quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Remodelação?

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A política quer-se esquemática e pragmática. A vitrine das ilusões serve-se fria. A remodelação da saúde é o fim de uma reforma possível e necessária. A fileira de Manuel Alegre (vestida com cores dramatúrgicas de outras eras, daí que o nome da peça seja ala "esquerda") e de outros flamingos de asas não menos populistas (que ecoam a voz do protesto fácil) ficaram agora a rir-se. E é certo que o imobilismo está garantido até às eleições. Para a pasta da cultura, por sua vez, vem um jovem lavagante, bem falante, cavaleiro de muitas liberdades e amante de caviar e do historiador Rosas. Os subsídios passarão a ter outro brilho e encanto. Sobrará o Samba, o Carnaval e o estendal já menos húmido a pensar sobretudo em eleições. De facto, o ano de 2009 está próximo e já se sabia - todos os altivos comentadores o segredavam - que a política socrática era de "direita" (a malta adora estes esquematismos, o que é que se há-de fazer?); agora juntou-se-lhe o caril que lhe empresta o tom da "esquerda". O homem não é nada inocente. Vai ser o último a rir e mais, muito mais do que todos os outros. E fica, desde já, à espera do banquete. Também vamos lá: com Menezes, Jerónimo, Louçã e Portas... Sócrates bem pode dar-se ao luxo destes joggings. E de muito mais.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Sustentabilidade e natureza humana

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Luís Reis Ribeiro refere hoje no Diário Económico que os economistas declaram o estado de recessão mundial, quando a economia do planeta não cresce para além dos 3% (em 2008, pensa-se que o crescimento andará pelo 4,8%). É interessante reflectir sobre este abismo invertido. Faz lembrar que a noção de “progresso”, desenvolvida pelos iluministas e só estabilizada, como noção chave, a meados de oitocentos no Ocidente, afinal continua desperta e viva como um farol. Foi, aliás, a ilimitada crença no progresso que alimentou o pior (o mais terrível) e o melhor (o mais inesperado) na transição do século XX para o nosso. De facto – e não se pense que este post é apenas reflexo de algum cepticismo lunático (como Unamuno imputaria à alma lusa) –, a natureza humana precisa realmente de metáforas e conceitos fortes para sobreviver: cavernas (Platão sorrindo), ilhas inexistentes (o ‘alhures’ significado pela ‘utopia’), as redes (malha de armadura, prisão e forma de comunicação), as profundezas sem fim (do centro do mundo de Verne aos deuses pré-romanos do Tártaro) e, já agora, o próprio progresso: essa linha sem fim que projecta um ininterrupto e contínuo crescimento. Leibniz e a música barroca de Bach representaram o fôlego divino de um modo mais encorpado, denso e envolvente. Menos linear, digamos. Mas igualmente dominante, galopante e crescente. Até quando esta necessidade de sermos o que somos e, ao mesmo tempo, a sombra de um frágil gigante? (“Até sempre”… era o belo título de um romance de Vergílio Ferreira).

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A solitária cor da tragédia

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A tragédia, quando chega, é secreta, pessoal e intransmissível. No dia seguinte, descortina-se, aqui e ali, em apagado recanto noticioso, uma nota sobre um acidente, sobre um problema de trânsito resolvido a horas ou sobre uma "alegada" colisão ao quilómetro número qualquer coisa. E volta a falar-se, de novo, de Suharto, de Gaza e do Subprime. Mas a tragédia mora noutro lado. Alguém há-de desligar a máquina no hospital. Os últimos vestígios de uma vida são, pois, mera resposta mecânica, simples névoa sem sentido, meros alardes sob a forma de linhas binárias, tecnologicamente impressas em tempo real. É o crash sem redenção na sua mais inexplicável pessoalidade. É verdade: quando chega, a tragédia não é já parte da história (ou da "História" para os engenheiros sociais e salvadores). Porque a tragédia, quando chega, é pessoal, secreta e sempre intransmissível.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Futebol

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O futebol reflecte o melhor e o pior. No futebol despertam episódios insondáveis: sentidos de pertença, fantasmas, heranças, afectos sem forma e muita irracionalidade. Eu gosto do futebol que se joga entre as quatro linhas, do movimento, da paisagem transfigurada. Uma sugestão de batalha encapelada, embora sem pontes levadiças a sério. Mas, de qualquer modo, um confronto, uma sequência múltipla de lances, uma aventura que mexe no magma do ser. Gosto de futebol, mas detesto bairrismos e regionalismos. Sei que as coisas são incompatíveis, na medida em que o bairro e a região encaixam que nem uma luva nos fantasmas, nas pertenças e nos afectos mais esquecidos. Mas apesar da incompatibilidade, sabe-me bem ver ganhar quem não representa, de modo unívoco, os bairrismos, a regiãozinha ou a cor dos melhores enchidos e vinhedos. E foi por isso que gostei dos resultados desta última jornada do campeonato lusitano.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Episódios e Meteoros - 67

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(ver também no meu blogue de crónicas)
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"Uma c... grande como a misericórdia de Alá"
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Sabe bem escrever sobre autores, cuja moda começa a finar-se. A obsolescência nem sempre é um tema da publicidade; é-o também, claro está, no caso dos escritores e dos pensadores. Umberto Eco merece lugar à parte pela sua vastíssima obra e, entre outras coisas, pela capacidade de reinventar os modos com que hoje podemos olhar, perceber e interrogar os discursos do nosso quotidiano. Mas há partes de Eco menos conhecidas. Sempre desvendei por trás das suas palavras - não me refiro aos romances - uma gargalhada intermitente e sem fim. Sempre que nos seus ensaios um novo conceito é apresentado, Eco parece traduzi-lo com dotes assumidos de goliardo fanfarrão. Podia dar imensos exemplos dessa 'comédia epistemológica' e, quem sabe, se um dia não o farei até com algum fôlego, coisa que numa coluna destas não tem qualquer cabimento.
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Seja como for, e talvez porque o Lector in Fabula faz para o ano três décadas de vida, lembrei-me, no fim-de-semana passado, de uma das minhas maiores gargalhadas de sempre... ao ler Eco. Porventura, se fosse hoje - em tempo de elevada 'correcção' -, o livro teria sido proibido, a passagem não teria passado despercebida e a querela das caricaturas dinamarquesas não lhe teria feito a mínima sombra. Preparados, caros leitores?
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Ora, no final desse distinto ensaio (sobre métodos de análise textuais), aparece o excerto de um livro de Cyrus L. Sulzberger (The Tooth Merchant, 1973) que reza assim:
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"Os bordéis mais sujos da Europa (e conheço-os todos) encontram-se na rua Albanoz, no bairro de Pérah, em Istambul, e eu estava a dormir num deles numa manhã de fins do Verão de 1952 junto de uma puta chamada Iffet com uma cona grande como a misericórdia de Alá..."
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Na página 207 da edição portuguesa do Lector in Fabula (1983), Umberto Eco comenta, depois, esta incorrectíssima citação com a seguinte passagem (tão barroca à Versage quanto magnífica):
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"Fragmento que não submeteremos a análise, não por pudor, mas porque põe em jogo mecanismos de hipercodificação retórica e quadros intertextuais demasiado complexos. Há nele uma comparação, uma hipérbole, a referência a quadros comuns relativos às condições ginecológicas das prostitutas dos portos, e a quadros intertextuais relativos ao estilo imaginativo dos muçulmanos... Em suma, demasiado material. Digamos que o Leitor-Modelo deveria compreender que a prostituta é velha e desagradável, mas nem por isso menos generosa das suas graças."
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Como o ilegível para muitos pode, de facto, ser champagne para todos!
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Ora bem, num tempo em que a autocensura vai delimitando cada vez mais o que se pode e o que não se pode dizer ou escrever (daí a "c..." alegorizada no título), esta memória surgiu-me, há dias, como uma lufada de ar fresco. Não do ar fresco que agora é doado aos fumadores que se prostram às portas das pastelarias e das repartições de finanças, mas do ar bem mais fino de quem via o mundo com uma grande e flexível balança entre a seriedade dos profetas com barbas e a grande e frágil gargalhada dos mortais. E já agora: sem que ninguém se sentisse ofendido com a dose.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Para quem adora abismos e rumores - V

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Mais uma contribuição para a impressiva e abismada leitura da "crise":
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"Se olharmos para a crise espoletada pelo “subprime”, descortinaremos que a felicidade da gordura americana (…) se baseava em axiomas deslocados da realidade. George Soros foi cruel, ao dizer que os EUA viviam do que o resto do mundo poupava e consumiam acima do que produziam. Como se fossem uma espécie de aristocratas com problemas de crédito. Mas isso era derivado da sua moeda, o dólar, ser a moeda de reserva internacional. Quando essa expansão de crédito causava tempestades, as autoridades centrais injectavam liquidez e estimulavam a economia por outros meios. O próprio coração do sistema financeiro – baseado na circulação interbancária, a começar pelo empréstimo – entrou em colapso." (Fernando Sobral)
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"Samuelson atribui em boa medida a turbulência actual ao relaxamento dos guardiães do sistema financeiro que se deixaram embalar na doce cantiga da sofisticação de produtos que muitos clientes não percebem e cujas consequências as próprias empresas têm dificuldade em avaliar." (
Francisco Ferreira da Silva)
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"Está assim estabelecido o cenário para os próximos anos. O petróleo passou a ser caro e as empresas não possuem margem de manobra para fazer repercutir os seus custos nos clientes finais, pois competem agora com produtos produzidos na China e na Índia a custos extremamente mais reduzidos.
Os próximos anos serão delicados. Com a redução das margens não existe "latitude" para investimentos. Assim, a criação de novos empregos na Europa é uma miragem." (
Pedro Sousa)

Volta ao Mundo - 14

Em Setembro do ano passado, a Clara e o Miguel iniciaram a sua volta ao mundo. A última crónica teve como origem a Austrália. Para trás já tinham ficado muitos outros locais e cidades: Madrid, Havana, Galapagos, Quito, Buenos Aires, Ushuaia, Polinésia, Ilha da Páscoa, Nova Zelândia (com passagens por Tahiti, Moorea, Huaihine e Raiatea). Hoje, a crónica reata a passagem pela Nova Zelândia:
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"Nova Zelândia"
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"Corre. Corre. Corre. Quer ter a certeza que o ar não é feito de papel. Acelera. Vê que as árvores quase terminam. Continua. Continua. Ignora a respiração a saltar-lhe do peito. Quer ter a certeza. Sabe que se aproxima, começa a apagar-se o caminho. Se for cenário. Se for cenário. Imagina o corpo contra a parede de cartão. De um azul a imitar o céu, um lago demasiado pintado, demasiado perfeito. Mais cinco passos. Guarda o fôlego. Dois, um. Fecha as mãos num resumo… E, de olhos abertos, cai no vazio.



Esvazia-se de si próprio. O sorriso sai-lhe pelos bolsos. A imaginação, o calor, o tempo. Tudo fora de si. Sente o espaço que se cria. O momento único do seu silêncio.
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Vejo um ser enorme a andar na minha direcção. De pele a sobrar-lhe. Rugas encharcadas, como rios indecisos sobre a idade que têm.
- Estás surpreendida?
(Acho que sim)
- Por ver um velho correr para o precipício?
(Por estar do outro lado do mundo e tudo se passar ao contrário)
E por saber que um homem, para ter a certeza que não vive num lugar de brincar, corre até ao salto para não se sentir imortal.
Espero que a sua sombra se dilua nas montanhas.
… E começo a correr."
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Foto: Miguel Sacramento (a tentar introduzir)
(um exclusivo para o Miniscente)

Para quem adora abismos e rumores - IV

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Mais deixas para a apaixonada dramaturgia da crise:
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"A derrocada nas bolsas mundiais não foi um súbito ataque de histeria provocado pelos especuladores gananciosos. Foi o sinal de que a recessão mordeu os Estados Unidos e provocará vítimas. Isso mesmo: as notícias da independência da economia mundial face ao motor americano eram, afinal, exageradas. Uma constipação nos EUA ainda tem força para provocar uma pneumonia global. O famoso ‘decoupling’ não existe. A UE e a América vivem de braço dado: contabilizando serviços e bens, este bloco é responsável pela maior fatia das trocas comerciais planetárias. China e Índia juntaram-se aos tenores, mas o ritmo continua a ser marcado pelo eixo Atlântico." (André Macedo)
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"(...)o consumo privado não deverá ter a força suficiente para ser o motor de que a economia precisa. O que aliás era previsível porque é o mais afectado pelas duas crises internacionais. A financeira tornou o crédito mais caro com a subida dos ‘spreads’. A do petróleo puxa pela inflação – já está em 3,1%, muito acima da referência dos 2% –, o que deverá obrigar o Banco Central Europeu a subir os juros. Numa economia altamente endividada como a portuguesa, isto são motivos suficientes para dar vontade de cortar os pulsos. Mesmo as empresas que querem investir vão pensar duas vezes. Restam as exportações que estão dependentes da economia internacional, que está no meio de um tornado." (Bruno Proença)
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"Mesmo que os Estados Unidos escapem à recessão a percepção do eleitorado é depressiva e se em campanha presidencial vingam as promessas de política anticíclica, os défices orçamental e da balança de transacções correntes vão cortar as veleidades do sucessor ou sucessora de Bush que prestar juramento em Janeiro." (João Carlos Barradas)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Para quem adora abismos e rumores - III

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Adoro vaticínios escritos sobre o calor dos factos:
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"Poderá, aliás, ocorrer eventual queda de preços por revisão em baixa de resultados. A incerteza económica tenderá a beneficiar títulos mais líquidos e menos cíclicos." (Cristina Casalinho, DIE)
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"Afinal, estava tudo preso por arames, arames farpados de excesso de dívida varrida para debaixo dos tapetes dos derivados financeiros. Agora, não deixa de ser extraordinário que o mercado esteja fechado, que os bancos não consigam emprestar dinheiro entre si. É a ironia suprema: os bancos desconfiam mais dos bancos do que das empresas. Não emprestam dinheiro uns aos outros." (Pedro Santos Guerreiros, JDN)
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"Hoje é um dia de quase pânico, eu diria, porque as bolsas caíram muito no mundo todo e isso traz um contágio, mas isso não quer dizer que amanhã ou depois seja assim." (Guido Mantega, DDI)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Para quem adora abismos e rumores - II

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Ainda a propósito da atracção que a larga maioria dos comentadores e intérpretes da actualidade tem pelas visões apocalípticas e abismadas, valeria a pena fazer uma recolha de crónicas e textos que, desde ontem, se publicam por esse mundo fora. Eu guardo em minha casa, em arquivo, uma série homóloga que se reporta a publicações dos últimos meses de 1999 (e aqui o leitmotiv da crise era apenas numérico). Antes, em 1998 e em 1993, os cenários também foram férteis. Vou, pois, passar a dar uso à tesoura. Há muito por onde escolher e esse materil sempre pode, mais tarde, vir a ser utilizado (não apenas parodicamente). A crise, dizia Kermode (por outras palavras), é um modo de atribuirmos coerência interpretativa à turbulência do nosso próprio tempo: um jogo de expectativas, uma anamorfose que se tenta aproximar da realidade, sempre bem mais complexa do que a nossa capacidade em elaborar diagramas e/ou descortinar receituários. Pobre Sócrates, quando é utilizado, qual gota de orvalho, nesta discussão!

Para quem adora abismos e rumores - I

A melhor opinião sobre a ameaça de recessão global ainda é a periférica (li-a, há minutos, no Diário Económico e é da autoria de X. Denecker): Portugal anda em contraciclo, não sofre de bolha imobiliária e até vai, por isso mesmo, fazer muito bem ao nosso rectangulozinho libertar-se da hipersensibilidade congénita que o leva a ser sempre demasiado afectado pela conjuntura. Gostei. E se fosse mesmo verdade?

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Ilusão

Regressa o brilho intenso do sol, o antigo eco dos nautas apolíneos. E a verdade é que a grande laranjeira do quintal parece agora elevar-se bem acima no recorte do horizonte. Fico a vê-la pairar sobre os plátanos despidos, sobre as máscaras dos deuses.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Episódios e Meteoros - 66

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O encapuzado Mário Lino
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Portugal é um país extraordinário. Pleno de prodígios e de uma solaridade rara. Sinceramente, nem chego a perceber a razão que terá levado o governo a pagar campanhas publicitárias tão caras, quando a nossa matéria-prima fala por si e é única no seu pedigree histórico e presente. Qual Ronaldo, Mourinho ou Marisa! Repare-se na genialidade com que uma simples jogada de damas, entre o referendo europeu que nunca foi e um aeroporto ainda por vir, tornou os espectros mais negros do ano novo num auspicioso milagre.
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Todos sabemos que seria obra referendar a lista telefónica de Lisboa com a agravante de, a cada página, ela remeter para a lista telefónica de Madrid, de Atenas, de Berlim, de Bruxelas ou de Varsóvia. Dizer "sim" ou "não" a uma cidade de papel de tal dimensão seria, de facto, tão divertido como ser palhaço ou acrobata no Cirque du Soleil. É claro que a liturgia política tem apetites que não são menos cómicos: de um lado, o eterno core das promessas (como se a acção e o verbo, em política, tivessem inevitável concordância); do outro lado, as virgens da imaculada correcção que acham que tudo deve sempre bater certo-certinho (ou seja: se o senhor prior prometeu, na campanha eleitoral, que ia comer a ermida, agora vai ter mesmo que o fazer… sem poupar os alicerces).
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A liturgia e a demagogia, como boas irmãs siamesas, prometiam-nos, deste modo, diversão sem fim. O Janeiro português prometia e muito. Mas eis senão quando… O gongue bate e soa, de repente, em todo o hemisfério lusitano, a palavra “Alcochete”. Lá se foi, de uma só penada, o referendo, o Cirque du Soleil, o Bel Canto do Bloco e a retórica das promessas jamais cumpridas.
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Na mais reveladora conferência de imprensa do século XXI, Mário Lino apareceu ao lado de Sócrates com a cauda enroladinha aos quatro cantos da mesa. Parecia um marciano convertido aos dotes terrenos. Melhor ainda: Henrique Neto descobriria, nesse mesmo dia, em debate na SIC-Notícias, que o ministro era afinal um destemido oponente da Ota. A sua trágica "inabilidade" em defender a Ota, sobretudo na Primavera de 2007 (quando criou a famosa metáfora do "deserto"), seria a irrefutável prova disso mesmo.
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Que mais se poderá dizer deste inspiradíssimo mês de Janeiro?
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Bem podiam, de facto, retirar Ronaldo, Mourinho e Marisa dos cartazes que publicitam Portugal e substituí-los por um único prodígio: Mário Lino. Henrique Neto tinha e tem, pois, toda a razão: Mário Lino é afinal o mitológico rei encoberto e encapuzado que, ao lado dos flamingos cor-de-rosa, acaba de regressar à pátria de Alcochete numa manhã de nevoeiro. Tal como os monstros medievais que, depois de inspirarem o terror e o temor divinos, sempre acabavam por nos iluminar com o doce caminho da salvação.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Ainda a surpresa

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A supresa a que me referia ontem no post "Lembram-se de Rute Monteiro?" pode ser revelada aqui no (imponderável) Hiperscente. Já agora, era interessante que uma biblioteca se lembrasse, um dia, de levar a cabo um conjunto de sessões subordinadas ao tema "O que anda o escritor a escrever" (com redundância e tudo, as sessões serviriam para desvelar oficinas pessoais, processos de escrita em curso e implicariam, claro, leituras de excertos de futuros romances ainda em ponderada gestação). Foi, afinal, o que ontem aconteceu comigo. Pela primeira vez na vida, creio, e... já escrevo livros há mais de um quarto de século.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Lembram-se de Rute Monteiro?

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Hoje à noite, estarei na Biblioteca Pública de Évora para dialogar com o respectivo grupo de leitura (que andou - imagine-se! - a ler o meu último romance). Antes... há jantar literário no Jardim do Paço. O sentido desta minha divulgação é apenas um: é que logo levarei comigo, também, uma surpresa.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Cerveja e literatura - 65

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"E quando vieram as oito horas, Franz estava abancado à mesa no canto duma tasca com Meck e mais um que era mudo e só fazia sinais. As coisas passaram-se em grande estilo. Meck e o mudo pasmavam ao ver Franz desinibir-se, comer e beber regaladamente, dois 'eisbein', depois guisado de feijões e uma imperial Engelhardt atrás da outra, e ele a desembolsar por todos. Os três fincaram os braços uns nos outros para que não se chegasse mais ninguém a incomodá-los na mesa já de si pequena; só a magricela da patroa se podia aproximar para levantar os pratos, limpar e voltar a encher."
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(Alfred Doblin, Berlim Alexanderplatz, Editores Reunidos Lda., Lisboa, 1994, p. 178; participação: Alberto Magalhães)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Cerveja e literatura - 64

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"Em 0 Cálice havia um único cliente. Era Bretschneider, um polícia da secreta. O proprietário, o Sr. Palivec, enxaguava os pires, e Bretschneider tentava inutilmente encetar conversação.[….]
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- Arranjaram-na bonita. nesse maldito Serajevo! aventurou-se Bretschneider com fraca esperança.
- Em qual Serajevo? -- perguntou Palivec. O estanco de Nusle? Isso não me espantaria mesmo nada, porque todos os dias há lá pancadaria. Toda a gente sabe o que é Nusle.
- Mas eu estou a falar de Serajevo, na Bósnia, meu caro. Acabam de assassinar ali o arquiduque Fernando. Que é que você diz a isto?
- Nesses assuntos não me meto eu. Quem vier chatear-me com tais extravagâncias mando-o à fava – respondeu cortesmente Palivec, acendendo o cachimbo. - Ocupar-se hoje uma pessoa de negócios dessa natureza é o mesmo que quebrar a espinha. Eu sou comerciante, não é verdade? - e, quando alguém me encomenda uma cerveja, eu estou pronto a servi-la. Quanto aos Sarajevos, a politica ou ao nosso defunto arquiduque, nada disso me diz respeito. Só me pode trazer uma estadia em Pankrac.
Iludido na sua expectativa, Bretschneider calou-se e olhou à volta da sala vazia. [….]
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O agente mergulhou definitivamente no silêncio. Tornou-se-lhe sombrio o olhar e só se iluminou na altura da entrada do Sr. Chveik que, ao abrir a porta, encomendou logo uma «preta».
- Em Viena também hoje se está de luto -- acrescentou ele.
Os olhos de Bretschneider acenderam-se de esperança.
- Em Konopista há uma dezena de bandeiras pretas - disse secamente.
- Deveria haver doze - retorquiu Chveik depois de ter bebido a cerveja.
- Porquê justamente doze? -- interrogou Bretschneider.
- Para fazer uma conta redonda: uma dúzia conta-se melhor. E, depois, é sempre mais barato quando se compra à dúzia - replicou Chveik.[….]
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- […]. Mas nessa conjuntura poderemos unir-nos à França, que, desde 1870, está farta dos Alemães. De qualquer dos modos a guerra é certa e segura. Só lhes digo isto!
Bretschneider levantou-se e proferiu num tom solene:
- 0 senhor falou bastante, chegue comigo aqui ao corredor que eu tenho uma coisa para lhe dizer.
Chveik seguiu docilmente o detective até ao corredor, onde o esperava uma pequena surpresa. O companheiro de pinga mostrou-lhe uma aguiazinha no reverso da banda do casaco, anunciando-lhe que estava preso e o ia levar à Directoria da Policia. Chveik tentou explicar que havia certamente um equívoco da parte do cavalheiro, que ele estava inocente, que não pronunciara uma única injúria contra fosse quem fosse.
Mas Bretschneider explicou-lhe que a sua situação era clara, cometera vários delitos qualificados, entre os quais o de alta traição.
Voltaram a sala e Chveik declarou ao Sr. Palivec:
- Devo cinco imperiais e uma salsicha com pão. Serve-me mais uma schnaps, antes de me pisgar. Estou preso."
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(Jaroslav Hasek, O Valente Soldado Chveik, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1971, p. 11; participação: Alberto Magalhães)

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Cerveja e literatura - 63

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“Subi ao último andar de um dos hotéis mais altos, entrei no espaçoso bar e pedi uma cerveja Heineken. Passaram bem uns dez minutos até vir a cerveja. Enquanto esperava, apoiei o cotovelo sobre o braço da cadeira e deixei-me ficar assim, de olhos fechados, com a cabeça apoiada na palma da mão. Não conseguia concentrar-me nem pensar em nada. Com os olhos fechados, a única coisa que ouvia era um ruído que me fazia lembrar uma centena de duendes a varrerem o interior da minha mente com as suas vassourinhas. Varriam e tornavam a varrer, e o trabalho deles nunca acabava. A nenhum deles passara pela cabeça usar uma pá do lixo.
Quando me trouxeram finalmente a cerveja, emborquei-a em duas únicas goladas. Acto contínuo, engoli vorazmente os amendoins, servidos num pratinho como acompanhamento. Só então deixou de se ouvir o ruído produzido pelos anõezinhos e as suas vassouras.”
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(Haruki Murakami, Em busca do carneiro selvagem, Casa das Letras, Casa das Letras, Cruz Quebrada, 1982/2007, p. 161: participação: Bruno Cunha)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Episódios e Meteoros - 65

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(crónica publicada, desde quinta-feira passada, no Expresso Online;
(ver também no meu blogue de crónicas)
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O ponto mais fraco de José Sócrates
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Quando um ano acaba e outro começa, as televisões gostam de ilustrar o ano findo com imagens. Curiosamente, essas imagens são salteadas e realçam, ou instantes de humor, falhas, gafes e desatenções inusitadas, ou dão a ver momentos de violência gratuita, olhares em estado de choque, pancadaria, numa palavra: fogosidades.
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Sempre adorei voltar a ver este tipo de imagens isoladas do seu contexto. O exercício permite, entre outras coisas, prever o futuro. Quando se revê o nosso PM no parlamento europeu a ser interrompido por vigorosos protestos, o que se revê, em primeiro lugar, é o seu olhar profundamente incomodado. Um olhar que não consegue esconder um mal-estar tão profundo, tão incontido e tão avesso à máscara (ou à elegância) que acaba por pôr a nu o seu ponto mais fraco. Um dia, Sócrates cairá em desgraça por causa deste seu abismo muito particular.
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Falei em abismo? Sim. Vertigens, não do poder, mas da falésia do convencimento. Sócrates adora as sessões em que a encenação e o protocolo impedem a dissenção natural. É uma questão de temperamento e não tanto de agenda política, creio. O que só agrava o diagnóstico. Nada melhor do que um Les Uns et les Autres onde tudo acaba bem, com música morna e anúncios heróicos. Sem falhas, sem gafes e, também, sem fracturas ou olhares desencontrados. Sócrates veio da serra para a capital e gosta de manter a sua democracia metódica. Sem exageros e com um único alarde: o da pose.
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Disdéri foi o fotógrafo francês que, por volta de 1850, inventou a pose. Uma efígie que disfarça os remoques e que recria o sol na gruta mais sombria do olhar. A simulação do tigre na audácia do gato. A pose é um óptimo ponto de partida para levar o mais incauto à falésia do convencimento. Sem pose não há defesa possível, a não ser que a densidade do personagem se imponha à fatalidade. É uma escola como muitas outras. E Sócrates nela estudou e a ela se entregou. Só que um parlamento europeu aos gritos parece muito pouco para destronar e desfazer tanta vertigem.
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Sócrates está de pé, tenso, crispado, carregado e olha para o inferno dos deputados que gritam em uníssono “Referendo, Referendo!”. É um olhar que reflecte o fogo da maçada e o gelo do estorvo. Um aperto que o PM não consegue, de modo nenhum, dissimular. Se há momento em que a acrobacia e a verdade mais concordam uma com a outra é este mesmo. Sem falhas.
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É claro que Sócrates é incapaz de perceber que os sucessos da presidência portuguesa deveriam falar por si próprios. É claro que Sócrates cairá sempre na tentação do auto-elogio desnecessário. Questão de pose. É claro que Sócrates até tem razão em recusar o referendo europeu. Mas, de um momento para o outro, perde toda a razão, perde tudo. Está de pé, a sós, como a areia molhada sob o ímpeto das ondas. Não perdoará nunca que lhe tenham minado a sua falésia do convencimento. Questão de pose. E, um dia, de desgraça.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

To be or...

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Henrique Neto descobriu ontem, num debate na SIC-Notícias, que Mário Lino era afinal um ferveroso defensor da OTA. A sua "inabilidade" em defender a Ota, sobretudo na Primavera de 2007 (quando criou a famosa metáfora do "deserto"), seria a prova disso mesmo. O caso não é único. De certo modo, a transferência de Santos Ferreira da CGD para o BCP é - ou seria - um pouco como a candidatura de Pinto da Costa à presidência do meu SLB. Salvo seja. Tudo coisas normalíssimas: o que sempre foi pode sempre ser, também, o seu contrário. Tal como os monstros medievais que tanto inspiravam terror e temor a Deus, como docemente apontavam o caminho da salvação das almas.

Volta ao Mundo - 13

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Há quatro meses que iniciaram a volta ao mundo. Hoje, a Clara e o Miguel enviam-nos a sua mensagem da Austrália. Para trás já ficaram muitas outras terras e crónicas: Madrid, Havana, Galapagos, Quito, Buenos Aires, Ushuaia, Polinésia, Ilha da Páscoa, Nova Zelândia (com passagens por Tahiti, Moorea, Huaihine e Raiatea). Enfim, envio daqui um grande abraço e passo a publicar a 13ª epístola aos lusitanos:
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"Austrália e um lugar qualquer"
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"Olho pelo vidro do carro e a paisagem continua a passar. Não percebo como. Eu continuo parada. Passamos por um grupo de pessoas a rir, com cervejas numa mão e gestos soltos na outra. Não percebo como. Eu continuo parada. Hoje soube que morreu um amigo.
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Foi há muitos anos. E a minha alma tinha morrido. Era um nada. E dor. Tinha deixado de ser. Foi quando percebi que me pegavam ao colo, que me levavam ao ombro, que me alternavam o peso numa caminhada impossível até um estádio que, para mim, tinha deixado de ser olímpico. Desconheciam que não me levavam inteira, cada um carregava apenas um estilhaço.
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Saio do carro. Descalça. Piso a areia com força. Com força. Como se quisesse atravessar o mundo. Ouço os gritos de um grupo de adolescentes. Não percebo como. Eu continuo calada. Hoje soube que morreu um amigo. Ando até molhar os pés. Por momentos esqueço-me que estou na Austrália. Não penso em tubarões nem em experiências de vida. Não me lembro. Não ouço. Não acredito. O mar parece-me muito maior. Quase impossível.
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Foi há muitos anos. E a minha alma tinha morrido. Carregavam-me quando era apenas estilhaços. E riram-se. Não sabiam que nesse momento davam sentido ao meu reinício.
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Mergulho até não aguentar não respirar. Estou viva. E sei que a partir de hoje sou eu que carrego um estilhaço. De um amigo."
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(um exclusivo para o Miniscente)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Chapeau

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E eis como a comédia de Janeiro se transformou, de um momento para o outro, na mobilização infinita (como diria Sloterdijk). Chapeau.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A comédia de Janeiro

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Referendar a lista telefónica de Lisboa com a agravante de, a cada página, remeter para a lista telefónica de Madrid, de Atenas, de Berlim, de Bruxelas e de Varsóvia, é obra. Obra das grandes. Dizer "sim" ou "não" a uma molhada de papel desta dimensão é, de facto, mais divertido do que ser palhaço ou acrobata no Cirque du Soleil. É claro que a liturgia política tem apetites que não são menos cómicos: de um lado, o coração das promessas (como se a acção e o verbo, em política, tivessem inevitável concordância); do outro lado, as virgens da imaculada correcção que agora acham que tudo deve bater certo-certinho (ou seja: se o senhor prior prometeu que ia comer a ermida, agora vai ter mesmo que o fazer… sem poupar os alicerces). A liturgia e a demagogia, como boas irmãs siamesas, vão-nos divertir imenso nos próximos dias.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

A limpeza em curso

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Tal como os talibãs destruíram os Budas no Afeganistão, também hoje se retiram de filmes conhecidos os cigarros e as manchas de fumo. Em 2001, pouco antes do 09/11, o filme Backdraft de Ron Howard (de 1991!) foi amplamente condenado por activistas antitabagismo por mostrar bombeiros a fumar. A ironia tornou a militância ridícula, na medida em que a luta contra a catástrofe natural, de que o filme dava conta, era desvalorizada a favor do impacto tabágico. O mais importante, apesar da ironia, era, pois, a cega mensagem de interdição. E nada mais.
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(ler versão integral desta crónica no Expresso Online e também no meu blogue de crónicas)

domingo, 6 de janeiro de 2008

A sobremesa de Luís Pacheco

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Conheci-o mal, mas lembro-me bem dele. Para as pessoas com a minha idade, o Luís Pacheco foi sempre parte da ementa. Nem que fosse de um detalhe da sobremesa tão lascivo e selvagem quanto iluminado. Era preciso ter conhecido a gastronomia da época de Luís Pacheco para o entender em pleno. Mas isso pouco interessa, até porque essa época correspondia, em alguns aspectos, a um mundo radicalmente às avessas da liofilização fascistóide de hoje. A “História” como narração linear é sempre uma aberração. Não apenas a “História”, mas todos os caracóis que se arrastam nos muros, todos os arcanjos da higiene literária e todos as flanelas onde escorre um fiozinho de leite com "Z". Para além do desejo à solta, o mais intemporal em Luís Pacheco terá sido o uso da língua. No fundo, é esse tipo de solaridade que fará dele um mestre para todas as conveniências do nosso tempo. Mas isso é conversa para editores de páginas culturais. Salvo seja. De qualquer modo, o Miniscente não gosta de cultura (cultura?). Pelo menos, hoje. Dia em que Luís Pacheco nos fez a todos o maior dos manguitos. Vaya Con Dios, como dizem os belgas.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Cerveja e literatura - 62

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“Diante de um pequeno restaurante, “Zur Stadt Paris”, há mesas no passeio de uma rua transversal. Vêem-se aí copos brilhantes de cerveja. Do restaurante vem um cheiro um pouco fresco, de cave, talvez a tonéis, tonéis de vinho, tonéis de cerveja. Só então se repara que a Lua apareceu por cima da rua. A noite permanece muito quente.
Para os donos dos restaurantes das ruas calmosas, o Verão não é em Viena o melhor período, embora o calor faça correr mais a cerveja, quando há seis canecas à sombra, como por vezes aqui se diz: é que, terminado o trabalho e mais ainda no fim-de-semana, toda a gente vai para fora…”
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(Heimito von Doderer, A Flagelação Bolsinhas de Camurça seguido de Um Outro Kratki-Baschik, Trad. de José A. Palma Caetano; Lisboa, Assírio e Alvim, 2004, p. 40; participação: Clara Alvarez)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Episódios e Meteoros - 63

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(crónica publicada, desde quinta-feira passada, no Expresso Online; ver também no meu blogue de crónicas)
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Ferro Rodrigues, Camarate e o nevoeiro português
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A justiça terrena, pelos vistos, também é democrática: há muitas, variadas e de todos os preços. É por isso que, uns dias antes do Natal, Ferro Rodrigues desceu do seu posto diplomático à simplicidade campestre de Monsanto para depor em tribunal. Ao tentar explicar a razão do seu envolvimento no Processo Casa Pia, Ferro Rodrigues disse que tudo se ficou a dever ao facto de ter sido líder de uma oposição considerada "demasiado à esquerda". Por outro lado, para o ex-secretário-geral do PS, a "cabala" podia também ser explicada com base numa pura manobra de diversão (tendo com base a "instrumentalização" de alguém "preso" ou que "pudesse vir a ser preso").
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Ambas as conjecturas parecem algo viciadas. Vício de interpretação, é claro. A primeira explicação, mais defensiva, refugia-se nas referências direita-esquerda, quando todos sabemos que a complexidade do mundo actual requer bem mais do que o simplismo esquemático e binário dessas referências. A segunda explicação imagina o combate político à imagem das grandes ficções de espionagem, recheadas de álibis tenebrosos e amputações políticas perpetradas em laboratório (uma espécie de super-Watergate português com Nixons imaculados).
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Perguntar-se-á: quem ousaria tramar uma conjura monumental a Ferro Rodrigues e a Paulo Pedroso por encarnarem, um e outro, um perigosíssimo desvio de esquerda nos idos de 2002/3? A ser verdade tal paradoxo, o que teria acontecido a Sampaio, Soares, Alegre e Roseta, de então para cá? Por outro lado, quem teria capacidade, no Portugal de hoje, para "instrumentalizar" tudo e todos – com excepção para o agora intérprete dos factos – nas barbas de uma presumível e delicada operação judicial?
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O facto é que, após cinco anos de enigma, Ferro Rodrigues desceu do seu posto diplomático a Monsanto para adensar ainda mais o enigma. E não é menos verdade que uma aura de desconfiança domina a espessa névoa portuguesa, de que o caso Casa Pia é um dos mais recentes sinais. A névoa de Ferro Rodrigues, como a do acidente de Camarate, é uma névoa de natureza completamente diferente da que muitos desenharam à volta do D. Sebastião regressado, invicto e salvador. É uma névoa que apenas encobre e não promete, que apenas cobre e não dá qualquer esperança.
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Passa o tempo e a desconfiança permanece. Não tenhamos dúvidas disso. A voz corrente decidiu há muito dar vida ao triste rei do final de quinhentos. A voz corrente decidiu há muito reconhecer dedo de assassino na queda de avião que vitimou Sá Carneiro e Amaro da Costa. Fica por saber o que a voz corrente irá ditar no caso Casa Pia. O mito acabará sempre por falar mais alto. Sabe-se que assim é, quando o tempo passa e a desconfiança permanece. Independentemente da inocência e do que venham a decidir os tribunais, Ferro Rodrigues terá que arranjar melhores conjecturas. A "esquerda-direita" e as chamadas "manobras de diversão" não são particularmente felizes. Convenhamos.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Bom Ano!

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“Sagres”
e
por Jorge de Sousa Braga
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“Só tenho uma ponta de
cigarro para fumar
e para apagá-la
todo o mar”
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(De Boca do Inferno em Desfocados pelo Vento, A Poesia dos Anos 80, Agora, Antologia, Quasi, Vila Nova de Famalicão)