segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

O Benfiquismo - 1

Há uma única coisa em que eu sou muito português. É no Benfiquismo. E não sou o único, pois é no Benfica que a pátria é mais pátria e que a tradição da nação é mais indelével. Goste-se ou não, mas o facto é que o Benfiquismo é uma constelação que atravessa de norte a sul, de paralelo a paralelo, de pólo a pólo e que vive do ronronar sequioso e vivamente glorioso de um passado, não deixando de ameaçar invadir o presente com algo de inesperadamente novo e épico. Domingo a domingo. É nessa iminência, misto de esperança e de cantochão do mais inusitado espanto, que reside o Benfiquismo.
Tal como Portugal, o Benfiquismo oscila entre a ilusão do zénite e a brusquidão das trevas, entre o desmedido voo e a ocultação das penas, entre o desejo imprudente dos marinheiros do fim do mundo e a nostalgia dos calceteiros perdidos na melancolia dos seus labirintos infinitos. Ser Benfiquista é este receio infundado da vitória, espécie de ressoar pessoano que faz do menino da sua mãe a Pietá onde adormece o jogador vermelho e branco da pátria-mãe, enquanto os outros festejam apenas o futebol e não o mito.
O jogador do Benfica, o jogador vitorioso do Benfica permanece ocultado no seu mundo irreal e carregado de névoas e brumas distantes. Apenas um sinal, apenas um brevíssimo sinal do fundo da fatalidade portuguesa, poderá ou poderia levantá-lo. E eis que o aceno fará a hora. Já ouço a abertura dessa ópera por escrever.
De facto, só acredito nas celeumas da "filosofia portuguesa" se aplicadas ao Benfiquismo. De facto, só acredito no mito do amor eterno e até no sebástico se aplicados ao Benfiquismo. De facto, só acredito no milagre de Ourique - sendo o mouro símbolo da adversidade do destino - se aplicado ao Benfiquismo. Tudo o resto é apenas para levar a sério. Demasiado.
No Benfica, o que há a mais carece no nosso tempo. Mas falta mostrar. Entrar em campo. E tal como falta a Portugal um projecto mobilizador, também falta ao Benfica voltar a ser. Marcar golos. É isso que faz ter na alma a chama ardente. Esperança, caos, fado, delírio, ironia? Tudo, tudo isso. E tão, tão português.