Silva e Paula Capaz. Hoje: João Pinto e Castro.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Desviver-se

PTD
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Porquê este lenço preto na cabeça da militar Faye Turney? Num rapto, não há refém que não seja convidado a desviver-se. Contudo, a humilhação corresponde já a uma "fase seguinte". E, às vezes, é bom pensar que nem todo o inferno habita em Guantánamo. Assim é, quer na ficção, quer na realidade. Quem o diz sabe do que fala.

Holy Corner (com objectividade)

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O jogo de Belgrado: fazer descansar Meireles e Quaresma; fazer correr Simão e Petit. Eis a estratégia. Mesmo assim não correu mal: nenhum deles partiu as pernas e até o próprio Nuno Gomes acabou por dar algumas cartas.

Mini-entrevistas/Série II – 144


LC
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O Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje a convidada é Paula Capaz.
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- O que é que lhe diz a palavra “blogosfera”?
É uma palavra que entrou há pouco tempo no meu vocabulário, mas que, neste momento, habita o meu quotidiano. Parece-me querer significar uma qualquer ideia de universalidade, comunidade, encontro entre pessoas que “giram em volta de uma mesma esfera”, quer no que diz respeito a conteúdos, quer a formas de sentir, pensar e divulgar questões diversas sobre os mais diversos mundos.
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
O recente referendo ao aborto. Li, com alguma frequência, as tomadas de posição dos “bloguistas” que visito diariamente, mas optei por não abordar o assunto no meu blog.
- Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
Os blogues permitem um acesso rápido à informação e, ao mesmo tempo, ao lazer e ao humor que, confesso serem ingredientes procurados no meu quotidiano. Constituem um canal de partilha de opiniões de pessoas ligadas a uma mesma rede. É um espaço de troca.
Quando criei os meus momentos, fi-lo por mera curiosidade informática. Foi, de início, uma experiência solitária. Com o tempo alguns amigos foram comentando e foi crescendo o entusiasmo que hoje se traduz numa agradável rotina. Confesso-me “presa” às postagens diárias. Ainda não sei se esta prática continuará a ser um prazer ou, pelo contrário, se tornará uma obrigação. No momento em que sentir que passei do prazer à obrigação, deixarei a “blogosfera”, por considerar que só faz sentido enquanto estiver sem qualquer tipo de pressão.
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
Acredito que a blogosfera é uma forma absolutamente livre de expressão, com tudo o que isso tem de bom e de mau. O anonimato pode constituir algum risco. A falta total de filtro nas postagens e nos comentários permite a intrusão de alguns indivíduos com menos bom senso. Digamos que se democratizou a criação e isso leva-nos a conhecer espaços de muita qualidade, bem como aqueles que visitamos apenas uma vez.
O facto de ser uma forma livre de expressão, possibilita também a apresentação a público de pessoas que gostam de escrever e que, de outra forma, não teriam oportunidade de publicar o seu trabalho.
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Entrevistas anteriores (apenas a Série II): Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca, Tiago Mendes, Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati), Rogério Santos, Lauro António, Isabela, Luis Mourão, bloggers do Escola de Lavores, Bernardo Pires de Lima, Pedro Fonseca, Luís Novaes Tito e Carlos Manuel Castro, João Aldeia, João Paulo Meneses, Américo de Sousa, Carlota, João Morgado Fernandes, José Pacheco Pereira, Pedro Sette Câmara, Rui Bebiano, António Balbino Caldeira, Madalena Palma, Carla Quevedo, Pedro Lomba, Luís Miguel Dias, Leonel Vicente, José Manuel Fonseca, Patrícia Gomes da Silva, Carlos do Carmo Carapinha, Ricardo Gross, Maria do Rosário Fardilha, Mostrengo Adamastor, Sérgio Lavos, Batukada, Fernando Venâncio, Luís Aguiar-Conraria, Luís M. Jorge, Pitucha, Gabriel Silva, Masson, João Caetano Dias, Ana Luísa Silva, Ana Silva, Ana Clotilde Correia (aka Margot), Tomás Vasques, Ticcia Patrícia Antoniete, Maria João Eloy, André Azevedo Alves, Sílvia Chueire, André Moura e Cunha, Helder Bastos, José Bandeira, João Espinho, Henrique Raposo, Jorge Vaz Nande, João Melo, Diogo Vaz Pinto, Alice Morgado e Sérgio dos Santos, Adolfo Mesquita Nunes, João Paulo Sousa, Pedro Ludgero, João Tunes, Miguel Cardina, Paula Cordeiro, Edgar, André Azevedo Alves e Inês Amaral, David Luz, Saboteur, João Miguel Almeida, O Impensado e Hugo Neves da Silva. Hoje: Paula Capaz.

terça-feira, 27 de março de 2007

A estranha obsessão da Ota - 3 (act.)

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O "Prós e Contras" de ontem deu a ver ao país a nata da engenharia portuguesa. Para mim, ao contrário de muitos outros, este era – e é – um mundo razoavelmente desconhecido.
Há três aspectos que terão sobressaído nas duas horas televisivas do programa (muitas vezes uma ostensão bem mais cenográfica do que polémica):

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1 - A ausência de perspectivas. Ao contrário de outras actividades, os engenheiros referem relatórios, dados e inevitabilidades matemáticas e enunciam-no entre algumas aporias e a afirmação determinada e fáustica da sua capacidade transformadora. Mas, no fio do discurso, raramente cabe a figura do horizonte, enquanto metáfora que invariavelmente reencaminham para políticos, decisores e estrategas.
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2 - O sorriso seráfico do poder. Na ala direita do palco, em frente de dois engenheiros
já citados – e bem – aqui no Miniscente, Luís Pinto Leite e José Manuel Viegas, estava sentado o poder: de um lado, um sorriso redentor e iluminado que há muito parecia ter substituído o espírito rebelde do debate pelo determinismo consumado da decisão; do outro lado, um rosto retirado do Painel do Infante que espelhava, através de silêncio grave e austero, o altar não menos irrevogável do dogma.
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3 - A corporação. A auto-imagem da engenharia constituiu a abordagem mais unânime ao longo de toda a discussão. As palmas não se pouparam quando o bastonário acentuou o facto, embora a sua intervenção final radiografasse (como nenhuma outra) a paixão em afirmar um argumento e o seu contrário, num jogo mais poético do que centrado num ditirambo à física dos materiais.

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Conclusão final: um debate oco, de polifonia previsível e onde foi óbvia – é esse o facto político fundamental a reter – a escassíssima margem de manobra para pôr em causa um processo viciado, pesado e com décadas de história.
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Para um cidadão comum, bom pagador de impostos e interessado na coisa pública, continua a não se entender a oposição entre uma decisão política (aparentemente irreversível) e um amplo rol de factos de natureza técnica que, quer se queira quer não, a contrariam.
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Recebi da arquitecta MJR (MJR, arqª) a seguinte mensagem, hoje mesmo enviada à RTP. Pelo interesse que tem, passo a publicá-la:
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"À RTP1:
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Assisti ao “Prós e Contras” (P&C) de ontem onde o tema (OTA - Debate Técnico) foi anunciado pela RTP deste modo: “Depois do debate político, têm a palavra os engenheiros. (…) O “Prós e Contras” reúne os engenheiros portugueses para o maior debate técnico sobre a Ota.”
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Ignoro se este programa conduzido pela jornalista FCF é idealizado por uma equipa multidisciplinar. Todavia, no site da RTP verifico que ele é considerado “um fórum de debate alargado, com especialistas e decisores”, onde “A discussão parte de uma sondagem da UCP”, sendo o programa “ilustrado por reportagens” e contando “com a participação dos correspondentes da RTP no estrangeiro”.
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Apesar de ter em grande consideração o profissionalismo do actual Bastonário da Ordem dos Engºs (OE) que, nesta, como noutras intervenções na RTP, se esforçou por utilizar um discurso cordato, venho lamentar que a própria ‘ideia’ do tema deste P&C tenha sido atingida, desde logo, por uma falta de transdisciplinaridade que é imperdoável no actual panorama cultural global.
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Esta falta originou a interpelação exclusiva à classe do eng.ºs como detentora de uma (suposta) autoridade para responder a todas as questões (erradamente classificadas como técnicas) implicadas na decisão sobre a localização do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL).
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Neste debate foram escandalosamente ignorados urbanistas de origem diferente da dos eng.ºs, como, entre outros, arquitectos e geógrafos. Foram também afastados do debate economistas e gestores, sociólogos e peritos em demografia, para apenas falar das áreas profissionais que o grande público conhece.
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Foram igualmente esquecidos responsáveis de organismos do Estado, fulcrais no debate e na decisão de todas as questões relacionadas com o NAL e inevitavelmente envolvidos nesta matéria, como, entre outros, os da DGOTDU, das autoridades militares e das relações internacionais e ibéricas.
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As questões do desenvolvimento geoestratégico de Portugal (que neste P&C pareciam resumir-se à rivalidade aeroportuária entre Lisboa e Madrid) não foram sequer mencionadas e, mesmo as referências à supremacia espanhola foram afectadas pelos habituais e vulgares sorrisos que ocultam problemas endémicos de falta de cooperação, que classificaria como monumentais erros de alcance europeu e global
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Mini-entrevistas/Série II – 143


LC
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Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje o convidado é Hugo Neves da Silva, 28 anos (a desenvolver uma tese sobre a importância dos weblogs).
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- que é que lhe diz a palavra "blogosfera"?
Para mim, por um lado blogosfera é um espaço onde milhões de pessoas partilham livremente as suas ideias, pensamentos, reflexões, desabafos e/ou devaneios, reforçando o papel da web como o maior repositório de conteúdos, onde qualquer pessoa pode participar. Por outro lado, a blogosfera é uma enorme conversa entre milhões de pessoas sobre os mais variados assuntos, onde as trocas de ideias e pontos de vista se vão multiplicando exponencialmente. Assim, será que não se deveria falar em blogospaço em vez de blogosfera!?
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
Não existe um acontecimento que eu tenha seguido mais intensamente. Costumo seguir alguns acontecimentos pelos blogues, sobretudo acontecimentos com pouca ou mesmo nenhum visibilidade nos media tradicionais, como normalmente é o caso dos lançamentos da Apple ou os anúncios mais importantes da Microsoft, ou algumas conferências nas quais não posso estar presente como foi o caso da Reboot 8.0, no passado mês de Junho (de 2006).
- Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
É uma pergunta bastante complicada de responder. Ao nivel mais pessoal penso que sobretudo foi ter ganho a noção de que, apesar de os blogues não poderem ser considerados jornalismo, em muitas áreas profissionais estes são a melhor forma de nos mantermos devidamente informados sobre o que de mais actual se pensa e se escreve numa determinada área. Esta tomada de consciência, fez com que, mesmo utilizando agregadores/leitores de conteúdos, passasse a dispender bastante tempo a ler o que pelo mundo se diz sobre as áreas que mais me interessam.
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
Em teoria, penso que sim, afinal qualquer um, de uma forma fácil, gratuita e rápida pode publicar livremente o que lhe apetecer. No entanto, na prática muitas vezes acaba por não ser verdadeiramente livre.
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Entrevistas anteriores (apenas a Série II): Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca, Tiago Mendes, Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati), Rogério Santos, Lauro António, Isabela, Luis Mourão, bloggers do Escola de Lavores, Bernardo Pires de Lima, Pedro Fonseca, Luís Novaes Tito e Carlos Manuel Castro, João Aldeia, João Paulo Meneses, Américo de Sousa, Carlota, João Morgado Fernandes, José Pacheco Pereira, Pedro Sette Câmara, Rui Bebiano, António Balbino Caldeira, Madalena Palma, Carla Quevedo, Pedro Lomba, Luís Miguel Dias, Leonel Vicente, José Manuel Fonseca, Patrícia Gomes da Silva, Carlos do Carmo Carapinha, Ricardo Gross, Maria do Rosário Fardilha, Mostrengo Adamastor, Sérgio Lavos, Batukada, Fernando Venâncio, Luís Aguiar-Conraria, Luís M. Jorge, Pitucha, Gabriel Silva, Masson, João Caetano Dias, Ana Luísa Silva, Ana Silva, Ana Clotilde Correia (aka Margot), Tomás Vasques, Ticcia Patrícia Antoniete, Maria João Eloy, André Azevedo Alves, Sílvia Chueire, André Moura e Cunha, Helder Bastos, José Bandeira, João Espinho, Henrique Raposo, Jorge Vaz Nande, João Melo, Diogo Vaz Pinto, Alice Morgado e Sérgio dos Santos, Adolfo Mesquita Nunes, João Paulo Sousa, Pedro Ludgero, João Tunes, Miguel Cardina, Paula Cordeiro, Edgar, André Azevedo Alves e Inês Amaral, David Luz, Saboteur, João Miguel Almeida e O Impensado. Hoje: Hugo Neves da Silva.

segunda-feira, 26 de março de 2007

La vie en rose

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Num mundo em que - de repente - todos somos emissores e auditório ao mesmo tempo, é, por vezes, engraçado ver o modo superior como alguns bloggers olham o mundo: como se fosse um aquário lá do quintal, uma minúscula bizarria rodeada por alforrecas, uma caixa de vidro partida e já sem peixes nem algas, um vestígio mais ou menos abjecto a que apenas restam vestígios de mediocridade. Após a expiação e respectivo post, o sujeito sente-se melhor, coloca a gravata, trata a ingnição do carro por tu, diz para si os chavões do dia (coisas imediatas de que se fala) e vai à vida.

Mini-entrevistas/Série II – 142


LC
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O Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje o convidado é O Impensado.
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- O que é que lhe diz a palavra “blogosfera”?
Preferiria "bloglaxia" ou "bluglosa" - as esferas provocam-me claustrofobia, mesmo vistas de fora e apesar da música das ditas imagino-as mudas. Nas galáxias e nebulosas há ruídos de fundo e murmúrios desencontrados.
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
Comecei pela bulha da Coluna Infame e segui, angustiado, o seu fim. Depois comecei a seguir tudo, desde a guerra do Irão aos desabafos dos blogs mais confessionais - os que fingem que são, que a tradição não é de confessionalismos. Agradam-me, sobremodo, as bulhas pessoais e os insultos soezes.
- Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
Havia aquele tempo morto entre as 11h 30m e o meio-dia e meia e algumas horas duras de roer à noite. Agora não há.
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
Acredito. Por mim, aplico-me uma feroz censura que, creio, me tem tornado mais sensato.
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Entrevistas anteriores (apenas a Série II): Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca, Tiago Mendes, Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati), Rogério Santos, Lauro António, Isabela, Luis Mourão, bloggers do Escola de Lavores, Bernardo Pires de Lima, Pedro Fonseca, Luís Novaes Tito e Carlos Manuel Castro, João Aldeia, João Paulo Meneses, Américo de Sousa, Carlota, João Morgado Fernandes, José Pacheco Pereira, Pedro Sette Câmara, Rui Bebiano, António Balbino Caldeira, Madalena Palma, Carla Quevedo, Pedro Lomba, Luís Miguel Dias, Leonel Vicente, José Manuel Fonseca, Patrícia Gomes da Silva, Carlos do Carmo Carapinha, Ricardo Gross, Maria do Rosário Fardilha, Mostrengo Adamastor, Sérgio Lavos, Batukada, Fernando Venâncio, Luís Aguiar-Conraria, Luís M. Jorge, Pitucha, Gabriel Silva, Masson, João Caetano Dias, Ana Luísa Silva, Ana Silva, Ana Clotilde Correia (aka Margot), Tomás Vasques, Ticcia Patrícia Antoniete, Maria João Eloy, André Azevedo Alves, Sílvia Chueire, André Moura e Cunha, Helder Bastos, José Bandeira, João Espinho, Henrique Raposo, Jorge Vaz Nande, João Melo, Diogo Vaz Pinto, Alice Morgado e Sérgio dos Santos, Adolfo Mesquita Nunes, João Paulo Sousa, Pedro Ludgero, João Tunes, Miguel Cardina, Paula Cordeiro, Edgar, André Azevedo Alves e Inês Amaral, David Luz, Saboteur e João Miguel Almeida. Hoje: O Impensado.

domingo, 25 de março de 2007

Curiosidades dominicais

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Só no final do século XIX é que o templo romano de Évora deixou de ser um imenso açougue para passar a ser catalogado como "monumento" e, hoje, como "maravilha". Ainda dizem mal das tentações da carne.

sábado, 24 de março de 2007

Não há machado que corte

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Depois... o pobre do guarda-redes belga é que é o mau da fita. Já dizia também, e com toda a razão, o "verdadeiro hooligan".

Pré-publicações - 23


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Concerto das Artes, Organização: Kelly Basílio, Mário Jorge Torres, Paula Morão e Teresa Amado; Coordenação: Kelly Basílio; Campo das Letras, Porto, 2007.
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Pré-publicação (excerto da "Introdução da autoria de Kelly Basílio):
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"Concebido e organizado pelo grupo «Interartes» do Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa, este livro pretende colmatar uma falha: a ausência, a nosso ver, de estudos suficientemente abrangentes, em português, no domínio das artes. E isto, no preciso momento em que o interesse por estas sofre um crescimento inédito, estendendo-se a um público cada vez mais vasto, que ultrapassa largamente o alvo restrito dos estudiosos da área, nomeadamente os da Literatura Comparada, na qual este campo de pesquisa desfruta justamente hoje em dia de uma plena expansão.
Testemunho da importância concedida a este domínio do saber é o facto de Concerto das Artes constituir a segunda da série de antologias projectada pelo Centro de Estudos Comparatistas com vista a estabelecer a cartografia actual desses estudos, inscrevendo-se este livro nessa série logo depois do volume genérico da área, Floresta encantada. Concerto das artes é a primeira das antologias mais específicas da colecção, sem abdicar da atitude antisectária e antidogmática própria do comparatismo de que releva e que assenta num princípio fundamental: a não crença em qualquer hierarquia das culturas ou dos seus vários domínios, neste caso, em qualquer hierarquia das artes. Reclama-se ainda este volume de um segundo princípio, que lhe diz particularmente respeito: a recusa de uma concepção “especulativa” – para usar a fórmula de Jean-Marie Schaeffer – ou seja, de uma concepção “transcendente”, da arte, sendo esta por definição, no nosso entender, autotélica.
Os textos reunidos nesta antologia são na sua maioria artigos ou capítulos de obras já publicados, cujo valor foi já comprovado ou que nos pareceram, como hoje se diz, incontornáveis para os estudiosos ou curiosos da área. Foram todos traduzidos ou revistos por membros do Centro de Estudos Comparatistas, com maior participação da equipa Interartes.
No entanto, julgámos importante acrescentar alguns ensaios, inéditos ou não, de especialistas portugueses, para dar também voz a estes e sobretudo permitir a abertura do volume a outras perspectivas ou propostas.
Concerto das Artes, na sua concepção e estrutura, reflecte as competências e os interesses dos seus organizadores. É composto, primeiro, por um preâmbulo teórico e genérico relativamente extenso, seguido pelo próprio corpo comparatista do livro. Ou seja, o preâmbulo poder-se-ia ter intitulado “A arte” e o restante do volume, “As artes”.
O que é a arte, quando é que se pode falar em arte e quais as suas fronteiras, por exemplo, as que a distinguem da estética, com a qual, embora mantenha relações essenciais, se tende por vezes a confundi-la: tais são, entre outras, as questões genéricas às quais tentam responder, ou melhor dizendo, que problematizam, os textos escolhidos para figurar na parte introdutiva.
Entra-se, seguidamente, na própria matéria do livro, a qual se divide em duas secções desiguais e que reflectem não só, como já vimos, as competências dos organizadores, mas as próprias tendências da área, já que a pesquisa e a produção relativas às relações da literatura com as artes visuais, e nomeadamente a pintura, ultrapassam de longe as que se interessam pelas outras interrelações artísticas. As razões deste estado de coisas são certamente várias e complexas e não será talvez aqui o lugar próprio para as investigar e interrogar."
e
Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença e Vercial.

sexta-feira, 23 de março de 2007

A estranha obsessão da Ota - 2 (act.)

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A frase do dia podia ser esta: "Basta identificar os proprietários dos terrenos para acabar com a nebulosa que cobre a construção do novo aeroporto" (Rui Costa Pinto). Mas a afirmação não recobre todo o problema. A questão central é (ainda) a evocada pelo governo: "Trata-se de uma decisão política". Na célebre frase de Mário Lino, há um fundo quase religioso que evita a larga maioria dos estudos técnicos (que não augura qualquer futuro para a Ota: relevo, tipo de terreno, remoção de terras, acessibilidades, tráfego aéreo, tempo de vida, etc., etc.). A súbita pressa do governo prende-se agora com os calendários e requisitos exigidos pelos fundos europeus. A chantagem vai, pois, entrar na ordem do dia. Contudo, deverá exigir-se um mínimo de racionalidade. Mais valia a opção por uma solução transitória pouco onerosa (Portela mais Montijo, por exemplo), enquanto se estudava e planificava, com alguma consistência, a chamada "decisão final". Um pouco de respeito pelos dinheiros públicos não fazia mal a ninguém.
*
e
Creio que é muito negativo colocar a "Ota e o TGV" no mesmo saco. Há uma certa tendência de tipo protestatário que facilmente repete o chavão. Não concordo com esse ponto de vista. Enquanto o que está em causa na Ota é um total desacerto entre o nível de precipitação ou de "urgência política" e um vasto conjunto de dados objectivos e técnicos, já o TGV pressupõe a ligação de Portugal a uma rede estratégica (é claro que a prudência aconselha a optar apenas pelo troço que é subvencionado pela UE: o troço Madrid-Lisboa).
ee*
Actualizações:
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1 - A propósito do tema, ver aqui o artigo de Leonor Matias:
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"Alcochete e Poceirão são alternativas à Ota".
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2 - A posição de Luís Pinto Leite:
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Em breve, o Miniscente mostrará o Power Point "OTA2" (já aqui está!) que é assinado pelo Engº. Luís Leite Pinto. Deixo, para já, a sua apresentação:
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"Ultimamente a OTA voltou à baila.
É assunto desconfortável para alguns.
Para ter uma ideia mais clara e, sobretudo, mais objectiva, sem preconceitos, resolvi, em meados de Fevereiro, consultar a net e recolher a informação ali disponível.
Em boa = hora o fiz porque, hoje, tendo voltado a ir ao "site" da NAER nada encontrei.
A informação que consultara, nomeadamente o Relatório Final e seus anexos da firma Parson = FCG, assim como o próprio "site", desapareceram.
Para além de ser licenciado em engenharia civil, pelo IST de Lisboa, sou apenas especialista em estruturas pelo CHEC = de Paris.
De vias de comunicação apenas sei o que a Universidade me deu e uma dura missão no Ultramar me obrigou. Pouco mais.
No entanto, as minhas formação e experiência, assim como os dados recolhidos, permitem-me afirmar que um aeroporto na OTA é uma autêntica =barbaridade técnica.
Se não acreditam, vejam o que compilei e tirem as vossas conclusões. Não acredito, simplesmente não acredito, que o nosso governo permita a "coisa", que de obra tem a mais o que de boa engenharia tem a menos.
Como sempre, estou ao vosso dispor para qualquer esclarecimento."
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3 - A posição de Viktor Bent:
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“Quanto à OTA, penso que é um elefante branco. Tal e qual como a renovação da linha Lisboa-Porto. Compraram-se comboios que dão 220km/h e curiosamente a viagem demora quase 3 horas. Milagre!
O Alfa Pendular atinge apenas essa velocidade numa recta perto de Oiã. Há ocasiões em que vai a 30km/h devido à linha. O mesmo acontece com o Alfa Pendular para o Algarve. Perto do Poceirão, chega-se aos 220km/h, mas apenas durante cerca de 15 minutos.
A OTA é exactamente o mesmo. Enorme investimento para uma solução imperfeita. Basta ir a Faro no Verão e ver a cadência infernal de voos. Será que há tráfego para Lisboa? Outra questão: o novo Airbus consegue aterrar na OTA?”
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4 - "Última hora" no Expresso online:
"Aeroporto no Poceirão seria melhor do que Ota e Rio Frio"
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Tudo aqui.
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(em causa um estudo preliminar do Centro de Estudos Urbanos do Instituto Superior Técnico)

Público "A" (act.)

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Não é preciso ser Barthes para perceber qual é o punctum, não da foto, mas de toda a primeira página do Público de hoje. Menina de catorze anos? Tenista prodígio?
et
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A concorrência com o novo DN tem destas coisas...

As memórias do Minitempo

Acabei de publicar no Minitempo – o blogue subcutâneo do Miniscente – o post "Os Tabus da Comunicação Profética", um texto escrito na Primavera de 1993 e que mais tarde veio a integrar parte do terceiro capítulo do meu livro, Islão e Mundo Cristão (Hugin, Lisboa, 2002).

quinta-feira, 22 de março de 2007

Os macaquinhos do sótão português

r
Crónica publicada no Expresso Online
er
Tenho recebido mails (até de amigos) horrorizados com a vitória de Salazar num programa de televisão da RTP. Há nesses mails vozes aterradas, desconsoladas e com um tal grau de revolta que a coisa me faz realmente pensar.
Para dizer a verdade, eu até achava piada que ganhasse o Salazar – ou o Cunhal – para ver como é que essa parvoíce da “auto-estima” dos portugueses entrava subitamente em estado de parafuso.
Nunca pensei que Portugal continuasse ainda hoje com medo do escuro, dividido entre canções primaveris de embalar e a terna penumbra do “Pai” ausente e apavorante. Nem sei, em boa verdade, passe o mel da provocação, o que merecerá uma maior gargalhada: se o actual “Reality Show” da TV-i, se o Salazar – ou o Cunhal, tanto faz – nesse entretenimento fugaz da RTP.
Poderá dizer-se com alguma severidade que vai ser uma “vergonha” falar-se “lá fora” da vitória de Salazar. Mas o medo de tais vergonhas parece-me um tanto ingénuo, já que o realce de uma eventual referência da CNN ao concurso televisivo português estaria ao nível daquilo que a Al-Jazíra terá dito sobre os sentimentos difusos de uma jovem e bela indiana no Big Brother de um conhecido canal inglês de televisão.
Toda a encenação deste concurso – e de tantos outros onde vamos vivendo cada vez mais – é de tal modo tosca e pacóvia (veja-se a solenidade de Maria Elisa e a produção almofadada no Palácio de Queluz) que qualquer incauto revê, com a maior das facilidades, a nudez e a idiotice do rei sem coroa. Por outras palavras ainda: toda esta agitação sem norte se resume a um permanente jogo de imagens que gera sempre novas imagens, numa voragem de ilusões que tem um único destino: a vertigem diária do esquecimento.
À excepção dos galináceos, o hipnotismo é para quem o quer. Já era assim no tempo da lanterna mágica.
Eu preferiria uma boa "Boémia" – perdoe-se-me a publicidade – a preocupar-me com essa coisa da RTP.
Já basta quando o realmente imponderável nos bate à porta.

Pré-publicações - 22


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Vasco Gato, Omertá, Edições Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2007
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Pré-publicação:
e
"Falo de um homem que possuía livros de poemas. Foi talvez o único real leitor de poesia. Ele abria os livros, um livro. Escolhia um poema. Era um ritual misterioso. Porque ele raspava as letras da página, cuidadosamente, como para conservar a integridade do papel. Raspava e reunia os pedaços negros. Aquecia então água com o vagar próprio da vertigem. Uma estranha ciência de vapores.
A infusão sucedia: a escura substância do poema misturava-se mais e mais com o fervor da água, até ao ponto em que tudo aquilo era vivo. O homem bebia então o poema e o poema flutuava no sangue, atingindo todos os lugares do corpo, reclamando todos os lugares do corpo. Não era previsível o efeito do poema. Cada poema dissolvido, sorvido, feito homem, trazia consigo uma possibilidade própria. O homem crescia com o poema, crescia mais para si, mais para o poema.
O homem que possuía livros de poemas, possuía uma biblioteca em branco. Páginas e páginas de poemas arrancados sem vestígios, um crime perfeito. Era uma biblioteca poética. Uma biblioteca que podia arder."
e
***
e
"Tenho um ombro fora do sítio. Deito-me sobre ele e sinto os tendões cederem. Mas não totalmente. Concentro-me nessa dor como se à força de a sofrer ela pudesse render-se. É uma luta para toda a noite.
e
Tenho o pescoço fora do sítio. Rodo-o para um lado e para o outro em busca de uma posição. Qualquer coisa estala, qualquer coisa volta ao lugar. Mas não totalmente.
e
Esta noite adormeci agarrado aos meus gritos.
e
Todas as portas a que bati se abriram, excepto uma. Todos os silêncios que feri cicatrizaram, excepto um. Todos os corpos que aqueci sobreviveram, excepto um.
er
Não compreendo nada disto. Um homem aproximou-se de mim e disse-me vou para a Irlanda. Uma mulher olhou-me longamente através de um vidro e depois suplicou-me vai-te embora. Tudo no mesmo sítio. E eu tenho um pulso fora do sítio.
ee
Mas não totalmente. Não totalmente isto ou aquilo, mas uma espécie de alquimia geral em que tudo está suspenso de tudo e onde a qualquer momento pode sobrevir o ouro. Sinto que é isso. Sinto que essa emergência está aqui, muito perto, tão perto que por vezes... Mas não totalmente."
e
Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença e Vercial.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Dia Mundial da Poesia - 3

e
e
Nomearás
a abelha. Do mel
só conheces
o perfume, a pálida
rosa dos favos
em botão. O gesto
suspenso à espera
da mão esquiva.
eque o sustente.
Sobre o Dia Mundial da Poesia do Miniscente, ver mais aqui.

Dia Mundial da Poesia - 2

Um poema de Albano Martins (ver mais aqui)
e
e
Sobre os álamos, sobre
o tempo desfolhado
sobre a mesa, num livro
aberto, violado;
e
sobre o amor e a morte
deitados no nosso
leito diurno, sobre
o nosso pescoço;
e
nos nossos ombros, sobre
a noite e o dia
livre sopra, circula
o vento da alegria.
r
(1930)
e
em Assim São as Algas, Campo das Letras, Porto, 2000.

Inédito e justificado

e
É verdade: a editora Guerra e Paz enviou o meu último romance, E Deus Pegou-me Pela Cintura, ao primeiro-ministro José Sócrates. Tudo aqui.

Dia Mundial da Poesia - 1

e
No lançamento do meu último romance no Porto (no passado dia 13), reencontrei o meu professor de Português dos tempos do Liceu, o grande poeta Albano Martins. Não nos víamos há muito tempo. A emoção chegou a sobrepor a lógica e o encadeamento da palavra. Foi um grande momento. Hoje, Dia Mundial da Poesia, recebo pelo correio três livros seus, Frágeis são as palavras - Antologia pessoal (Asa, Porto, 2004), Com as flores do salgueiro - Homenagem a Bashô (Universidade Fernando Pessoa, Porto, 1995) e Estrelas para Albano Martins - Homenagem da Câmara Municipal e do 'Jornal do Fundão' (Fundão, 2006). Há acasos interessantes. Mas devo dizer que Albano Martins foi das pessoas que mais influiu nas minhas escolhas de vida. É claro que este tipo de conclusões se revela apenas décadas depois de tudo ter acontecido. É assim mesmo a vida: uma cascata muito leve de águas imperceptíveis. Por isso mesmo, decidi hoje dedicar o Dia Mundial da Poesia a Albano Martins. Sempre que passar aqui pelo computador, introduzirei novos dados, poemas e lembranças. Fique atento, caro leitor.

terça-feira, 20 de março de 2007

Quase Primavera

e
Amanhã, na Casa Fernando Pessoa, celebra-se o Dia Mundial da Poesia. Ver aqui todas as informações.

Um cão andaluz

e
A diagonal é uma metáfora do nosso tempo: não apenas traduz um modo de ler o mundo, como indica o zapping acelerado com que olhamos as imagens à nossa volta. Para além disso, a diagonal parece encantar os fotógrafos dos nossos media (veja-se mais abaixo a primeira página do Público de hoje). Não, não é apenas estética. É que assim os factos passam a ter outra força e outra gravidade. Melhor: outra vertigem.

Os mistérios da Arrábida

e
"Empresário" é um modo de identificar, mas "Empresário do jet set" é uma forma porventura mais genuína de identificar. E haverá ainda outras possibilidades, entre elas, por exemplo - lembro-me agora de repente -, o nome.
e
e
E houve quem, por mero acaso, até se lembrasse do nome do senhor.

Lá fora

e
Sempre achei interessante a expressão "lá fora". Significa todo o planeta com excepção dos noventa e tal mil quilómetros quadrados (e geralmente implica, ou correntes de ar indesejáveis, ou um paraíso onde vivem trezentas mil virgens).

Estava frio ontem à noite

re
Talvez por nervosismo, o redactor de O Jogo trocou a concordância não se sabe bem pelo quê. Mas é verdade que, a 1 de Abril, o Benfica joga na Luz.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Pré-publicações - 21

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Patrícia Melo, Mundo Perdido, Campo das Letras – Editores, S.A., Porto, 2007 (lançamento a 21 de Março)
e
Pré-publicação:
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"1
e
Sou foragido. E havia muita gente no cemitério. De onde vinham os crioulos? Fiquei aflito, nem me aproximei. Um monte de crioulos, duas mocinhas de shorts, não estou nem aí, estava escrito na camiseta de uma delas. Não gosto de tumulto. Evito ao máximo. É o meu truque. Sou foragido.
O segredo, dizia um rapaz que me escondeu quando fugi de São Paulo, o segredo, se você não quer ser preso, é não andar com mais de três. Nem sozinho. E, se estiver sozinho, enfia um jornal debaixo do braço, vão pensar que você é honesto. Para ele, não havia problema se você se metesse em trens lotados, andasse em avenidas apinhadas, se todos te vissem por aí, todo mundo é ninguém, ele falava. Multidão não tem problema, contanto que você evite estádio de futebol e baile funk, que é confusão na certa. No Brasil, ele dizia, não é nenhuma vergonha ter uma ordem de prisão contra você. Tanto faz, pobre, rico, branco, os caras lá em cima, digo, ministro, vereador, bambambã, todo mundo tem. Brasileiro é assim, escroto mesmo. Faz parte da nossa cultura roubar, sacanear. É como ser vítima de assalto, todo mundo é. E são tantos os ladrões, os corruptos, os filhos da puta, os assassinos, escroques, falsários, eles não dão conta de meter todo mundo na cadeia. Não tem espaço. Então a gente fica solto. É só não dar bandeira, ser invisível, andar numa boa, sabe como é? Não bata o carro e não fique à noite zanzando por aí com preto. Porque primeiro eles vêm atrás dos pretos. É uma tradição. E tenha sempre uma mulher com você. Ajuda muito. E, agora, o mais importante: toda manhã, ao acordar, repita em voz alta: eu sou foragido.
Sei lá se o fulano seguia as próprias regras, mas ele foi preso, me contaram. Continuei ali, de longe, debaixo do sol, vendo o coveiro enterrar a minha tia. Louco para me mandar. Não sabia que ela tinha tantos amigos. Depois, notei aliviado que os crioulos estavam lá para o enterro na cova ao lado. As mocinhas de shorts também. Apareceu ainda mais gente quando chegou o defunto, empurrado pelos familiares. Não vou aguentar, dizia uma loira, na hora que baixaram o caixão. As loiras são muito dramáticas.
O enterro da tia Rosa, de repente, ficou vazio, só cinco pessoas. Eu não conto, fico de longe, por precaução. Sou foragido. Reconheci logo a vizinha, Divani. Você deve ser o Máiquel, ela falou, no dia anterior. Eu estava na sala, mexendo na bolsa de plástico que a enfermeira tinha me dado no hospital, com as coisas da tia Rosa, Bíblia, batom novinho, carteira, documentos, porta-moedas, celular, foto três por quarto do meu primo Robinson, grampos enferrujados, agenda de endereços, cartão de encanador, uma cartela de aspirina toda fodida, porra, me deu um aperto no coração ver aquelas coisas, tudo socado dentro da bolsa. Foi nesse momento que a Divani invadiu a casa. Satisfação, ela falou, esticando a mão. Odeio isso. Gente que vai entrando. Explicou que a porta estava aberta. Por isso tinha entrado. Porra. Pelo jeito, a maluca devia entrar em tudo quanto é buraco.
Contei que minha tia morreu. Que eu estava chegando do hospital. E que o enterro seria no dia seguinte. Cuidei da sua tia antes dela ser internada, disse Divani. Dei banho nela. Limpei a casa. Rosa já não conseguia fazer nada.
Depois, ficamos ali, em silêncio, olhando para aqueles cacarecos em cima do sofá. Enfiei uma aspirina na boca e senti o gosto amargo.
A Rosa adorava o Corinthians, disse Divani. Posso ficar com esse chaveiro?
Antes da Divani ir embora, pensei em pedir para ela não sair cacarejando para as amigas que eu estava no bairro. Mas não gosto de pedir favor. De ficar devendo. As pessoas cobram. Mesmo as boas, as que dizem que cuidaram da sua tia. Devia ser nova no bairro, a Divani. Eu não lembrava dela, não era dos meus tempos. Aliás, do meu tempo não tinha ninguém entre aqueles cinco que assistiam ao enterro da tia Rosa. Sei lá quem era o casal de velhos. Também nunca vi os outros. Não reconheci ninguém.
Se eu não tivesse perdido tanto tempo com a Eunice, em Nova Iguaçu, talvez tia Rosa ainda estivesse viva na hora que cheguei em São Paulo. Você não vai pegar estrada à noite, falou Eunice, quando liguei para saber notícias da minha tia. Vai amanhã, bem cedo. Esse era o problema da Eunice, muito mandona. No início, duvidava de tudo o que eu dizia. Uma vez, chegou a arrancar o telefone da minha mão, para checar com a enfermeira a idade da tia Rosa. Expliquei milhões de vezes que eu era o único sobrevivente da família, que, depois que meu primo Robinson morreu, a tia Rosa ficou muito triste. Quer que eu comece a chorar agora ou daqui a pouco?, ela perguntava. Eunice não tinha coração.
Ali, no cemitério, me arrependi de não ter vindo antes. No fundo, a culpa era minha. Preguiça de viajar. Vou na semana que vem, eu pensava, vou na Páscoa, vou no aniversário dela. Morreu faz uma hora, disseram, quando cheguei no hospital. O que você é dela?, perguntou a enfermeira. Sobrinho. Esperei um bom tempo até que me levassem a uma sala, onde tinham posto o corpo. Tivemos que desocupar o quarto, alguém explicou. Para outro doente. Ela falava muito no senhor, disse a mulher, enquanto caminhávamos pelos corredores. Branca como cera, careca, um punhado de pele e osso. Era só o que tinha sobrado da minha família.
Depois do enterro, andei debaixo do sol pela avenida Rio Bonito até o ponto de ónibus.
Fazia quase dez anos que eu não vinha para São Paulo. Todo mundo construindo seu próprio barraco, eu vi pela janela do ónibus. Lajota, pau, lata, valia qualquer coisa. Menos tinta. Tudo cinza. O trânsito amarrado. A mesma bosta de sempre. Vê se não arranja mulher, disse Eunice, quando me levou até a porta. Você volta, não volta? Prometi que sim. Gostava dela. Na primeira vez que fodemos, ela começou a dizer que eu era educado, achei você legal porque você é muito educado. Mais tarde, quando eu já estava morando na casa dela, contou que falou isso por causa do tamanho do meu pau. Pau grande, na minha opinião, é cavalheirismo. É elegância. Vou te arrumar um emprego com meu irmão, ela tinha dito. Mas agora eu não sabia mais se ia voltar. Aquilo nem era Rio de Janeiro, era Nova Iguaçu. É tudo a mesma coisa, dizia Eunice. Mas, para mim, não era. Rio era Rio. Arromba a retina, como diz uma música que ouvi no rádio uma vez. E Nova Iguaçu não arrombava nada. Era uma cilada, isso sim. Máiquel, disse um amigo, precisamos de um homem de confiança para fazer um trabalho legal, com gente da pesada. Gente da pesada, no caso, eram policiais. O esquema é simples, explicaram. A polícia pára os caminhoneiros e leva os que estão meio fodidos para uma conversa com a gente. Negócio limpo. Os babacas só têm que pagar um pedágio, ficam de molho, num muquifo, enquanto pegamos o cartão electrónico deles, fazemos saques nas agências que tem por perto, e pronto. Você vai funcionar como zelador do muquifo. Minha função era ficar parado. Olhando. De longe. Não deixar os caras fugirem antes da hora. Logo no início, vi que não tinha profissional na jogada. Dar porrada e quebrar ossos, era disso que eles gostavam. No dia que mataram um, me mandei.
Foi aí que conheci Eunice. Fui comprar Sonho de Valsa, e ela trabalhava de caixa no supermercado, oi, ela disse. Nem achei a Eunice muito bonita. Mas eu não tinha nada para fazer, esperei ela sair do serviço. Foi assim que começou. Depois, ela me contou que o irmão levava carga para o Brasil inteiro. Que ele tinha uma carreta Scania 112 hw e vivia no Mato Grosso, Goiás, Vitória, São Paulo, na maior vida boa. Era isso mesmo que eu queria fazer. Só que eu tenho um problema. Sou foragido. Isso eu não contei para a Eunice, porque eu podia me enfiar nas estradas de terra na fronteira do Brasil com a Bolívia, quem ia me achar? O meu irmão vai te apresentar para um bom agenciador. Ele vai arranjar os documentos todos para você. Falsos, pensei. Se arruma quente, arruma frio. O irmão da Eunice estava sempre viajando. Rondônia. Rio Grande do Sul. Enquanto isso, minha tia piorava. E o tempo passava. Deu no que deu. Agora eu estava ali, tarde demais.
Saltei do ónibus. Não havia pressa, nada para fazer. O dia estava bonito, céu azul, qualidade do ar, imprópria, dizia o painel da avenida. Menos árvores, notei. Mais cachorro. Mais barulho. Mais sujeira também. A praça. O bar do Gonzaga. Será que ainda era do Gonzaga? Passei anos pensando naquele lugar. Querendo voltar. Achando que seria bom voltar. Agora, enquanto caminhava, eu pensava que essa história de lugar, na verdade, não fazia a menor diferença. Tudo era igual, ruas, casas, a cidade, quer dizer, tanto faz. Não mudava nada, estar ali. O lugar, não interessa qual, não traz nenhum tipo de paz. Cansei.
Voltei para casa, deitei no sofá, liguei a TV. Estranho ficar naquela sala, sozinho. Tudo vazio. Quer dizer, cheio. Com coisas, mas sem nada. Liquidificador, vassoura, o sofá era novinho. Mandei dinheiro para a senhora, compre um sofá novo. Ela tinha mesmo comprado, a tia Rosa.
No móvel perto da televisão, uma foto minha e da Cledir, na festa do nosso casamento. Cortando o bolo. O noivo e a noiva. E uma do Robinson, num churrasco, de sandália de dedo. O Marcão. Todos mortos. E outra da Érica, com minha filha, Samanta, no colo. Levantei, peguei o porta-retratos e voltei para o sofá. E aí, Érica, onde você se meteu, sua sequestradora de crianças? Dez anos. Dez anos sem ver minha filha. Sem saber da Érica.
De repente, senti uma coisa ruim, um gosto ruim na boca. Ódio daquela cidade, que só me fez mal. Trabalhei para eles. Cuidei daquelas pessoas. Fiz coisas muito importantes. Ganhei até troféu. E meus amigos estavam mortos. A casa vazia. Eu ali, um foragido. Gente escrota. Ódio da Érica principalmente. A Érica não podia ter feito aquilo comigo. Fugir com um pastor. Roubar minha filha. Eu andava pensando muito nisso ultimamente, ir atrás, resolver tudo de vez. E pensava sempre com mais raiva. Porque não era certo, o que ela tinha feito. Sequestrar a filha dos outros. Como seria Samanta? Onze anos e dez meses, pensei. Uma garota. De que cor seriam seus cabelos? Agora, eu estava sozinho. Por causa da Érica. Mas eu tinha uma filha. Que era minha. Estava na hora de procurar a Érica e a minha filha. Era isso que eu ia fazer. Estava decidido.

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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença e Vercial.

Pré-publicações - 20

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John Katzenbach, O Psicanalista, A Esfera das Letras, Lisboa, 2007
e
("A Esfera dos Livros convidou John Katzenbach, considerado como um mestre dos romances policiais, para vir a Lisboa, no dia 26 de Março, promover O Psicanalista.")
e
Pré-publicação:
e
«Um 53º aniversário muito feliz, senhor doutor. Seja bem-vindo ao primeiro dia da sua morte».
d
"O psicanalista nova-iorquino Frederick Starks acaba de receber uma misteriosa e ameaçadora carta. Sem perceber como, nem porquê, a sua vida rotineira é lançada ao caos. Encontra-se no centro de um jogo diabólico, concebido por um homem que se intitula Rumplestiltskin. Este jogo tem as suas regras: no prazo de duas semanas Starks tem que descobrir a verdadeira identidade do autor da carta e a razão da sua fúria. Se conseguir, fica livre. Se não, Rumplestiltskin destruirá, um a um, os seus parentes mais queridos, a menos que o psicanalista aceite suicidar-se."
e
Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença e Vercial.

Mini-entrevistas/Série II – 141


LC
e
O Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje o convidado é João Miguel Almeida.
e
- O que é que lhe diz a palavra “blogosfera”?
No que me diz respeito, um espaço sem limites para expor e trocar ideias. Tendo chegado à adolescência na década de 80, senti falta de uma sociabilidade intelectual que as gerações anteriores viveram em cafés, cineclubes e na militância política. Na melhor das hipóteses, a blogosfera é a versão cibernética e global das tertúlias literárias dos séculos passados. Na pior, um novo interface do veneno que antes circulava em pasquins. Não creio que a blogosfera seja apenas «velho vinho em novas garrafas». O novo meio está também a proporcionar novas formas de comunicação, combinando texto, imagem estática ou em movimento e som.
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
Não segui nenhum acontecimento apenas através dos blogues. Mas li-os mais intensamente durante os episódios que rodearam a nomeação de Santana Lopes como primeiro-ministro, pois a blogosfera deu-me uma ilusão de que podia não apenas seguir os acontecimentos mas também intervir neles, ao apelar a determinadas tomadas de posição. Talvez esta ilusão, no futuro, se aproxime mais da realidade.
- Qual o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
Em 24 de Novembro de 2004 postei no meu obscuro blogue da altura, «E o Esplendor dos Mapas», um obscuro texto intitulado «Uma sentença para K.» Recebi um comentário anónimo: «Segundo uma expressão Sufi, “a liberdade é a ausência de escolhas”. Será que K. não era livre porque não escolhia? Será que a liberdade dele não reside no facto de ele não escolher? Qual será a tarefa mais difícil – escolher ou alcançar a liberdade aceitando a vida tal como ela é?». Vou casar com a autora do comentário.
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
A blogosfera alargou as liberdades de expressão e de leitura. Entre o autor e o texto publicado são eliminados intermediários. A nova liberdade não elimina antigos constrangimentos: as da lei e a possibilidade de autores identificados serem sancionados por aquilo que escrevem. Outros constrangimentos resultam da própria dinâmica da escrita no blogue: das cumplicidades que se geram entre blogueadores, da maior responsabilidade que implica uma maior audiência e da necessidade de gerir simultaneamente o escasso tempo de uma vida pessoal e as lides blogosféricas.
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Entrevistas anteriores (apenas a Série II): Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca, Tiago Mendes, Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati), Rogério Santos, Lauro António, Isabela, Luis Mourão, bloggers do Escola de Lavores, Bernardo Pires de Lima, Pedro Fonseca, Luís Novaes Tito e Carlos Manuel Castro, João Aldeia, João Paulo Meneses, Américo de Sousa, Carlota, João Morgado Fernandes, José Pacheco Pereira, Pedro Sette Câmara, Rui Bebiano, António Balbino Caldeira, Madalena Palma, Carla Quevedo, Pedro Lomba, Luís Miguel Dias, Leonel Vicente, José Manuel Fonseca, Patrícia Gomes da Silva, Carlos do Carmo Carapinha, Ricardo Gross, Maria do Rosário Fardilha, Mostrengo Adamastor, Sérgio Lavos, Batukada, Fernando Venâncio, Luís Aguiar-Conraria, Luís M. Jorge, Pitucha, Gabriel Silva, Masson, João Caetano Dias, Ana Luísa Silva, Ana Silva, Ana Clotilde Correia (aka Margot), Tomás Vasques, Ticcia Patrícia Antoniete, Maria João Eloy, André Azevedo Alves, Sílvia Chueire, André Moura e Cunha, Helder Bastos, José Bandeira, João Espinho, Henrique Raposo, Jorge Vaz Nande, João Melo, Diogo Vaz Pinto, Alice Morgado e Sérgio dos Santos, Adolfo Mesquita Nunes, João Paulo Sousa, Pedro Ludgero, João Tunes, Miguel Cardina, Paula Cordeiro, Edgar, André Azevedo Alves e Inês Amaral, David Luz, Saboteur e João Miguel Almeida.

domingo, 18 de março de 2007

Terá Rute Monteiro tido a mesma sorte?

e r
Para a pergunta "O que são hoje as imagens?", eu responderia com uma outra pergunta: Haverá algum tipo de coleccionismo sem coleccionador?
O "rapto" é uma óptima metáfora para o nosso tempo e sobretudo para o universo de onde brotam perguntas (sem resposta) como essas duas.
"Estar" e "não estar" ao mesmo tempo é a alma do zapping, dos pixels e, em geral, do modo como as colecções de imagens nos aparecem e desaparecem em permanente vaivém global.
Hoje, foi libertado Daniele Mastrogiacomo no Afeganistão. E eu continuo sem saber o que realmente aconteceu à protagonista do meu último romance.