terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

"Complexity and color"

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Nada parece sufocar o olhar gelado de Octaviano: nem as letras, nem a mãe, nem os segredos, nem sobretudo a morte (prolepse terrível). Os testículos ainda quentinhos sempre surtem o seu efeito a prazo. Sufoca-o decerto o manietar dos escudos, o lado prático da gesta. No entanto, o simplório Pulo, sem os pruridos e o zelo de Voreno, já se tornou no seu cúmplice de armas e de confissões mais negras. Voreno, depois de várias OPAs falhadas, consegue voltar a respirar o sangue dos veteranos (Evocatti), revendo-se na purificação com que volta a partir. Ao serviço de um “tirano”, mas também em nome da “República”, essa fatalidade que Servilia pronuncia com horror no momento em que César dela (afectuosamente) se despede. Por fim, a Pompeu, restar-lhe-á para já a abertura do mar, a pobreza de espírito dos escravos e a maresia grega para recordar a pertinácia dos senadores (e… Barthes lá foi pedir o seu subsidiozinho de reinserção, ou não terá antes sido aquele novo complemento de reforma anunciado há dias por Sócrates?). Contudo, nas catacumbas do espírito, continuam a pairar várias tragédias ao mesmo tempo: a mulher de Voreno, as pragas proféticas, a doença dos génios (I know what I mean) e o leme que conduz a própria história. É devido à navegação que liga destino e história (minúscula, minúscula sempre!) que Calvino nos relembra: “A história da literatura é rica de incipit memoráveis, enquanto os finais que apresentem uma verdadeira originalidade como forma e como significado são mais raros, ou pelo menos não se apresentam à memória assim com tanta facilidade”. Nada melhor, portanto, do que o Media Res. Gozem a vida, gozem o simples curso das coisas, gozem o Carnaval! (Átia… continua a ser a madrinha ideal dessa puríssima sagesse).

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

Um ano de vida

Tarde mas com fé: parabéns aos insurgentes!

Haggis vs. Cronenberg

e
Vi Crash de Paul Haggis (2004). Pena que se confunda com o homónimo (1996) de David Cronenberg. Aquele, uma magnólia com neve em LA em vez dos famosos sapos (mas com as mesmas histórias paralelas, de início desconcertantes, no final um tanto previsíveis). Este, um filme que marcou uma época e a registou: fluxos, nostalgia, anti-heróis, essas coisas todas. Mas ambos as 'Colisões' respiram clímax, o primeiro com espirais que acabam por encantar (mas sem rasgo), o segundo com abismos que acabam por fascinar (e com algum rasgo).

domingo, 26 de fevereiro de 2006

Toma lá

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Só deu Benfica. Foi um belo jantar dominical. Agora... espero para ler os comentários idiotas do costume (vamos ver se ultrapassam o nível dos daquela noite em que ganhámos ao Liverpool). No links, of course.
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P.S. - Quando ontem escrevi "comentários", estava a pensar nos comentários dos 'blogues do costume' e não nos comentários dos meus ilustres comentadores de posts! Peço desculpa pela ambiguidade, apenas justificada pelo incontido voo da águia.

Involuntariedades do "gender"

Todos os dias há gente que morre miserável e degraçadamente por esse mundo fora. E ninguém procura sinais de heterofobia nessa barbárie. Quando assim não é, há mais névoa do que brilho. Simplesmente porque se passou de um extremo ao outro: antes era tabu e ocultação salazarenga ou soviética, hoje é puro excesso de verbo vitimizado sem qualquer eficácia. Como sempre, só os próprios não dão por isso.

sábado, 25 de fevereiro de 2006

o crédito eterno

"Bolstered by its electoral performance and sensing a surge of pan-Islamic feeling, the Muslim Brotherhood has laid down a challenge by announcing a campaign to secure donations from Muslims around the world to replace western aid to Palestinians.
That call was echoed in Iran, where Hamas's most telegenic leader, Khaled Mishal, condemned financial “blackmail” this week, declaring that funds from Arab and Muslim countries would make western aid redundant. Iran's president chipped in, suggesting helpfully that “Since the divine treasures are infinite, you should not worry about financial issues.”
" (no Economist de hoje)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Mundo Pessoa

Ora aí está uma boa novidade. Parabéns ao Francisco e ao Ricardo. Hei-de subir a rua um dia destes.

Orgulhosamente sós

No polícia tanto tremia a crista vermelha de galo como a aura de um santo em vésperas de redenção. Saíra do reboque e ouvia a vozearia dos indígenas que tinham estacionado os carros sobre as passagens de peões. Deixei de olhar pela janela e abri o rádio. Sabia perfeitamente qual ia ser o destino da cena, logo que voltasse a espreitar para a rua. E assim aconteceu. O polícia voltou a subir para o reboque e, nem passaram três minutos, já as zebras estavam outra vez cobertas pela intimidade dos pneus. Esta é a ópera que Portugal há muito compôs para o seu próprio gáudio.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Para além da realidade vs. ficção

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O exibicionismo não mostra absolutamente nada. O exibicionismo dá sobretudo a ver aquilo que é inevitavelmente reenviado para outra e outra coisa. O exibicionismo não mostra nenhum objecto, antes o suprime. Dez anos depois da morte dos "Mamonas Assassinas", as caixas de correio electrónico estão a encher-se de mensagens como esta:
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"Você vai ver agora! Todo o vídeo do acidente que foram proibido até mesmo dos parentes das vítimas ver, eles não agüentariam assistirem tudo isso. Segurem o estomago e se possível não deixem crianças menores que 10 anos verem isto, pois é bastante forte, clique em 'Baixar' para baixar! E veja o que até agora estava proibido."
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A rede, ao garantir a circulação de quase todos os dados, tanto mostra como sumprime aquilo que dá a ver. O abjecto está, pois, sujeito a esta caprichosa montagem. Será uma censura natural, quase genética, que joga a nosso favor contra a força do imponderável?

Nostalgia

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Saudades de tempo chão e húmido: o rio a transbordar a várzea onde havia uma estação de correios e a casa de uma miúda misteriosa que sorria como se trouxesse consigo o eco de algumas cascatas.

Pixels e polis

"(...) hoje prescindi do habitual comentário político desta coluna para falar de Agostinho" (Público: sem links).
Não sou seguidor do pensamento de Agostinho da Silva, mas sou seguidor de Luís Costa Pano para Mangas quando o próprio decide "prescindir" do seu habitual "comentário político".

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Visão cristalina

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Visão negra, diz o Eurobarómetro, mas também patética, escreve CCS. Para ultrapassar a situação, o deputado Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida vai entregar na Assembleia da República um projecto de Decreto-lei que visa transformar um acumulado de 18 multas perdoadas pela polícia em notícia televisiva.

Rules

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Mais uma regra da blogosfera, a vigésima: o musgo é triangular e as analogias são entroncadas.

"Connectedness"

"Among military strategists, the bible of connectedness is a book called "The Pentagon's New Map," by Thomas P.M. Barnett. He argues that the world today is divided between an "integrating core" of orderly commerce, stretching from America and Europe across to China and India, and a "non-integrating gap," which is his shorthand for the messy rest of the world. The task of U.S. foreign policy is to connect the two. Thomas Friedman's influential book, "The World Is Flat," argues that technology is driving this process of integration, and that it's creating a richer, smarter global community." (por David Ignatius, no Washington Post de hoje)

Interessante

"The prince took action after the Mail on Sunday published comments allegedly written by him about China's regime" (BBC).

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Promessas

Rui Rio foi hoje constituído arguido, devido às salgalhadas lusitanas que adoram misturar protocolos, caprichos judiciais e tricas político-pessoais. Quando saiu do DIAP, fez-se rodear de jornalistas por todo o lado. E o povo português que pensava que o senhor presidente da CMP só comunicava por escrito com os média. Que desilusão.

Mover montanhas

Gato Preto


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Para quem gosta de mistério, fantasia e narrativas negras, as antologias do Gato Preto, saídas a público no início dos anos cinquenta, continuam ainda hoje a ser uma maravilha. Os editoriais comentavam com muita verve a reacção dos leitores, numa clara antecipação à interacção blogosférica, enquanto as capas eram todas da autoria do consagrado Victor Palla. Muitos dos contos assinados com nomes em Inglês eram de autores portugueses (alguns nem sempre da autoria de... escritores).
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Mas... por que me lembrarei eu hoje, a esta hora, de gatos pretos?

"Complexity and color"

e James Madigan Profile


Nas noites de Segunda, tornei-me num seguidor indefectível de Rome. Não me perguntem porquê, mas imagino sempre que Roland Barthes anda ali de um lado para o outro a limpar o suor aos actores. Não têm também essa impressão?

E

P.S. - Claro Cláudia, o primeiro Barthes. O que escreveu nesse livrinho ainda hoje apetitoso um famoso texto sobre o suor nos filmes históricos de Hollyhood por onde deambulavam romanos. O estrutural e, mais tarde, o semioclasta, estavam noutra (por razões diferentes). O primeiro via a vida através de quadradinhos, o segundo volatilizou-se (até hoje). Está explicadinho, Luís!"

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Traumas de adolescência

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Hoje sonhei que estava a dançar o tango. O que eu não quero certamente é ficar atrás da Charlotte.

Desejos

Uma sondagem publicada no Telegraph de hoje revela que 4 em cada 10 muçulmanos residentes no Reino Unido desejam que a sharia seja introduzida no país.

Desventuras

Na capa da Folha de hoje: "Após cirurgia, Roger volta e ajuda Corinthians a golear". Vá lá: não é altura oportuna para galhofa.

Header & Settings

Após dois anos, sete meses e cinco dias de vida, o Miniscente mudou de descrição. Contas certas: sempre fui muito bom em matemática.

Gelo no canil

Eu logo vi que o Francisco também pertencia ao lobby da patinagem.

Falência do futebol português

Caríssimo: uma competição de futebol luso-árabe resolveria certamente esses pequenos problemas.

Longevidade

O cientista Shripad Tuljapurkar prevê, a curto prazo, a necessidade de reforma aos 85 anos. O que dirá o senhor Carvalho da Silva?

domingo, 19 de fevereiro de 2006

Bombordo

Uma rua sem ninguém, chuva, muita chuva, talvez uma falésia, aquela comoção que bloqueia tudo o resto.

Para grandes males...

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(Revista Portuguesa de Arte e Turismo, Nº 12, Vol. 2, Dezembro de 1942)

sábado, 18 de fevereiro de 2006

Ao "cantinho do hooligan"

Francisco, já agora: onde é que fica Kuala-Lumpur?

Os nossos

Em dois dias, o possessivo «nossos» utilizado por Eduardo Pitta foi treze vezes citado. Bem sei que estava em causa o essencial, a liberdade. Mas creio que houve também quem enfiasse a carapuça em seda muito pura. Afinal, os «outros» raramente acusam o toque de alerta dos «nossos». Mas quando a bola muda de campo, a aparente indignação dá ao perfume outra fragrância. Ou não?

Tempo televisivo

Felizmente, posso dizer que há tempo a mais na televisão para a aparição dos pastorinhos. Noutros cantos do planeta há coisas intocáveis.

Fernando Pessoa mordaz


Carregar na imagem para ampliar
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Embora um pouco ao jeito da torre de Pisa, devia ter publicado esta carta de Pessoa a Casaes Monteiro há pouco mais de três meses (a 30 de Outubro de 2005, nesse preciso dia em que mudou a hora e em que Fanny Ardent se passeava por Lisboa, fez precisamente setenta anos de vida).
Mas não deixa de ser deliciosa.
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(Fernando Pessoa: O último ano, MC-BN, Lisboa, 1985, p.123)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Esther Mucznik, hoje

"(...) o tempo da diplomacia e da mão estendida acabou. À sombra da diplomacia, da defesa do diálogo, do soft power, do apaziguamento, o Irão tem vindo a preparar o seu arsenal nuclear e em breve disporá da bomba, procurando legitimidade no mundo árabe com os ataques a Israel e ao Holocausto."
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(no Público, sem links)

Maria Filomena Mónica, hoje

"O Ocidente tem de praticar - e de ser visto a praticar - os valores que apregoa. É por não admitirmos a tortura que somos superiores aos bárbaros. Se usarmos os seus meios, então não vale a pena mandar soldados morrerem em defesa de valores em que, pelos vistos, não acreditamos. A ser esse o caso, a invasão do Iraque, que inicialmente apoiei, foi um equívoco."
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(no Público, sem links)

Unicidades

Quando a insatisfação percorre o país, aparece logo alguém a lembrar a tentação arquimédica de um ponto de fuga absoluto, ou o desejo de que desaparecêssemos ao sabor de algo definitivo, mas capaz de nos dirigir de cima para baixo (o estado, em abstracto, já satisfaz uma vasta maioria). Depois há sempre o Colombo, o património e a Catarina Furtado (já me esquecia do Jacinto Lucas Pires que agora se pôs a escrever sobre o meu clube).

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

O cortejo e a confissão

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Bataille escreveu há muitos anos que "a literatura não era inocente" e que, "por se sentir culpada" desse facto, teria um dia "que o confessar".
As palavras foram mais ou menos estas. Existe uma forte corrente na Europa política (dir-se-ia uma triste "mainstream") que se está a comportar precisamente deste modo. Reagindo ao tom arrogante que é enunciado em países não democráticos e teocráticos - como o Irão -, uma abundante realpolitik europeia parece-se em tudo com aqueles condenados do antigo regime soviético que se diziam culpados pela força da tortura psicológica da polícia política.
Para quem anda a pensar na gripe das aves, na OPA da Sonae, ou nos problemas do Costinha com o Dínamo de Moscovo, nem parecerá que a actual situação política internacional se esteja a revestir de uma gravidade rara. Ninguém diria. Mas a lista de casos realmente extraordinários e até impensáveis do início deste ano de 2006 já não é, de facto, pequena. Repare-se:
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1 - O Irão está a ocupar claramente, dia a dia, um vazio regional que antes tinha como contrapeso o Iraque (Allistear Heath referia, há dias no The Spectator, que a presença ocidental se tinha transformado numa "mera guarnição");
2 - O Irão tornou-se num dos principais protagonistas das recentes vitórias eleitorais na Palestina (o Hamas sabe bem qual é o seu sponsor militar e político) e no próprio Iraque (onde o shiismo foi um óbvio vencedor);
3 - O Irão está já a fazer sentir directamente a sua pressão político-económica sobre os países do Golfo Pérsico e do Estreito de Ormuz (pondo em causa o próprio papel tradicional da Arábia Saudita);
4 - o Irão de Ahamadinejad e a Síria de Basahr al -Assad concertaram no mês passado apoios claros aos terroristas do Hezbollah;
5 - Numa manobra manipulada de pura diversão (e que o Ocidente temeu e levou a sério), o Irão recuperou um episódio mediático, legítimo e menor do início do Outono de 2005 para criar uma pseudo-onda de indignação política contra o Ocidente;
6 - Com objectivos evidentes, o Irão aproximou-se habilmente da China (com quem acabou de celebrar um contrato energético de mais de 200 biliões de dólares) e com a Rússia (a quem está neste momento a comprar os sofisticados mísseis TOR-M1);
7 - Numa postura sem quaisquer antecedentes nas últimas seis décadas, o Irão decidiu pôr em causa, activa, política e militantemente, o Holocausto e a cultura da morte nazi.
8 - O Irão passou a advogar, de modo frontal e aberto, a erradicação do estado de Israel.
9 - Como se tudo isto ainda não bastasse, os dirigentes religiosos do Irão anunciaram ontem que o seu programa nuclear já está em marcha (quando se sabe que as fontes energéticas do país são imensas, não é difícil perceber a finalidade e a funcionalidade deste programa).
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Por cá, com algumas excepções, o reatado mito de Chamberlain, o rito da auto-mutilação e a relativação rodopiante de valores que são afinal a razão de ser do Ocidente (tais como a liberdade) têm-se passeado num cortejo lamentável.
Tal como Bataille dizia, os nossos políticos tinham um dia que confessar o inconfessável. Muitos deles até terão esquecido que o nosso mundo é o mundo do pós 09/11.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

"Como se"

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O ensaísta Julio Díaz Galán escreveu (curiosamente num artigo sobre o diabo, "A vueltas con el diablo", 2001) que o triunfo do nacional-catolicismo em Espanha após a Guerra Civil (1936-1939) "consistia basicamente em formar cristãos do tipo como se. Não acreditavam em Deus, mas actuavam como se. Mesmo entre os ateus era - e é ainda - normal este actuar como se."
O modo como grande parte do Ocidente está a reagir às sucessivas revelações de Ahmadinejad também denota uma estranha postura do tipo como se.
Não há artigo de jornal que não sublinhe a importância da dissensão enquanto entendimento civilizado do diverso no espaço público. Não há cronista que ponha em causa o significado da liberdade e da democracia que nesta área do planeta foi sendo criado e conquistado ao longo dos últimos três séculos.
Mas quando se trata de reagir ao novo arauto do califado global, Ahmadinejad, a tendência correcta é a de imediatamente o encarar como se ele fosse mais um dos nossos. Par entre pares. Como se a culpa da "demonização do mundo" fosse sempre e só do Ocidente. Como se a defesa dos princípios que ainda cimentam o Ocidente - vivemos num universo pós-ético - dependesse agora do ruído manipulador do novo arauto.
O Ocidente está a transformar-se num bizarro 'faz de conta': como se John Locke, Voltaire ou Berlin nunca tivessem existido. Torna-se até difícil averiguar o que hoje terá mais peso: se a amnésia colectiva e hipertecnológica, se a desintegração do acumulado desejo de liberdade num oceano onde tudo volta de novo a ser possível. Até a barbárie. Como se.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Álvaro Lapa

Álvaro Lapa
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Lembro-me que fumava cigarro atrás de cigarro e pouco falava. Palolo a seu lado sorria e José de Carvalho fazia a festa. Depois, como todos, saiu desta boca de cena com arcadas e brasões sem memória e acabou por misturar as ombreiras de tom ocre com ameados, escadarias e sebes que há-de ter revisto no azulado abismado das clarabóias. E assim partiu, talvez ainda a meio da fábula. Fica aqui o meu adeus.

Detalhe

Matthew Barney
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O que por vezes escapa é o entendimento de que a arte actual passou a conceber situações que são, elas mesmas, objecto da sua própria expressão. Como se nada fosse sequer simulado.

domingo, 12 de fevereiro de 2006

Definindo

Raymond Difley
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É como se a linguagem por vezes quisesse ocupar um lugar que é o nosso e nós soubéssemos, ao mesmo tempo, que esse é um lugar que nada conseguirá ocupar.

Rebate

Estava ontem no S. Luís num debate sobre a novíssima poesia portuguesa, já nem sei o que o Pedro me teria perguntado, mas lembro-me de ter dito que me “via” como um “niilista contido” e, se possível, “sereno”. Há momentos em que ficamos silenciados face a nós próprios.

sábado, 11 de fevereiro de 2006

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Liberdade

Assinar este manifesto é defender a liberdade.
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Qual mensalões!

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"A eleição no Brasil está interessantíssima: é uma eleição de um candidato só, com direito a caneta, a enorme exposição na mídia, a programas sociais de todos os tipos. O último foi anunciado ontem, com festa no Palácio do Planalto e espaço garantido em todas as TVs, rádios e jornais: o programa de habitação, com uma bolada nada desprezível de R$ 18,7 bilhões.(...) Bem, o quadro é esse: Lula é candidato único e, do outro lado, FHC é porta-voz de um candidato que ninguém sabe, ninguém viu. O tempo está correndo. A caneta e as benesses do governo, também. A recuperação de Lula nas pesquisas não é, ou não deveria ser, surpresa para ninguém."
e
por Eliane Cantanhêde

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Desfocar a cena e o enredo

Num lado, pode sempre achar-se graça ao figurão.
Noutros lados, não se pode nunca tocar na sensibilidade alheia.
e
Daniel Wolf escreve no último Spectator (no links) que, afinal, "Censorship wasn' t all bad". E explica a ironia de modo sagaz: "Vivemos numa cultura que subitamente celebra a estupidez como se fosse sabedoria, o feio como se fosse belo, a ofensa como se fosse virtude e, no limite, entende a dissenção face à opinião mais respeitável como causa para suspeição e a expressão de ideias pouco confortáveis como crime."
Esta nova vaga de "crime" e "suspeição" - deixo os outros aspectos agora de lado - não é apenas uma reacção ao que escapa ao comunicacionalmente correcto. É sobretudo o fruto de uma aliança (que muitos diriam ser estranha) entre, por um lado, o fluxo permanente de imagens mundializadas e, por outro lado, a ilusão multiculturalista que tende a desfocar e a demonizar o próprio cenário onde está (e onde pode estar livremente) em cena.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

O espectro da regionalização

DN
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Num país que mais valia ver-se a si próprio como uma pequena região na crisálida global, há quem presuma adoçar os dentes de lobo com o fantasma da regionalização. Curiosamente, a coisa é quase sempre um instrumento, uma dissimulação e não um fim. Nem é a primeira vez que tal acontece. É o que nos vale.

Há uma semana

I.B.
Ie
Parece que foi há milénios, mas não. Há uma semana via assim os telhados mais próximos.

Sem dúvida

ee
Tenho dois sobrinhos luso-dinamarqueses que moram em Copenhaga. Matilde e Victor (especialmente tu que estás agora na tropa): não desarmem!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Vamos perdê-lo?

e
Em 1999, a escultura/ instalação de Maurizio Cattelan, La Nona Hora, foi vendida por 886.000 dólares. No seu realismo, a obra dá-nos a ver uma imagem do Papa João Paulo II deitado sob o peso de um meteorito de cor negra numa alcatifa vermelha.
Na altura, não me lembro de ver embaixadas assaltadas, nem multidões em fúria; nem bombas nas bolsas de valores, nem cenas de pugilato em Varsóvia onde, à época, esta escultura/ instalação fez de facto escândalo. Mas esse escândalo passou sobretudo pelos jornais, pela opinião e pela "indignação" de uns vs. o "entendimento do significado da arte" para outros.
Este mundo onde a diferença não só não significa sangue, como também gera a problematização e a ponderação (pelo debate que cria), é o maior e o mais inesgotável tesouro do Ocidente.

Liberdade, caricaturas e ilusões

e
Caro JPP: o grande problema, o problema suicidário do Ocidente é ele mesmo não querer entender que a democracia e a liberdade foram invenção sua, que a relativação, o escrutínio e o respeito pela diferença foram invenção sua e que o metadiscurso no plural assim como a superação de uma estrita teo-semiose também foram invenção sua (como sabemos, o Mu´tazilismo e outras escolas reformadoras do Kalâm, i.e. da filosofia escritural, do séc. IX duraram muito pouco tempo e não chegaram sequer a esboçar o que, a partir de final de seiscentos, viria a ser modernidade a Ocidente). Hoje em dia, a sobreposição massificada e mediática de planos e a relativação sem limites (nem valores) conduz a inferências em que o sentido acaba por diluir-se. Daí que muita gente diga, como se repetisse a mais pura invisibilidade de um slogan: se os EUA têm poder nuclear, por que não o há-de ter o Irão?
Tenho dito: apoio a sua sucinta mas clara posição.

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Match

e
Vi anteontem Match Point, o filme realizado e escrito o ano passado por Woody Allen. Uma história soft desenvolvida em torno do papel do acaso e da culpa. Tem um leve toque paródico e algo godardiano de policial e escapa curiosamente, no final, à regra clássica de um bom desenlace: dar ao público o que ele deseja, mas não forma que seria esperada. A relação entre a bola de ténis e a aliança de umas das vítimas (que, ao ser lançada, embate nas grades metálicas que dão para o Tamisa) acaba por desenhar o destino do protagonista (Chris Wilton/ Jonathan Rhys-Meyers), colocando-o no limbo onde o passado de grande jogador e o futuro de mísero gigolo passarão a coexistir. Pouco mais há a salientar, a não ser a reconstituição um tanto liofilizada do ambiente british que, em certos detalhes, se torna mais próxima do grotesco do que da verossimilhança (veja-se a figura de Alec Hewett/ Brian Cox).

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É evidente que Scarlett Johansson está óptima no filme e em todo o lado. Uma verdadeira respiração de vida. Mas isso já todos nós sabíamos.

sábado, 4 de fevereiro de 2006

Sábado de vislumbres

Há mais ou menos vinte anos, como sempre fazia em Amesterdão, abri o matutino Volkskrant (o suplemento literário saía aos sábados) e li um poema de Maurice Gilliams. E já não sei bem porquê, foi a primeira e única vez que ousei traduzir um poema de Holandês para Português. Hoje não seria capaz de traduzir nem um único verso (o próprio nome do poeta, como grande parte dos nomes de escritores e de livros, já se evaporou da minha cabeça). A vasculhar papéis, encontrei o feito e achei graça. Fica aqui para a posteridade, sobretudo para meu prazer e também, claro, para algum risível a que os literatos mais circunspectos e cirurgicamente rigorosos têm direito:
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Het is een land grijsaards na de zomer,
Hier geeuwt de heide in haar gal van zonde;
Het bruine der eiken heeft de geur der honden,
Het dorp gloeit in zijn klokken van october.

É um país de terra cinzenta após o Verão,
Boceja aqui a urze na sua bílis de pecado;
O castanho dos carvalhos tem o halo dos cães,
Escandece a aldeia nos seus relógios de Outubro.
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Agora, vou continuar a escrever (estou a descrever uma mulher que terá cabelos cor de mel, cor daqueles crepúsculos de Outono entre plátanos já meio despidos, cor do ocre líquido que acompanha as resinas. Um cabelo espesso como lã, levemente encaracolado e abundante. Não sei ainda o nome que ela irá ter, mas sei que coleccionará luvas de cor clara (de todas as formas e tamanhos); até no Verão, vai ser esse um dos seus deleites da vida. Imagino-a magra e alta, silenciosa, talvez professora de educação visual, de desenho ou de arte, não sei ainda. Uma mulher divorciada e sem filhos a quem vai acontecer qualquer coisa de extraordinário. Mas isso já eu não posso contar: agora trata-se ainda e apenas de construí-la, de senti-la e de a fazer andar sobre folhas de loureiro. Acho que lhe vou comprar um cesto de vime. E vou depois querer vê-la a andar sobre o asfalto muito negro em dia de azedume. Uma personagem começa pelo vislumbre e acaba nunca se sabe bem onde. Talvez nunca acabe. Mas esquece-se, mais ano menos ano. Tal como eu já esqueci Maurice Gilliams)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Perguntas enigmáticas

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Bill Gates é um bom vendedor, estou de acordo. Também não vejo mal nenhum nisso. É verdade que os nossos governantes, independentemente da culinária política, reflectem aquele jogo de espelhos provinciano que nos faz ser país. Alás, o pitoresco mais apetitoso de Portugal, para além do varandim-mor dos aleivosos e de alguns críticos, é precisamente essa filosofia natural e desvivida de quem olha para a câmara por trás do figurão. Qual o problema?

Imaginações enigmáticas

Imagine-se que era eleito, todos os anos, por sufrágio directo e universal, um senhor a quem caberia, não representar a comunidade, mas apenas e tão-só definir a agenda diária de debate que vigoraria nos canais comunicacionais. Seria isto democrático?

Reivindicações enigmáticas

Se calhar é assim, pensarão alguns, talvez mesmo uma alicerçada maioria: só se será livre a escrever num blogue, se o estado legitimar o modo com que essa escrita se processa?

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Está-se mesmo a ver

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Brokeback Mountain terá a sua frescura, não deixa de ser sonante e foi, talvez por isso mesmo, objecto de oito nomeações para óscar. O gender está na moda e nutre os seus gostos e gestos em todas as direcções. Já Alexandre-o-Magno se havia revelado de modo a não fazer lembrar o invisível epónimo da famosa Sibila Tiburtina.
Há coisas que são assim, não batem muito certo, ou se batem, há que deixar crescer-lhe as tranças. Transformam-se em hábito e criam tradição com imensa sagacidade, tal como acontece com os penteados que deambulam hoje em dia pelos relvados do futebol global. E um tipo, sem mais nem menos, ter o arrojo de falar acerca do fenómeno, ou dá artralgia, ou é clara e notória afronta (ontem, abri a "SIC-Mulheres"e lá estavam quatro senhoras, entre elas a escritora Inês Pedrosa, a discutir "o medo" que os homens têm das "mulheres inteligentes". A certa altura, uma ex-aluna minha, Ana Marques, não se fez rogada e disse que isso dos homens anda "difícil": ou são realmente tementes, ou são apaneleirados - a expressão era outra, claro).
Seja como for, os cowboys e toda a história épica do Western sempre me pareceram coisas a cheirar a virilidade e àquele sexo selvagem que gerava famílias muito extensas entre os povoadores do novo Oeste. O grande Ford e, muito antes, no alvor do cinema, Thomas Ince, William Hart, Tom Mix ou Ken Maynard não atraiçoariam, nem nunca atraiçoaram esse desígnio másculo e varonil. Eram, sem o saber, cinematograficamente incorrectos.
Hoje, depois de trilhados ínvios caminhos, chegámos ao novo tempo da compreensão que decidiu colocar lado a lado as quotas e os partidos. No mundo dos óscares e de outros prémios, esse novo tempo também ganhou renovado fôlego. E é por isso que os prémios começaram a chover sobre a matéria do gender, apenas porque se trata de matéria do gender. Um prémio num filme de Almodóvar é uma coisa mais do que normal, já se vê. Mas tanto prémio junto a vaticinar para este filme de Ang Lee uma quase redentora genialidade é coisa já mais enigmática, convenhamos.