terça-feira, 30 de novembro de 2004

Iluminações da época

A virose do Natal começa já a criar alguma anestesia face aos episódios políticos lusos. Basta descer o Chiado para ver a festa. Quer lá o pessoal saber da russa boazona que aderiu ao PSD, dos timorenses de Canas de Senhorim, das fidelidades pessoais do Pedro, das ponderações de Sampaio, do silêncio do filósofo da sicuta, dos indígenas praticantes das pontes, ou da cara aziaga do Jorge Costa. Um puto atira fogo pela boca, as caixas da FNAC têm bichas descomunais e os duodécimos na boca sensivel de Ferraz sabem já a Dame Blanche. A crise está ultrapassada.
Esse grande esculpido

Entro no restaurante O Funil - passe a publicidade (come-se bem, pelo menos) - e o gerente recebe todas as pessoas com um amplo sorriso. Depois repetirá sempre a mesma frase: - "hoje há muitos lugares, é que já começou o fim-de-semana!"
E fica-se a conhecer a ideia de tempo que se gera na cabeça de um português, na véspera de uma Quarta-feira que é feriado. As pataniscas com arroz de feijão estavam óptimas.

domingo, 28 de novembro de 2004

Os nossos cronistas

Os nossos principais cronistas encarnam muitas vezes o personagem Martin que Voltaire criou para explicar a Cândido que os gaviões e os homens jamais mudam de carácter. São pedagogos à sua maneira, enchem três a cinco colunas num jornal diário para defender um único ponto de vista, mas sempre com o intuito de fazer crer, ou de conquistar a alma do leitor para a sua própria navegação.
Existe um único cronista que não tem preocupações dessas, até porque nada o transborda de afectos. Com duas breves colunas apenas diz o que tem a dizer, breve e escorreito, e sobrepõe sempre dois registos: um intelectualizado, às vezes geometricamente histórico-científico (ou, pelo menos, querendo vincular-se nessa legitimação por mérito próprio), um outro rebuscado na voz do povo corrente, na oralidade mais elementar, no diz-se diz-se que sabiamente intercala no meio de frases, mas com uma demarcação que traduz por aspas (palavras como “canalha”, “indígena”, “populaça”, etc. aparecem assim como oriundas doutro mundo).
É de um sincretismo com esteio amargo e rédea curtíssima que este último tipo de crónica vive. E por isso contrasta profundamente com a afectividade apologista, pegajosa e demoradamente analítica que se confunde, ao fim e ao cabo, com o estilo maioritário dos nossos cronistas.
Nomes às coisas? Para quê?

sábado, 27 de novembro de 2004

O interface nacional

Haverá esquerda e haverá direita, é verdade. Para mim, essa discussão, embora nobre, tende, hoje em dia, para uma certa voga esterilizadora. Sobretudo porque não reflecte os embates múltiplos e as posições singularizadas que se agenciam no mundo contemporâneo, nas suas mais variadas escalas.
Desde que o universo bipartido e vertical da guerra-fria se esboroou que, num mesmo movimento, se foram diluindo os quadros doutrinários que tutelavam posições, muitas vezes independentemente da racionalidade e da pertinência exigida por cada caso concreto. Era a luta movida pelo espírito de corpo. Era a linguagem do bardo contra a linguagem do outro bardo, sem que a realidade, pelo meio, interferisse ou fosse acautelada e, em primeiro lugar, devidamente cuidada.
Felizmente, o ambiente finissecular abriu a democracia para uma nova noção de espaço público hipertecnológico, tendencialmente liberto da excessiva redoma doutrinal. Essa abertura é histórica e culmina uma caminhada bastante culturalizada, porque, desde logo, intimamente ligada ao devir do Ocidente após o século XVIII. Bem sei que a banalização do mal - refiro-me sobretudo ao terrorismo - também entrou recentemente na ordem do dia, na medida em que se foram esvaindo, com notória celeridade, as barreiras mentais que separavam secularmente o segno do não-segno (palavra que, na Idade Média, significava “tudo aquilo que escapa à ordem natural das coisas”). Se tal não tivesse acontecido não havia, em alguns sectores da nossa sociedade, tanta relativação face ao hiper-terrorismo (é curioso que o líder parlamentar do partido liberal holandês - VVD -, o senhor Jozias van Aartsen, tenha ontem criticado o governo holandês pela sua relativa contemporização face ao terrorismo).
Seja como for, em princípio, o ambiente de abertura é sempre positivo, embora, no reverso, acabe por atrair para o interior dos seus sistemas elementos de caos que pululam nos intervalos entre as várias ordens que convivem e determinam posições e multiplicidades. É esse o mundo em que vivemos e é nessa complexidade que o primado da dicotomia esquerda-direita se me revela, hoje em dia, no mínimo, inerte e desajustada.
Contudo, observo atentamente a existência de meios que forçam e vincam o “ser de esquerda” e o “ser de direita” como modalidade essencialmente afirmativa.
Não é o caso do partido comunista, pois o que aí domina é a esteticização esotérica e redundante da linguagem, ou seja, “os trabalhadores” para o PCP significam os “trabalhadores para o PCP” e pouco mais. Não há grande relação entre a realidade pragmática e as palavras de ordem intrínsecas e “inclinadamente consensualizadas” que ilustram a metafísica comunista.
Já grande parte dos manifestos do Bloco de Esquerda (e dos seus activos blogueadores), dos acenos nostálgicos de Manuel Alegre, das determinações organicistas de Vasco Rato (e dos seus co-blogueadores de O Acidental) e do inadequado ênfase algo ressentido de Portas delineiam essa modalidade expressiva.
No fundo, estamos a falar das margens do sistema e das dobras que, de algum modo, se auto-exilam à abertura que, na nossa periférica terra, tenderia e tende sempre para um inevitável mimetismo. Daí que, à direita, nestes sectores mais estriados, haja alguma permeabilidade aos nacionalismos e outro tanto de desconfiança em relação à Europa. Daí que, à esquerda, nestes sectores mais estriados, haja permeabilidade à autofagia (o inimigo é sempre o Ocidente) e uma grande desconfiança face a tudo o que soe a América.
Este jogo quase simétrico documenta bem a necessidade de criação de barreiras, muitas vezes imaginárias, onde dantes existiam quadros doutrinários fixos. Por outro lado, este jogo de posições ilude a real dimensão do nosso país e desfoca a intensidade do puzzle global contemporâneo.
Muito deste jogo é pura linguagem para consumo descartável. Grande parte do que ouvimos e lemos passa por aqui. É este o interface que mais facilmente se torna visível. E, no entanto, ele tem a sua origem numa extrema minoria.
Também isso é o que permite e deseja uma sociedade aberta.
Perversão?
Talvez.
À boleia na blogosfera

Pus-me à boleia na blogosfera, entre maresia perdida e um deslumbrante luar quase a apascentar a ilusão que emerge nas autoestradas vazias. E ouvi dizer a certa altura que devíamos lutar pela mudança dos tempos. Mas eu nunca entendi bem o que existe no tempo que possa ser mudado. Já se sabe que toda a gente quer manipular, mas para quê? (talvez por ser fácil demonstrar a existência de vida noutros planetas). Vendo bem, vivemos todos num mundo de adolescentes retardados. E, assim sendo, pouco mais há a fazer do que ligar a aparelhagem e voltar a ouvir pela milionésima vez os álbuns dos Kings of Convenience. No fundo, é tudo uma questão de interpretação. Até porque, quanto mais se interpreta, mais se constata que o mundo não passa de uma metáfora cheia de metáforas por dentro.
E quando já cansado, após boleias e mais boleias, me passou pela cabeça esperar um pouco numa área de serviço, confesso que tive uma sensação estranha. Enquanto ali estava, sem grandes horizontes, os meus olhos disseram-me adeus e deixaram-me como Édipo em Colono. Para terminar esta breve viagem, devo ainda dizer-vos que ouvi dizer duas coisas simples e interessantes a um pastor. Primeiro, segredou-me ao ouvido que tinha começado o julgamento da Casa Pia. Depois, disse em voz bem alta que a Europa tinha deixado de ser uma ideia de um espaço de liberdade para passar a ser uma espécie de monstro ultra-regulado. E as ovelhas responderam em coro, seguindo um estilo jurássico e contundente: Venha o diabo e escolha!
Inclinações diabolizadas

No Congresso do PCP houve indignação quando alguém propôs que, para além do comité central, também os militantes deveriam poder livremente propor listas alternativas. A argumentação quase irada dos indignados e sequiosamente revoltados limitou-se a uma palavra: fraccionismo.
Fraccionismo entendido como um demónio indiscutível, cujo conteúdo e significado seria no mínimo indiscutível.
Ouvi na TSF a repetição dessa incompreensível e ansiosa intolerância.
É claro que não me choco, pois sei o que a casa gasta. Mas a coisa lembrou-me uma outra passada em 1588 (no fundo, é essa, cada vez mais, a actualidade do partido comunista português).
Nessa data, surgiu uma obra fundamental que se propôs separar as águas entre, por um lado, as profecias legalmente válidas e, por outro lado, as que a ortodoxia deveria proibir. A obra foi escrita por Horozco y Covarrubias e teve como título, o Tratado de la verdadera y falsa prophecia.
O seu prefaciador, o franciscano Fray Juan de Colmenares, referiu-se do seguinte modo às intenções da edição: "(...) desengano das invenções e enredos do demónio nas falsas revelações que em diversas partes ha sembrado estos dias...".
Concordâncias quase prefeitas.

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Vinte e quatro de Julho

Esperar três horas a ver a hora de ponta. A ponte, ao longe, iluminada. Sei que, nestas alturas, qualquer capricho tem voz enovelada, dormente, quase acrobática.
Notícias da Holanda

Na sequência de um inquérito governamental realizado na Holanda, ficou a saber-se ontem que, nos últimos dois anos, 86.000 pessoas declararam de forma fraudulenta rendimentos baixos para poderem receber subsídios de renda. Embora, com um desfasamento de mais de vinte meses, a verdade é que os inquéritos funcionam nos Países Baixos e vão regularmente ao parlamento de Haia. Os tribunais geralmente também batem à porta a horas. O exemplo é curioso, sobretudo quando o estado social - e, em primeiro lugar, a questão das reformas - se está a tornar, hoje em dia, num tema, num problema e também numa preocupação que atravessa todo o leque político neerlandês. Mais do que adormecer, há que saber agir. Entre nós, mais do que atacar por atacar as subvenções que são justas e adequadas, valeria a pena inquirir a sério e punir, quando é caso para tanto. Economia de argumentação, agilidade na acção. E também acredito que o estado social, infelizmente, não tem a imortalidade da alma platónica.

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

Nefertiti - 2

Continuei hoje a publicar no Minitempo - o blogue subcutâneo do Miniscente - as árias da ópera de José Júlio Lopes, Nefertiti, de que fui autor do libretto (a dita esteve em cena no Teatro da Trindade, em Fevereiro de 2000, e o texto foi escrito em Março de 1999).
Não resisto

Ontem, um aluno (de Seminário de Escrita Criativa) chamado Miguel Silva - fixem este nome - escreveu num ápice e leu em voz alta este texto:

A história do Capuchinho Preto

O Capuchinho Preto corre em direcção à casa da avozinha, tropeça e rebola vale abaixo, embate numa árvore e perde as duas pernas. Continua a rebolar a grande velocidade, vai contra um pedregulho e perde os dois braços, rebola e rebola e rebola aceleradamente até esbarrar nas escadas da velha casa, a cabeça desprende-se do corpo e bate na porta que se abre. O olho salta fora da cabeça do Capuchinho Preto e voa em direcção à cama da avozinha que acorda sobressaltada: "ai! que horror, um bicho!". E esmaga o olho da neta na parede.

Não consegui resistir a publicar este texo. Lembram-se do anúncio da cerveja preta?
Idade do bronze

A partir de hoje já temos uma reformatada licenciatura em cerâmica. Somos um país feliz (Portaria n.º 1447/2004. DR 277 SÉRIE I-B de 2004-11-25, Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior Autoriza a alteração do plano de estudos do curso de licenciatura em Cerâmica ministrado pela Escola Universitária das Artes de Coimbra).

quarta-feira, 24 de novembro de 2004

Emissão interessante

"Portaria n.º 1420/2004. DR 274 SÉRIE I-B de 2004-11-22, Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações lança em circulação, cumulativamente com as que estão em vigor, uma emissão de selos alusiva à «Moda Portuguesa»"

Antes ente do que nada!
Corridas

Hoje foi dia de grandes mexidas diplomáticas (ver Diário da República 276 série I-A de 2004-11-24). Pelo menos em Atenas, Maputo, Viena, Copenhaga e Teerão.
Extraordinário

Acabo de dar a aula a que me referia no post crónica do dia e não é que, de modo espontâneo, sete entre setenta alunos se me revelam, no final da aula, como blogueadores! O que quer dizer que, numa turma de finalistas de Ciências da Comunicação, dez por cento, pelo menos, se espraiam nesta rede de respirações e escritas contíguas. Deixo-os aqui para que dilatem as suas múltiplas entradas e saídas e, naturalmente, os respectivos linques: são, portanto, os casos da Carolina ,do Pedro, da Patrícia, da Catarina, do António do Sérgio, do Tiago , e ainda o blogue desportivo do Gabriel, Pedro e Tiago.
Santana face a Judite

Santana disse que amava o povo e Portugal (a ordem é arbitrária) como eu digo que gosto de galinhas ou de vertigens. As coisas equivalem-se, ficam no uso da linguagem. Santana diz sobretudo aquilo que espera que seja ouvido (calculando a perlocução através de clichés), do mesmo modo que se endireita na cadeira e afina a gravata, quando a câmara se aproxima da cena após o intervalo. Santana esgrime arduamente com a expressão facial, quando se fala de sestas, ou da miséria que é falada nos média. Santana face a Judite: um caudal inútil. Depois disto, apenas retenho, por associação, o delongado sorriso de Guterres. Mas aí ainda havia uma pinta de doutrina. Demissionismo, esse, há nos dois lados. Um por migração deliberada, o outro por redução pura e simples à categoria de rumor. Sim, Santana - o Santana político - é um rumor. Nos Donos da Bola, embora fosse do Sporting, sempre tinha mais piada. Até porque desdizer e dizer não são coisas opostas no mundo do futebol, mas deviam-sê-lo face a Judite. Ou face ao país?
Crónica do dia

Chego a Lisboa num daqueles dias adormecidos, arrastados pelo sol vagaroso, tão sonâmbulos e antigos quanto o olhar demorado do viajante. Há dias como este que não chego a saber se estou de chegada, ou se estou de partida. Prefiro espreitar o brilho dos estuários. Seja como for, hoje, nas aulas, falarei de teo-semiose, darei o exemplo de Santo Agostinho e, mais tarde, daquela transição que se assiste dentro do gótico do século XIII e que, segundo alguns autores, reflecte o contraste entre a visão orgânica que dá realce à espécie (visão tomista) e a visão de Duns Scot que já dá algum realce à individualização (haecceitas). Depois, reuniões, reuniões, reuniões e a espessura quase viciosa de voltar a olhar o brilho dos estuários (escalarei, por certo, o jardim das Janelas Verdes. Encontro lá, sempre que posso, os fantasmas do meu antepenúlitmo romance, O Trevo de Abel).
Prophetic Turn

Propus-me prefaciar um ensaio que escrevi há uns anos e que irá ser publicado em 2005. No entanto, no meio do turbilhão, não é que estou a dar em mim a escrever um outro e novíssimo ensaio! Já nem sei bem como parar, ou como avançar. Hesito entre a velocidade de cruzeiro e a branda contemplação do já dito, do já escrito. O interessante é que a matéria do ensaio mais antigo - sobre literatura profética - vai encaixando de modo quase milimétrico na actualidade que vou interrogando. É como se uma viragem profética unisse os dois topics e os colocasse à beira de uma via sinuosa que os une sem que se saiba porquê. É nessa via que vou escrevendo, que fluo ao sabor da oportunidade. Há verdades nómadas, mas verdades. Só em movimento, em jeito de travelling acelerado, errático e errante é que se desvendam. É provável que o futuro ensaio, feito de várias camadas e múltiplos acenos, acabe por receber um nome diferente daquele que era o seu primeiro anunciado (e que, por sinal, era bem clássico). Veremos.

terça-feira, 23 de novembro de 2004

Nefertiti

Acabei de colocar no Minitempo - o blogue subcutâneo do Miniscente - as primeiras quatro árias da ópera de José Júlio Lopes, Nefertiti, de que fui autor do libretto. Esteve em cena no Teatro da Trindade, em Fevereiro de 2000, e o texto foi escrito em Março de 1999. Nos próximos dias continuarei a publicar estes versos tonitruantes e plenos de eco como convém à cena (existe uma micro-edição deste libretto que está totalmente esgotada. Imagine-se o sucesso!)
Portugal metafísico

Ontem, Almerindo Marques disse no Parlamento que, caso a escolha tivesse recaído no primeiro classificado da lista ordinal (ainda a questão do correspondente da RTP para Madrid), então um "alto quadro" acabaria por sair ofendido da RTP e colocaria o país inteiro em sarilhos. E acrescentou que só chamaria nomes às coisas se se fechassem as portas da sala. E elas fecharam-se e ele terá contado tudo. Resultado: nenhum requerimento das oposições, boquinhas fechadas, audições tranquilas. E eu pergunto: que terra é esta em que todos desconhecemos o nome de um "quadro" que traria um verdadeiro maremoto ao país, caso fosse contrariada a sua vontade?
Paz na estrada

Antes de se fazer à estrada, convém passar por aqui. Para além de todos os valores que são essenciais ao aprofundamento da democracia, este é vital para que possamos dizer que vivemos num país civilizado. Não é ainda, infelizmente, o caso.

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

Pergunta inocente à hora do crepúsculo

Sinto uma espécie de atemorização quando pressinto ou chego mesmo a ouvir alguém, do outro lado do telefone, que fala, fala, fala e jamais se cala. Muitas vezes dou comigo a não fazer telefonemas essenciais, de que dependeriam coisas realmente importantes para mim, apenas porque, do outro lado da linha, existe uma inevitável e insuportável voz que não sabe silenciar-se depois de dito o que há a dizer. Serei só eu que funciono assim?
A cidadania para além da indiferença

A comemoração do dia mundial da memória das vítimas da estrada, que decorreu no passado dia 21 de Novembro, foi impressionante e marcante. E não se pense que a adjectivação seja, neste caso, um detalhe retórico ou uma singularidade expressiva. Longe disso. Quem se deslocou a Évora apercebeu-se de que existe um novo movimento de cidadania que está a alargar a sua influência no país. Milhares de vozes ocultadas e reiteradamente silenciadas, nas suas histórias trágicas e pessoais, parecem agora ter despontado como se rompessem a redoma que sempre as fez sentir e perceber o abismo. Subitamente, estas vozes invisíveis e sem direito a rosto decidiram enfrentar em conjunto o pranto, a injustiça e a revolta demasiado contida.
No fundo, para além das múltiplas razões das mortes na estrada, o que também está em causa é o modo miserável com que o estado trata as vítimas e as suas famílias depois dos “acidentes”. Ainda que o estado sejamos todos nós e que a queixa seja um sentimento pouco nobre, a verdade é só um forte desafio de cidadania democrática poderá contribuir para alterar a pesada tradição que faz com que os nossos responsáveis ajam com tanta falta e falha de sentido. Como se pode compreender, por exemplo, que, num dia com um significado tão profundo, para além de autarcas, governadores civis, deputados e de um representante da Casa Civil da Presidência da República, não se tenha visto ninguém do governo na cerimónia?
Talvez uma enorme apatia acumulada, apenas disfarçada com a fachada das campanhas pré-estivais, possa, de algum modo, justificar uma tal negligência. E essa apatia tem uma história real que foi documentada de modo muito directo e vivo por alguns dos interlocutores da guerra civil rodoviária que se deslocaram a Évora. Existem três aspectos que salientaria:
É comum o Ministério Público não permitir o acesso aos veículos sinistrados ou, aqui e ali, dilatar perversamente as tramitações legais que a morte pressupõe, quando não interfere mesmo, de modo directo, nas escolhas dos advogados das famílias das vítimas (ou chega até a mover processos contra elas). O segredo de justiça, em muitas das ocorrências traduzidas pela palavra “acidente”, constitui um atropelo ao desejo mais elementar das famílias poderem viver um luto pacífico e sereno.
É comum que a tragédia tenda, não para a racionalidade de um apuramento de causas até às últimas consequências, mas sim para a persistente legitimação da natureza de “acidente”, como se tudo o que acontece nas nossas estradas, ou na vida, fosse motivado pelas circunstâncias, pelas contingências, pelo fado saloio e indígena ou pelo determinismo mais inimaginável. Para já não referir os enigmáticos enredamentos que se criam em torno de grande parte dos acidentes mais aparatosos que, por sua vez, se convertem amiúde numa espécie de pacto podre de silêncio e mutismo. E o que sobra, quase sempre, nestes casos abjectos, é o desconhecido e o nada que se devolvem, sem qualquer face ou nome, à inquietação questionadora que é natural nas famílias das vítimas.
É comum ainda a imensa indiferença das nossas autoridades para com o estado dos que sobrevivem à tragédia e que se encontram, portanto, do lado da vida, mas em condição de profundo e continuado trauma. A sobrevivência a situações limite atravessa Portugal de lés a lés como jamais aconteceu em qualquer guerra em que Portugal tenha estado envolvido. Um mundo nasce e um mundo morre em décimos de segundo e é por isso normal e legítimo que exista, entre nós, hoje em dia, um Secretário de Estado da Defesa e dos Antigos Combatentes. O que é menos normal é que os novíssimos combatentes da causa mais perdida de que há memória em Portugal tenham por parte de quem dirige o país um tão grande défice de atenção, de cuidado e de amparo.
É verdade que o estado é chamado a intervir em tudo e em nada, às vezes muito acima do que é ou seria necessário. Estou de acordo. Temos uma cultura de parca iniciativa e de desmedida lamúria. Mas neste caso, nesta murmurante e delongada tragédia que perpassa Portugal, está tudo ainda quase por fazer. Repito: o estado somos todos nós e compete a todos nós modificar o que há a modificar. O caderno reivindicativo apresentado em Évora, no passado dia 21 de Novembro, contempla soluções técnicas interessantes e muitas delas, desde logo, presencialmente, acatadas pelo Director Nacional de Saúde.
Pena é, mais uma vez, que o governo não tenha comparecido através de um dos seus membros, o que, quer se queira quer não, apenas revela uma imensa falta de empenho e de interesse face a uma das maiores epidemias que o país está, no dia a dia, a sofrer.

sábado, 20 de novembro de 2004

A blogosfera explicada às crianças

Obrigado Pedro. Sabe bem reconhecermos o nosso nome a sobrevoar bem alto e airosamente o terreno quase sempre minado da paroquialidade insultuosa. É um tapete persa onde nos encontramos os dois, embora não nos conheçamos pessoalmente. O que ainda torna a coisa mais interessante.

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

A palavra a Dylan Thomas

Light breaks where no sun shines;
Where no sea runs, the waters of the heart
Push in their tides;
And, broken ghosts with glow-worms in their heads,
The things of light
File through the flesh where no flesh decks the bones.

A candle in the thighs
Warms youth and seed and burns the seeds of age;
Where no seed stirs,
The fruit of man unwrinkles in the stars,
Bright as a fig;
Where no wax is, the candle shows its hairs.

Dawn breaks behind the eyes;
From poles of skull and toe the windy blood
Slides like a sea;
Nor fenced, nor staked, the gushers of the sky
Spout to the rod
Divining in a smile the oil of tears.

Night in the sockets rounds,
Like some pitch moon, the limit of the globes;
Day lights the bone;
Where no cold is, the skinning gales unpin
The winter's robes;
The film of spring is hanging from the lids.

Light breaks on secret lots,
On tips of thought where thoughts smell in the rain;
When logics dies,
The secret of the soil grows through the eye,
And blood jumps in the sun;
Above the waste allotments the dawn halts.
O Natal das muitas escolhas - 2

Eis três possibilidades de pergunta para o referendo europeu que se aproxima:

1 -Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?

2- Concorda que o sentido do Ser venha a ser aquele que apenas parece vislumbrar o pensar e o dever na sua distribuição originária face ao ente, ainda que ponderada a regra das votações qualificadas?

3- Concorda que o Ser enquanto Logos possa ser a (re)união originária e não apenas um ajustamento e amontoado (Geschiebe und Gemenge) em que tudo afinal tem o mesmo valor, incluindo a maioria qualificada?

(abre-se agora um período de votação a que concorrem as três alternativas. A mais votada terá direito a um chapeuzinho azul gentilmente cedido pela Sagres. - Mas que Sagres? - Deixemo-nos de perguntas, vamos lá meninos!)
O Natal das muitas escolhas

Eis três perspectivas crípticas a concurso sobre a actual relação entre PPD/PSD e CDS/PP:

1-Um peixinho da horta e a boca do inferno por onde morre o peixe graúdo.

2-A Gabardina negra de Pinto da Costa e o ursinho de Natal do Continente.

3-A lâmpada de Aladino e o curto-circuito perdido no olhar de Sharbat Gula.

(abre-se agora um período de votação a que concorrem as três alternativas. A mais votada terá direito a um chapeuzinho azul gentilmente cedido pela Sagres. - Mas que Sagres? - Deixemo-nos de perguntas, vamos lá meninos!)
Quem fala assim não é gago:

"Esse director, se eu fosse o director nacional da PJ, já estava demitido. É que a PJ não faz favores à PGR, investiga para que o MP possa exercer a acção penal. Isso é o que está na Constituição. E esse senhor director não deve ter ideia nenhuma das funções da PJ e do MP. Ou estava a provocar. Como já disse outras vezes, e noutras sedes, o MP e a PJ não são centros de poder, são núcleos, instituições do estado democrático e só se compreendem para o exercício democrático das suas funções. Não admito, no estado democrático, que um polícia desafie a PGR."

Se não fosse Portugal, que esperança teríamos nós?
Ofertas pré-natalícias

Aquela Altíssima Autoridade com aquela prosódica cinzelada, com aquela retórica paladina, com aquela linearidade interpretativa e com aquela indisfarçada acutilância amadora (coerências forçadas só sabem bem no concurso da Teresa Guilherme) está mesmo a precisar de reforma. E para o ministro (não me lembro agora do nome do senhor), diga-se, este foi o melhor presente que poderia ter recebido, no momento em que o reconstruído PPD/Portugal Generation começa a dar os seus primeiros - e ainda ínvios - passos.
A desesperança da emergência

A acidentada hora e meia de Putin em Lisboa.
A lei das esperanças por Isidoro de Sevilha

"Entre sperare (tener esperanza) y expectare (esperar). Expectamus lo bueno y lo malo, speramus solamente lo bueno. Y Virgilio, de manera admirable, aparta el valor proprio de la palabra de su significado estricto diciendo: "Si puede esperar (sperare) dolor tan intenso", siendo así que todo aquello que el espíritu aborrece se dice con más propriedad timere. Pero los gramáticos se refieren a ello diciendo: dijo sperare en lugar de timere. Y Lucano, manteniendo la distinción dice: "permítasele la esperanza (sperare) al que teme" (De Differentiis,I,212,)".

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Horizonte negro

O dia mundial da memória das vítimas da estrada é assinalado já no próximo Domingo. De ano para ano, há mais e mais amigos que partem. Também comigo isso aconteceu este ano. São sempre acidentes, contingências, circunstâncias. Tudo é sempre obliterado, elidido, desculpado. Raramente alguém, seja que entidade ou instituição for, chama crimes aos crimes. Mais do que guerra civil, existe no terror das nossas estradas um halo perverso de impunidade. Peço solidariedade para esta causa a todos os blogueadores. Eu estarei lá.

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Inclinações

Vinha eu há pouco em pleno IC 19, uma das vias mais poéticas do nosso pequeno rectângulo, quando ouvi na rádio uma notícia espantosa. Própria de cardeais, de sínodos místicos ou de Dan Brown com turbo na perífrase. Imagine-se que já não sei que órgão do PCP terá prefigurado Jerónimo de Sousa como futuro putativo e totalmente imprevisível candidato a secretário-geral da agremiação. Mas a frase essencial que repunha o acto na realidade, atribuindo ao ex-candidato presidencial a certeza do cargo a ocupar era esta: existe sobre o dito J.S. uma "inclinação consensualizada". Nem Isidoro de Sevilha a diferenciar quadros semânticos, nem Sexto Empírico a rebater os Dogmáticos, nem Santo Agostinho a evocar os Epicuristas foram tão longe nesta retórica hipostática quanto o conclave deste partido único que a nossa pátria se orgulha de ver a respirar no seu seio!

terça-feira, 16 de novembro de 2004

Aviso quase urgente

Para quem queira comunicar comigo com urgência, até ao fim do dia de amanhã, dia 17/11/2004, agradecia que me escrevesse - devido a problemas momentâneos no servidor SAPO - para o mail alternativo: luis.carmelo@iol.pt
Obrigado.
Dois aforismos colados um ao outro

1
Os bárbaros são todos aqueles que não são (falam) como nós?
A própria onomatopeia cartografa já o outro lado de lá da fronteira.
Os estóicos aprenderam no seu tempo que existe uma grande instabilidade e uma razoável elasticidade entre o uso das nossas linguagens e aquilo que queremos exprimir, precisamente porque habitavam nas colónias gregas, local variado e difuso onde as línguas e os hábitos mais diferenciados se misturavam. Eles viam diante dos seus olhos os bárbaros e respiravam com eles a sua filosofia e o modo como esta explicava a significação.
E apesar de tudo, a terra rodava. O culto de qualquer coisa era comum a todos.
2
Existe uma redundância certeira e obviamente irrecusável, quando Wittgenstein afirma que o sentido é aquilo que a explicação do sentido explica. Ou seja, o sentido só se refere àquilo que a partir dele se consegue explicar. Em certos casos é muito mais o que não se consegue explicar do que o que se pode explicar. Há épocas que acolhem esse tipo de casos, dir-se-ia mudos, do mesmo modo que um príncipe recebe a sua desejada princesa. Uma época de terrorismo que opõe uma compreensão primeira do mundo de tipo religioso a uma compreensão primeira do mundo de tipo não religioso é uma época que tende, naturalmente, a coabitar com alguma falta de sentido.
Apesar de tudo a terra roda. E o culto - o sentido do culto - deixou de ser uma respiração comum.

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

Está bonita a festa, pá!

O estado moderno só encontrou a sua "plenitude com a aparição de uma nova religião: o nacionalismo". Quem o disse foi Julio Galán, um jovem investigador da Complutense. Não posso estar mais de acordo, até porque nunca fui um nacionalista. Aquilo que a nação veio traduzir, no final de setecentos, não se esvai nem se expande por se ser ou não nacionalista. É irrelevante. Do mesmo modo que as grandes teleologias da esquerda de meados de oitocentos nunca esvaíram nem nunca expandiram aquilo que é o devir social. Eis duas religiões da modernidade: uma conotada com a direita, embora originalmente bastante jacobina: a nação; outra conotada com a esquerda, embora originalmente de direita (a avaliar pela matriz do Leviatã de Hobbes, por exemplo). Confusões interessantes, quais as que se revelam pela boca do imenso povo dos fóruns radiofónicos da manhã que hoje sabiamente analisou o congresso de Barcelos.

domingo, 14 de novembro de 2004

Um figo de confiança

Não vi o congresso do PSD. Andei pelos Algarves a percorrer o roteiro das figueiras. Mar azul, breve, sem ondas, sereníssimo. Apenas ouvi no rádio, já em plena Via do Infante: “Gosto muito deste estranho partido, deste partido que se enraizou nas entranhas do país. Gosto muito de todos vocês e sei que vocês sabem que eu precisava muito da vossa confiança.”

sábado, 13 de novembro de 2004

As novas mortes globais

Lembro-me de Paris em 1997 e lembro-me, agora, mais recentemente, de Paris no ano de 2004. Memórias bastante presentes. A cena passa-se num viaduto nocturno e num hospital militar da periferia. Paira a névoa em vez da certeza. Ambos os lugares ilustram algum anonimato e inebriamento. Há quem lhes chame “não-lugares”. Num e noutro caso, comunga-se algo de muito parecido: subitamente, a morte terá interrompido de forma drástica o quotidiano.
Sem que se cumprissem augúrios extraordinários, a morte, ou melhor dizendo, as duas mortes como que suprimiram a natureza dos actores em benefício de uma aura que é a aura do tempo real. A causa imediata dessas mortes é elidida, diferida, ou até eclipsada, através de uma encenação grandiosa: cada minuto dos treze dias em que um dos actores permaneceu no Hospital Militar de Paris parece corresponder à longa convalescença de argumentos e contra-argumentos que, a pouco e pouco, foram dissociando um presumível acidente de um crime, ou de uma gravidez indesejada.
As imagens fortes que esbatem a conjectura geral (o que é que se terá passado?) tornam-se brancas, mudas e silenciosas. Mas são elas, ao fim e ao cabo, que acabam por dominar o apelo e o rasgo da notícia. São elas que acabam igualmente por radicalizar a interrogação das audiências. O pacto perfeito. Até ao momento em que deixa de haver qualquer interesse pela resposta. E o que restará, para além desse preciso momento? Perguntar-se-á.
Talvez a compaixão em cascata, a compaixão pela compaixão. Uma espécie de dor asséptica, esterilizada, desideologizada. Uma dor sem corpo, mas uma dor. Uma dor que dá a volta ao mundo. E o efeito dessa dor chega a ser cumulativo: à medida que as telemensagens realçam as ocorrências trágicas, mais estas se ficcionalizam e dialogam com a sensação de respirarmos intimamente o directo. Nunca a carne desses actores esteve tão próxima da nossa. E, no entanto, é no sofá que se distende a ubiquidade do nosso universo sem fim.
O que subitamente motiva o grande público é poder cotejar o perfume diáfano da tragédia. Em todo o lado do planeta e ao mesmo tempo, sabendo-se, embora, que essa simulação maior não passa de uma cena única e irrevogável, onde a humanidade é embalada face ao abismo que é o seu. É assim que se propaga uma dor antiga e sem sentido. Mas, mesmo assim, uma dor. Uma dor parisiense.
Esta é a grande cena das mortes globais da actualidade: elas repõem o homem numa desmedida arena mitológica, embora, ao contrário dos tempos antigos, essa reposição nos devore através do fluxo planetário de imagens e não já através de uma imaginação autonomizada, local e culturalmente colonizada.
Ambos os actores aspiram agora a uma espécie de transmigração, jamais imaginada nos tempos em que a palavra modernidade passou a ter sentido: Arafat, já não o guerrilheiro odiado e amado, saído da poeira de Gaza, do terror e da natureza de uma nação que ajudou a criar; Diana, já não a princesa amada e odiada, saída de um morris para as grinaldas da realeza, dos rumores e dos gestos aventurosos.
Um e outro tornaram-se bruscamente habitantes da nova Paris que é uma cidade sem terra, sem causas, sem lugares e sem afectos. Diante de nós, apenas fica a imagem que excita a imagem: um viaduto na penumbra e o extenso globário meio azulado que separa o hospital da sua sombra mais remota.

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Referendo

Vasco Pulido Valente levanta hoje no Público o problema essencial que pode, aliás, ser postulado através de uma simples questão: que relação existe, de facto, entre o texto do Tratado Constitucional Europeu e aquilo que é a realidade actual, pura e dura da Europa? O habilíssimo e perspicaz cronista discorre muito sucinta e cirurgicamente acerca deste “parentesco imotivado”, como se diz na pátria semiótica tradicional. Hei-de voltar ao tema um dia destes, sabendo, à partida, que a tentação de resolver as fracturas da realidade através de actos de linguagem (pomposos) é algo tão clássico como o pavão a abrir cautelosamente a sua ampla e gongórica cauda.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

A morte de Arafat

Arafat morreu hoje, após vários dias em que a sua morte foi sendo anunciada e sempre protelada. Poderá mesmo dizer-se que Arafat morreu há já algum tempo (estou certo disso), mas que apenas agora as emoções mais opostas se puderam expressar através de um calculado efeito em diferido, ou em câmara lenta.
Para mim, Arafat foi um resistente de outro tempo que acabou por contribuir para o reconhecimento e consciência de pertença a uma nação. E, no entanto, fê-lo e protagonizou-o amiúde do pior modo e sem ter em conta outros horizontes vitais da história.
Depois das várias guerras defensivas que Israel soube vencer em plena guerra-fria, Arafat desenvolveu um sentido (ou um clímax) singular de progressiva vitimização que acabou por marcar posição na cena internacional. Os jogos Olímpicos de Munique, a fase dos sucessivos desvios de aviões e o terrorismo selectivo precederam a primeira guerra aberta - em 1982 - contra as organizações palestinas, cujo fim último era (e continua a ser em muitas franjas) o aniquilamento do estado de Israel e a não aceitação da sua existência, enquanto tal.
Essa guerra levou o exército israelita a Beirute e ditou a passagem de Arafat para Tunes. Onze anos depois, em 1993, o acumulado clima de radicalização daria subitamente origem a uma tentativa fulminante e corajosa de paz. Mas os extremismos de uma segunda geração (a primeira intifada iniciou-se em 1986) acabariam, com os anos, por condenar a tentativa ao fracasso, embora sempre reatada e neutralizada, pelas mais diversas vias. Adiante-se a este facto a grande viragem de 09/11/2001 que viria contribuir decisivamente para que o terrorismo generalizasse as formas suicidárias de terror mais indiscriminado.
Durantes estas últimas décadas, Arafat nunca se predispôs a imaginar um desígnio estratégico de cariz democrático. Durante estas últimas décadas, Arafat foi sempre o símbolo das várias intifadas e, ao mesmo tempo, o arauto de um espírito revolucionário que dificilmente deixou de pactuar com as alas mais radicalizadas.
Em certo sentido, Sharon constituiu um elo de convergência com estas atitudes de fractura, embora sempre legitimado, refira-se, pelo sufrágio universal e pela inelutável defesa dos seus face às novas formas e normas de terror global.
A vitimização - elemento sensível do universo judaico-cristão - e algum escorço de anti-semitismo têm sido particularmente permeáveis ao politicamente correcto que filtra as abordagens dominantes dos opinion makers ocidentais. Essa permeabilidade tende hoje (no dia de hoje) a confundir Arafat com um herói mitológico, do mesmo modo que Che Guevara foi de algum modo beatificado, nos anos 60 e 70, em pleno ocidente democrático.
É verdade que Arafat morreu e que toda a nação palestiniana chora: uma nação com direito a terra e a um estado. Mas não nos esqueçamos do holocausto e do grito de vitória universal que uniu as esquerdas e as direitas do planeta, aquando da fundação do estado de Israel.
A memória é curta, traiçoeira e excessivamente selectiva.
Pode ser que o cenário de crise saído da perpétua crise do Médio-Oriente venha a proporcionar, a prazo e aos vários actores em cena nesta região sacrificada, um horizonte de convívio entre estados, povos, tradições e religiões. Para tal, seria necessário dissuadir e demover o espírito revolucionário de que Arafat foi e é símbolo. Para tal, seria necessário negociar o respeito e a aceitação mútuos. Para tal, seria necessário acabar com todas as formas de terror. Uma meta quase impossível, dir-se-á. Ou, pelo menos, um desafio do “tamanho do mundo”, como diria Torga.
Uma política de renovada concertação entre o ocidente e os estados moderados do Médio-Oriente pode ser um factor de peso nesta estratégia. Tentemos ser optimistas neste momento de súbita mudança.

terça-feira, 9 de novembro de 2004

Abraço holandês (met heimwee)



Em frente ao Cemitério De Ooster, em Amesterdão, decorreu hoje a cerimónia de cremação de Theo van Gogh. No ecrã vê-se o colega de Theo, o colunista Maarten van Rossum, a usar da palavra. A minha saudade de outra Holanda, passada e futura, exprime-se aqui com alguma emoção.
(ver meu post sobre o assunto mais abaixo)
Políticos e “merdiáticos”
(adenda questionadora ao amigo MacGuffin)

Não acredito num “masterplan” ou numa “cabala” santanista que envolva tudo e todos, como nunca acreditei numa cabala à Gomes da Silva ou à Ferro. A cabala é um diagrama de essência platónica e acho que almejamos e respiramos, hoje em dia, todos, outra geometria já mais arejada e pragmática.
Sei igualmente que uma sociedade aberta e democrática é, ela mesma, tacitamente, uma emanação das tensões entre todos os poderes. Desde aquele que encerra esta escrita singela até às decisões de Balsemão, de António Mexia ou do senhor Jerónimo Martins. Não há acto que não tenda à decisão e à procura tensa de uma verdade sempre transitória. Nem há agir livre que não se escude no que o possa adjuvar potencial e activamente. As regras estão cá para delimitar e regular o uso da liberdade e, portanto, para nos dizer que vivemos nela, para ela e através dela.
Agora, apesar de todas estas relativações, a verdade é que o governo Santana Lopes vive um pouco à deriva e à margem dos fenómenos reais como se eles caíssem, quais raros cometas, sobre as secretárias ministeriais. Foi assim com o recente affair do MNE (que no parlamento não soube explicar as diplomacias paralelas que tentaram descortinar na Europa casos similares ao de Marcelo), foi assim com a agenda da Ministra da Educação, foi assim com o gato com Arrábida de fora de Nobre Guedes, foi assim com os dissabores de Gomes da Silva (já Marcelo e a PT - de que os nossos impostos são parte do accionista principal - existiam há uns anitos nos respectivos figurinos).
Convenhamos que este desinspiradíssimo governo - a que tudo e “todos” reagem (J.P.P., A.B. ou V.P.V.) sem ser por cabala ou por comum e aristotélica “afecção da alma” - resolveu, ainda por cima, enveredar por um serviço de marketing verdadeiramente desastroso. Herda a redundância da edilidade lisboeta e reata o repentismo futebolístico do seu mentor: ora estimula uma ou outra conferência de imprensa à tarde, ora responde a factos menores de manhã e à noite. Com tal ruído, apressou-se ainda em infelicíssima “comunicação ao país” (o mau gosto igualou-se então ao ridículo cerimonial dos desgastados cem dias) onde sobrou apenas uma palavra: precisamente, o “ruído”.
Com um tal pano de fundo, com um tal contexto de actuação, com um tal aceno concertado e desassombrado, como podem os analistas e os comentadores ficar isentos de conjecturas relacionais onde a sombra do governo e a de outros poderes, mormente os tais "merdiáticos", se adjuvassem? Não é uma sociedade aberta o reflexo do agir livre de todos sob a forma de tensões e alianças, mesmo daquelas que escapam, aqui e ali, à lei (no sentido ético ou da própria prescrição cível)? Não é o poder da conjectura - ou da abdução - um dos modos de interpretar o que liga a indução isolada à verdade dedutiva (é esse, pelo menos, um ensinamento pragmático)? Não estimulará a situação criada pelos impactos do próprio governo Santana Lopes este tipo preciso de conjecturas de que os principais comentadores do país, da direita à esquerda, dão eco?
Não haverá nesse sintoma generalizado, ó amigo MacGuffin, alguma hipocrática verdade? Eu creio que talvez. Eu creio mesmo que talvez sim.
Entre a inocência de um poema da Florberla (Fez ontem 109 anos e onze meses que nasceu em Vila Viçosa) e o axioma de conjura inevitável vai uma imensa distância. Entre ambos os pólos, há muito espaço. Tanto quanto aparentam os sinais que o delimitam: e é aí que está, de facto, a questão. Saibamos, ao menos, dialogar com ela.
Círculo vicioso e viciado

Vi ontem no canal 46 (Arte) um filme passado durante a revolta argelina (entre 1957 e 1962). O filme era uma co-produção franco-italiana e, como muitos outros filmes europeus do género, revestia-se de tons épicos e colocava nos libertados uma natural aura quase salvífica.
Os colonialistas europeus, neste caso franceses, eram vistos naturalmente como carrascos. Nada mais correcto, dir-se-á. Em Portugal, este é um filme que já todos vimos e revimos muitas vezes. Até à exaustão. E o mesmo se poderia dizer dos filmes ingleses sobre a Índia, dos filmes espanhóis sobre o Atlas ocidental, dos filmes holandeses sobre o Suriname ou dos filmes Belgas sobre o Congo. Neste tipo de filmes (às vezes catárticos), há duas coisas comuns, para além das “palavras de ordem”: o acentuar de que o colonialismo foi uma tragédia real e, por outro lado, o enunciar (explícita ou subliminarmente) de uma mensagem auto-punitiva, já que todos estes filmes provêm afinal do ocidente. Até aqui tudo bem.
A questão mais curiosa e geralmente envolta em tabu é outra. Podemos expô-la através de uma pergunta bastante simples: noutras culturas mundiais, onde é que esta prática é uma prática corrente? Por exemplo, há filmes chineses a exaltar os povos dos Himalaias? Há (ou houve) filmes soviéticos ou russos a exortar os afegãos ou os povos do Báltico? Há filmes africanos a evocar os escravos do interior que os autóctones do litoral entregavam aos ocidentais? Há filmes turcos a invocar as revoltas egípcias do início do século XX?
Bem sei que as usurpações e as ocupações chinesas, turcas, soviéticas, russas e até africanas correspondem, ou corresponderam, a colonialismos persistentes e indiscutíveis ou tão-só a episódios porventura delimitados. A cada caso a sua história, dir-se-á. Mas, por contraste óbvio, pode afirmar-se que há uma verdade que persiste: a Europa convive mal, hoje em dia, com os seus fantasmas e tenta salvar-se dessa densa neurose projectando sobre si própria a violência que ameaça deslustrar a sua auto-imagem de estabilidade democrática. Como se a prática democrática só pudesse ser efectiva, se prostrada na mesa do psiquiatra onde os pesadelos antigos removessem e alterassem o rosto aziago e escondido da velha Europa, restaurada, afinal, há apenas meio século das terríveis clivagens intestinas onde afinal sempre viveu.
O que custa à Europa é saber viver com a integridade a sua história, sem tabus, sem devaneios, sem pesadelos e sem quaisquer ressentimentos. A Europa ainda não soube descobrir com alguma plenitude, nestes últimos cinquenta anos, aquilo que é o valor e a lógica do presente.
E é levada, por isso mesmo, a rever no seu rosto cândido e quase pré-Rafaelita a excrescência terrível que, ao fim e ao cabo, é a mesmíssima imagem com que o terrorismo a revê e a descreve. Espantosa coincidência esta que conduz a ameaça e o ameaçado a pintarem o mesmo anacrónico e simétrico retrato.
Beneficiando da liberdade democrática que atravessa saudavelmente a Europa, as opiniões auto-flageladoras espalham-se cada vez mais como uma mancha de óleo no seu seio, enquanto as minorias culturais (sobretudo as islâmicas - ver o recente caso holandês) radicalizam e reflectem, no mesmo seio, esta auto-imagem auto-punitiva e excrescente. Círculo vicioso e viciado.
Excessivamente sensível a uma espécie de ajuste de contas perverso entre bons e maus, a Europa tem a tendência em assumir o papel destes últimos e a suas próprias expensas (compare-se com o caso norte-americano ou australiano, através dos westerns e da abordagem aos aborígenes). As democracias europeias denotam já há muito este condão, este sintoma, este estranho e enigmático alarme da sua inefável culpabilidade. E nos tempos pós-11/09, esta predisposição da Europa é acentuadamente negativa e tende, como é natural, à desistência, à renúncia ou mesmo ao impasse. É essa, também, por outras palavras, a tímida face do recente mito europeu da grande Suíça imparcial e psicologicamente abstinente que, aqui e ali, se vai revigorando através de meros rituais de celebração histórica.
Não se duvide: é a predisposição que faz a política, e não o contrário.
Concordaria a prazo com uma federação de nações europeias. Mas não com esta singularidade galopante e, pelo menos na aparência, politicamente imparável. E perigosa.

segunda-feira, 8 de novembro de 2004

Em leituras

Antes de arguir uma tese, sigo caminhos mais ou menos estáveis. Leio primeiro, de modo oblíquo e metonímico, algumas linhas-chave da tese no sentido de lhe captar uma espécie de escorço do seu topic. Depois, durante alguns dias, levo a cabo leituras no âmbito desse topic, mas sem uma orientação claramente definida. Releio coisas diversas, mas tento sobretudo alargar e interrogar a esfera do conhecido. Não me circunscrevo, portanto, aos lances que delimitarão a geometria da tese, acabando por construir um sistema volátil de problematização. Às vezes, faço-me acompanhar dessa armadura conceptual (espécie de um modelo teórico abastracto) por mais de duas semanas. É um espaço branco que faço povoar de perguntas e respostas (puro jogo onde o simulacro de um futuro debate se reverte agora em prazer). Até que chega o dia H. É então que me sento e passo a ler a tese, de fio a pavio, anotando todos os detalhes. O meu comentário e o meu questionário acabarão por nascer do são confronto entre as ponderações que antes haviam entrado em cena: as que se haviam constituído antes da leitura da tese e, de modo mais sedimentado, as que resultaram da sua leitura. As verdades vêem-se ao espelho e têm muitas facetas. Inesgotáveis, talvez.
blogosfibras

Dois novos blogues absolutamente a não perder (este e este). É a guerra aberta entre os extremos extremados que ligam a autoestrada Évora-Lisboa, ou Lísboa-Évora, conforme a raça de um ou outro dos danados contendores.
Não passarão!

Abro o rádio na manhã domingueira e subitamente fica no ar a voz turbilhonada de Júlio Machado Vaz. O que se ouve é uma espécie de litania monocórdica:

Ela espera que ele lho diga para darem ambos um salto na relação, mas ele descansa e esquece a sua emulação de homem e é então ela quem pensa em agir, mas não o diz; e é aí que ele, de novo, volta a imitar os procedimentos do desejo de ambos, enquanto ela disfarça o traumatismo antigo e ele há-de navegar em águas doces e turvas. Por fim, sem dar por isso, é ainda ele que afaga o comodismo. E ele e ela.

No meio deste insólito face a face, Machado Vaz cita uns artigos científicos e ouve um outro radialista que diz sim, sim, sim. Se o ouvinte não soubesse que quem fala são eminências da nossa praceta, dir-se-ia que tudo aquilo não passava de charlatanice telenoveleira.
Não passarão!
Só direitos?

Ou Sócrates, inopinadamente, a falar pela boca de Ferro?
Uma abelha na lua

Vi este fim-de-semana em DVD um filme que me tinha emocionado imenso há umas duas décadas (não me apetece agora dizer o nome). Ontem voltou a tocar-me ao de leve, é verdade. Mas tudo parecia inocente, frágil, previsível, sem carne. Nestas alturas, há sempre um fantasma negro que pergunta em surdina: haverá um dia em que nada já nos emociona? (continuo a olhar para os lados e a achar vivamente que não!)
Céu estrelado

E foram quatro.

sábado, 6 de novembro de 2004

Os círculos

Escreve-se hoje no Abrupto:

"Tenho repetido à saciedade que existe um efeito de Big Brother nas políticas em democracia: tudo o que é importante não se vê, ao mesmo tempo que as pessoas têm a ilusão que sabem de tudo, em directo e a cores".

Concordo plenamente com o facto e sobretudo com as ilações. Mas, caro José Pacheco Pereira, dentro da compulsão quase natural do sistema político essas coisas não se podem dizer, pelo menos desse modo, pois não?
Existe uma margem de reflexão que escapa, ou que se contém irremediavelmente, quando o exercício do poder atravessa a enunciação dos mundos de quem escreve. Existe, de facto, um estar fora do círculo e um estar por dentro desse mesmo círculo. Que é o do poder, directo, real, exercido. O poder não é uma ferramenta pejorativa ou artificiosa, mas acaba sempre por ditar ou condicionar a medida e o momento em que a palavra é materializada em discurso.
E isso é pura verdade, apesar da frontalidade que demonstrou no flash-back dos tempos da reeleição de Cavaco Silva, apesar do carácter incisivo que patenteou durante a direcção lisboeta do PSD e apesar do mais recente inconformismo que nunca escondeu no seio do Parlamento Europeu. E ainda, já agora, apesar da dignidade que evidenciou no (sintomaticamente pouco falado) caso Unesco. Numa escala muitíssimo mais pequena, sei muito bem do que falo. A dissimulação entretece o dizer da política, enquanto a discrição - e tão-só a discrição - entretece o poder autónomo e corrosivamente livre da palavra.
Frase da semana

“(…) Looking back on its past, and forward to its future, the auguries are that it will not disappoint an expectant humanity.”

Se o leitor clicar sobre esta frase, aperceber-se-á do contexto real em que foi enunciada. E devo dizer que concordo, em geral, com a análise que é feita dentro desse pano de fundo. Mas imagine agora o leitor que recuávamos uns vinte e cinco séculos no tempo e que, nessa analepse de cortar a respiração, subíamos todos às belíssimas montanhas de Delfos. Não resultaria a frase do mesmo modo?
Creio que sim.
Imagem da semana

L´au-delà de Arafat.
Radio days

Abri a TSF mesmo a horas de já não ouvir o debate sobre a putativa universidade de Viseu. Livrei-me de boa. E lembro, já agora, o excerto de uma crónica aqui publicada há uns dias:

Talvez por isso mesmo, um certo novo-riquismo de raiz ruralizante passou a desenvolver, nos últimos anos, um conceito de cidade-fachada que, pretensa e ilusoriamente, garantiria aos locais e aos visitantes uma auto-imagem reconfortante de vida urbana. Ou seja, indo a exemplos concretos, no tempo de Salazar bastava ostentar, numa cidadezinha, o Liceu, o Palácio da Justiça, os Correios e o edifício da Assistência Nacional aos Tuberculosos (Braga tinha ainda um estádio e Coimbra o Portugal dos Pequeninos). Havia menos exigência. Mas hoje, a nova cultura de cidade-fachada impõe, pelo menos, um ou dois chamados hipermercados, umas circulares com quatro pistas, um pomposo Parque Urbano, umas piscinas novas, um estádio municipal e sobretudo uma casa muito grande, no centro das cidade, se possível, onde apareça escrita a palavra “Universidade” (independentemente do que se passe lá dentro: boxe, danças de salão, debates dobre didáctica dos média, criação de capas e batinas, lançamentos do dardo ou prática de fitness). É assim, hoje em dia, os descendentes da ruralidade mais atávica querem ter uma universidade em cada rua. Fica bem e deverá dar alguma auto-confiança, presumo eu.

Chega de provocação. E de verdade.
Coloquei hoje,

no Minitempo, um artigo de 1997 sobre literatura e os compromissos éticos do passado.
Luar cativo

Amanhã lá vou ver o desejado.

sexta-feira, 5 de novembro de 2004

A nova Holanda e o terror

Nos dez anos em que vivi em Amesterdão (durante os anos oitenta), já tudo acontecia mas ninguém queria ver. Se os turcos a pouco e pouco entravam num bairro, este, também a pouco e pouco, ia-se esvaziando de holandeses. Mas não só.
O mesmo acontecia com os marroquinos.
Enquanto este processo se ia desenrolando (no que considero hoje ter sido uma espécie de apartheid - a palavra é holandesa - progressista), as instituições locais desenvolviam fortes políticas de integração. Na habitação, nas regalias sociais mais diversas, na atribuição de canais televisivos e nos próprios festivais culturais que regular e intensamente subvencionavam. O respeito pelas virtualidades de cada cultura sobrepunha-se muitas vezes a uma espécie de genética culpabilidade ocidental (o ingrediente atravessava todo o arco institucional e não apenas os partidos das franjas).
Tudo isto se passava enquanto a retórica da guerra fria dava os últimos suspiros.
Por um lado, apregoava-se generosamente o multiculturalismo e, do outro lado, as segundas gerações imigradas respondiam já com alguma ingratidão e, por vezes, com real agressividade (sempre legitimada através da panóplia dos “sinais identitários”). A esquerda trabalhista (PvdA), os cristãos democratas (CDA) e os liberais (VVD) concordavam, em geral, com esta política e faziam dela uma espécie de ortodoxia social sobre a qual não valia a pena sequer reflectir. Apenas escassíssimos movimentos oriundos do discorrer político-psicopata focavam directamente a questão e, claro, cilindravam-na sem qualquer tipo de equilíbrio (lembro-me do famoso Centrum Partij).
O problema crescia, mas, para o olhar de todos, o rei caminhava impudicamente nu. Foi assim até ao fim do século passado.
A inviolabilidade e a estabilidade holandesas nasceram com o pós-guerra e foram-se edificando muito lentamente sobre alicerces que foram ficando submersos. Daí, talvez, esta pacificação facilista e generalizada que excedeu e excede em muito aquilo que é, entre nós, designado às vezes por “bloco central”. No entanto, tal como o imprevisível pasmo de Palm na Suécia, também o aparecimento do fenómeno Pim Fortuijn acabou por revelar a fragilidade de uma sociabilidade tabu que aprendeu, década após década, a ver-se ao espelho como imutável e totalmente certa de si. A verdade é que a súbita objectividade, o alvoroço repentino e a brusca natureza politicamente incorrecta de Fortuijn valeram-lhe o que era inesperado nas doces terras neerlandesas. A morte.
Dois anos depois, no momento em que o contexto internacional pós-2001 se sedimentou e em que o terrorismo passou a visar o Ocidente como uma excrescência da humanidade sem olhar a meios, um novo atentado escolheu Theo van Gogh. As razões são conhecidas e advêm sobretudo da confiança e do voluntarismo que têm sido gradualmente sustentados pelos múltiplos e indirectos franchisings da rede al-Qaída e derivados (como aconteceu, sempre a seu modo, em Casablanca, em Madrid ou em Istambul). É pois normal que a quietude do Prinsentgracht acabe, hoje em dia, por não escapar aos ventos semeados ao longo de décadas de silenciosa e pródiga welfare.
Numa carta aberta ao líder parlamentar do VVD (liberal), o senhor Hirsi Ali', o suspeito da morte de Theo van Gogh, Mohammed B., um holandês de origem marroquina, volta agora a ameaçar com total despudor: “Ó Hirsi Ali', tu serás desfeito pelo Islão”(…)“Com a tua inimizade lançaste um boomerang e sabes agora perfeitamente que é apenas uma questão de tempo até que esse boomerang te atinja de vez” (acrescente-se ainda que o advogado do suspeito, Peter Plasman, acusou o Ministério Público de pressionar o seu cliente ao ter divulgado publicamente a carta!).
O Líder do VVD (liberal), o senhor Van Aartsen, inconformado e ainda mal acordado do recente pesadelo holandês, afirmava entretanto: “Isto é Jihad em plena Holanda. As marcas foram todas ultrapassadas. É preciso agir imediatamente contra esta nova situação. Temos que fazer qualquer coisa contra este grupo que nos declarou guerra”. O Presidente da Câmara de Amesterdão, o senhor Donner, secundando o alarme generalizado, acrescentava, no passado fim-de-semana, estar convicto de que tudo isto não era o trabalho de uma pessoa, mas sim de um “movimento bem amplo”.
O meio político de Den Haag entrou definitivamente em estado de choque. Para já, foram tomadas medidas orçamentais extraordinárias com o objectivo de reforçar a segurança do país. Não se sabe agora o que espera esta terra que há muito casou com o anátema das Índias Orientais, com a discrição calvinista e com o mito do equilíbrio perpétuo. Mas tudo parece estar, de um momento para o outro, posto em causa. Cenário bem mais próximo da descrição que César fez dos pântanos selvagens onde, muito mais tarde, a modernidade de Huijgens, Espinosa e Vemeer havia de emergir com todo o brilho.
(espero, humildemente, ter feito a vontade ao conterrâneo Sexo dos Anjos!)
“Terrorismo de estado”, que realidade?

Vamos por partes. Perguntemos, em primeiro lugar, do que falamos quando falamos de terrorismo, no território da Palestina?
Creio que estamos a falar sobretudo de uma actividade que preza pelo anonimato e pela auto-flagelação suicidária dos autores materiais que a praticam. Creio que estamos a falar de uma actividade que estimula um tipo de violência com efeitos drásticos e alvos, ao invés de selectivos, completamente desconcertantes (anónimos, estudantes, transeuntes, passageiros, etc.). Creio que estamos a falar de um actividade que pretende instalar uma alteração súbita e alarmante no estado de coisas, sem ter em conta os meios e os propósitos. Creio que estamos a falar de uma intensidade gratuita em que o terror remete para próprio terror, sem que se constitua, ele mesmo, como sintoma real de uma causa explícita. Creio, por fim, que estamos a falar de uma actividade que é tudo menos a expressão e a emanação (ainda que defensiva) de um estado livre e democrático.
E tudo isto, em segundo lugar, sem pôr minimamente em causa o legítimo direito dos palestinos a uma terra e a um estado.
Em terceiro lugar, diria que é devido a esta série de ponderações que a expressão “terrorismo de estado” me parece, de facto, constituir uma designação completamente falaciosa no caso concreto em que é utilizado: o de Israel (apesar de se poder discordar, o que é legítimo, da nevropática governação de Sharon). A expressão “terrorismo de estado” é própria de quem vê apenas com um olho o mundo à sua volta. Com dois olhos bem abertos, sabemos todos que houve terrorismo de estado no caso da URSS e que ainda existe hoje no caso da Coreia do Norte. Como houve no Chile e na Argentina das ditaduras militares. E em todos os fascismos. Nas últimas horas - i.e., no momento da agonia política de Arafat -, a expressão “terrorismo de estado” está a vulgarizar-se, a banalizar-se e a perder intencionalmente o sentido, quando todos sabemos o que ela realmente imputa. O uso dessa expressão está já a tornar-se num recorrente lugar-comum e não pode deixar de traduzir, directa ou indirectamente, aquilo que é uma infeliz e indelével marca dos novos anti-semitismos.
Iria mesmo mais longe: o objectivo do terrorismo é puramente aniquilar e tem como ponto de partida, neste caso concreto, a não aceitação radical da própria existência do estado de Israel. Esse objectivo é servido por bombas, mas também por expressões deliberadamente vulgarizadas, trivializadas, repetidas até à exaustão e transformadas em arma conotativa de tal modo que, de tantas vezes repetidas, acabam por criar o simulacro de uma verdade. Uma verdade enganadora, intolerante e mesmo letal.
Warfare

O planeta está em franca expectativa nestes instantes que precedem o encontro que vai hoje à tarde colocar frente a frente Santana Lopes e o primeiro-ministro do governo iraquiano.
Para que se saiba

Aparecem hoje aprovadas, no Diário da República, as “grandes linhas orientadorasdo modelo de financiamento das concessões rodoviárias nacionais em regimede SCUT(Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/2004. DR 260 SÉRIE I-B de2004-11-05).
Sempre que haja alternativa, acho mais do que razoável o que eu próprio pratico há anos entre Évora e Lisboa por razões estritamente profissionais, ou seja, o princípio do utilizador/pagador.

quinta-feira, 4 de novembro de 2004

O Médio-Oriente pós-Arafat

Ligado à máquina, clinicamente morto, discute-se agora o local onde Arafat irá ser enterrado. Não concordo com a vitimização de Arafat, nem vislumbro na sua prática nada de luminoso. Apesar de ser óbvio que os palestinianos têm direito a uma terra e a um estado. Mas nada justifica que, a pretexto de uma causa que é justa, se interrogue a existência do estado de Israel e se postule o seu próprio banimento, através de um terrorismo suicidário cuja natureza não remete, afinal, para quaisquer causas. Uma renegociação que envolva o Médio-Oriente pós-Arafat terá que ter em conta inevitavelmente um horizonte democrático e a dissuasão mais radical do terrorismo dos últimos anos. Com a entifada militarizada e outros fundamentalismos activos em ambos os lados não há possibilidade de futuro. Israel é um estado livre e democrático e, independentemente de quem neste momento governa, é normal que os ideais de abertura e de diálogo que Yitzhak Rabin perseguia voltem agora a aflorar numa plausível mesa das negociações.
O luar cativo

Este fim-de-semana parece que vamos ter uma bomba de crónica sobre o clássico River Plate - Boca Juniors.
(por cá, o meu vermelhão voltou a empatar consigo próprio: é o seu lado estético. Como se vê, não há limites para o amor)
O Israel de Luís Nazaré (actualizado)

Luís Nazaré (que, por diversíssimas razões, respeito) escreve no Causa Nossa:

“Estou particularmente curioso em saber se os votos da comunidade judaica se terão concentrado, como era hábito, no candidato democrata. Algo me diz que os tempos mudaram”.

Não gosto nada destas suspeições premeditadamente infundadas. Parece que acenam a “algo” que pretende suscitar, no mínimo, um sorriso obsceno. É uma atitude que resvala, directa ou indirectamente, para o limiar do rumor ou do diz-ze diz-se onde o único comprazimento em jogo parece ser, queira-se ou não, um juízo pejorativo sobre quem afinal se visa. E tudo isto sem que mudar, ou não, a tendência de voto possa ser entrevisto como um crime, ou como um elementar atentado à liberdade. A cada um a sua escolha.

Ainda acerca das eleições americanas, de registar o delírio puro, os dons de resistência a todo o terreno e, por fim, o pouco redimido Barnabé que está muito contente com o singrar da esquerda liberal nos EUA, mas muito zangado com o individualismo e com o egotismo pouco racional e muito pouco aconselhável de Nader. Lá se foi mais uma integridade redutora, pois então!
Felizes, feérica e expressivamente felizes há poucos, diga-se a verdade (a tirada mais elegante e bem sucedida ainda é esta: “acho que o resultado de hoje tem uma leve aura de justiça poética”). Mas o tom, o timbre, a convicção sempre se sentem aqui e ali. Como se vê, há voragens para todos os gostos, embora o grande subtexto desta eleição esteja ainda a ser traduzido pelo silêncio, pela contenção e mesmo pela apreensão. Até porque Kerry se havia tornado, nos últimos dias e meses, no petit bon sauvage de muitos que genuína e coerentemente deveriam ter sempre desejado o voto de Bush. Não era esse o meu caso, evidentemente.
Danças ocultas

Há sempre tempo para legalizar uma briga de galos. Mesmo depois da prisão do conhecido Duda Mendonça, no Rio de Janeiro. Uma iniciativa parlamentar que vem mesmo a calhar!
Quintas-colunas

No Diário da República de hoje (259, Série I-A), aparece publicado um Acórdão (n.º 589/2004) do Tribunal Constitucional onde se “declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º594/74, de 7 de Novembro, relativa à promoção e constituição de associações internacionais em Portugal”.
Ao fim de trinta anos, como estamos nós... de contaminações subversivas?

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Obrigado Nuno

por teres incluído o meu último romance nas "sugestões da Judiaria".
(Quanto à "boca das urnas", já sabemos agora todos o que se passou. A democracia tem sempre razão)

terça-feira, 2 de novembro de 2004

Nota sobre uma polémica em curso

Diz o Pedro Mexia no blogue do amigo MacGuffin:

“(…) eu identifico-me com uma concepção privada da esfera religiosa (como te recordarás, defendi isso mesmo várias vezes). Nesse sentido, subscrevo inteiramente as palavras que citas do João P. Coutinho: (...) essa foi a principal conquista do cristianismo: um espaço íntimo, intocável e privado, onde a «polis» não entra.”

Lembro-me de Cunhal proferir há cerca de vinte anos uma fase que me impressionou. Era qualquer coisa como: “A religião é uma questão do foro íntimo de cada um”. E recordo que Cunhal o afirmava no quadro de uma discussão acerca das inevitáveis ligações entre o político propriamente dito e a questão religiosa (os sistemas tocam-se, todos se tocam e interpenetram. Essa é uma verdade de facto!). Mas, para Cunhal, tornava-se francamente incómodo tocar no afloramento da questão religiosa. Para Cunhal, tornava-se pouco confortável entrar numa discussão no seio da qual tivesse que enfrentar, olhos nos olhos, a expressão ou a transposição para o espaço público de ilações ou modos de encarar o mundo oriundos da esfera religiosa.
Este desejo de separação artificial, de remissão algo intransigente, ou, se se preferir, de esquematização demagógica apenas servia, no caso concreto, um único objectivo: não embaraçar e sobretudo não confundir a defesa da encíclica maniqueísta que Cunhal então professava (e que, segundo imagino, ainda professa hoje em dia).
Esta memória, no meu caso, aturdiu a interessada leitura do texto do Pedro e da polémica envolvente.
Posso perfeitamente compreender o que significa a autonomia da intimidade religiosa no seio da polis contemporânea. A modernidade, aliás, é, ela mesma, um universo de múltiplas autonomias onde se joga o agir livre e as de regras que nele se revelam e delimitam. Mas daí a admitir que a prática religiosa apenas se cumpre numa espécie de redoma (formalmente, dir-se-ia tipo calvinista) que quase escapa à pregnância do espaço público parece-me um tanto falacioso. Direi mais: no Islão não há espaço íntimo, ao nível referido pelo João P. Coutinho , porque um sistema primeiro de tipo teo-semiótico preenche o espaço inteiro da sociabilidade. Num mundo moderno de raiz cristã, o sistema primeiro resulta, ao contrário, do convívio aberto entre a vocação e a manifestação, independentemente da matriz em causa poder ser religiosa ou não. Nesse sentido, mesmo percorrendo com empatia amiga a metáfora “pacificadora” do Pedro, não vejo como se pode pressupor a exterioridade (ou a quase exterioridade) da polis.
Até porque, não sendo católico, acredito que a fé é um tema fértil e inesgotável e, nesse quadro, estou com John Duns Scot: a individualidade dos seres não se afirma nem pela diferença, nem pela matéria, nem pela forma, nem tão-pouco pela quantidade ou pela qualidade, mas antes pela sua natureza (cuja forma, para o teólogo escocês, coincidia nos humanos com a alma). E já se sabe que a natureza não se pode reduzir ao discurso, porque vive por si, tal como o estético respira por si (autotelicamente). Daí que o espaço público não tenha necessariamente que contaminar a individualidade (ou o foro íntimo) que é própria do religioso. Mais uma razão, portanto, da minha discórdia. Ou, pelo menos, da minha estranheza.
Vistas largas

Os grandes empresários da área petrolífera encontraram-se em Londres, há poucos dias, numa conferência designada “Oil & Money”. Eis o que nos informa o Economist acerca do tom adoptado nessa reunião:

"LEADING oilmen gathered this week in London for the “Oil & Money” conference, an annual expense-account jamboree often preoccupied with the industry’s woes. This year, though, the tone was cheerful. Jeroen van der Veer, head of Royal Dutch/Shell, reassured his audience that Americans are “still driving their SUVs to Wal-Mart”. Lord Browne, the boss of BP, gave a sunny speech insisting that without petroleum “the world would be a dark, cold and miserable place.”

Face às subidas de preços e ao difícil controlo dos fluxos do mercado, resta a retórica que vê nas alternativas ao petróleo o rosto do diabo. Daqui a trinta anos, as palavras serão certamente outras. Mas, já se sabe, que apesar dos diferendos, dos perigos e das crenças, o ser humano precisa sobretudo de compor o presente e navegar como Vinicius cantava. Até porque haverá sempre um cantinho para aquilo que, no Sofista, se definia como sendo “a corrente que sai da alma pela boca”, ou seja, o discurso.
Imagem da semana

Única e exclusiva: a imensa ansiedade americana. A nossa ansiedade. Depois do 09/11, confirmou-se a profecia de JFK, embora aplicada a outro contexto, língua e margem atlântica: “I Am An American!”
Maçada central

O oligarismo protegeu o segundo golo marcado na Choupana, mas o vermelhão não pode, desta vez, dizer nada. Não mereceu. Parabéns ao simpático Sado, embora, no próximo Domingo, tenha naturalmente que ver a súbita glória esvair-se noutra via láctea.
Notícias da tabacaria

Tive notícias da Charlotte. Está bem na sua tabacaria e recomenda-se. Ela dirá a seu tempo. Juro que vai valer a pena.
Milénio

Publico hoje no Minitempo - o blogue gold ou subcutâneo do Miniscente - um texto que fazia eco das discussões agudas que há cinco anos nos perseguiam: porquê o milénio? qual a sua origem? como terá sido contado o tempo?

segunda-feira, 1 de novembro de 2004

O sorrisinho

"O Parlamento é o caso típico de uma instituição que cedeu tudo, mas tudo, no acessório. Em contrapartida, quando se vê o tom dos debates parlamentares, em que 80, 90 por cento dos deputados literalmente berram uns com os outros, são incapazes de intervir raciocinando, percebe-se que estão sempre em exibição porque sabem que a opinião pública está a ver. Insultam-se e, quando acabam, fazem um pequeno sorrisinho. Temos o caso interessante do ministro Paulo Portas que quando acaba um "sound-byte", uma frase que vem preparada, nunca resiste a fazer um pequeno sorriso, como quem diz. "e esta, hem?"."

É António Barreto quem o diz. E bem. Entre a encenação e o voyeurismo indígena, sempre sobra, em plena catadupa, um tique malandrote, um aceno pacóvio e um sorriso envernizado. Terá sido sempre assim, creio eu, embora com duas diferenças fundamentais.
Por um lado, aquilo que funciona hoje em dia em tempo real tende sempre a evidenciar o que antes se suprimia da grande montagem do mundo.
Por outro lado, o tempo do discurso que raciocina deixou de aparecer (i.e. deixou de ser visível) nos interfaces do poder, pela simples razão de que uma quota bem razoável do exercício do poder se passou a confundir, em grande parte, com a própria visibilidade dos seus protagonistas (quem se dá ao trabalho, por exemplo, de ver as TVs dos parlamentos?)
De algum modo, a Quinta das Celebridades assenta nas mesmas características, mas, perversamente, é o modelo desta que acaba por emprestar a natureza ao funcionamento das instituições. Ou seja, também na Quinta se evidencia o caricato e, por outro lado, faz-se do espectáculo a própria visibilidade do tempo corrente (com inevitáveis encenações estratégicas com origem na produção; nas instituições, a produção tem o nome dos partidos, dos sindicatos e de outras entidades inevitavel e retoricamente activas).
É por isso que os estigmas da nossa vida política, que foram subitamente trazidos para a ribalta e para o calor dos holofotes, não passam de estilhaços menores da realidade, cuja finalidade é, ao fim e ao cabo, serem vistas e admiradas como quem olha com curiosidade e espanto mórbidos para uma simulação da anatomia do seu próprio corpo.
A sério?

Parece que sim. Kerry e Bush descendem ambos de D. Afonso Henriques. É verdade, verdadinha. Ora leiam aqui (repito, não é brincadeira). Por isso, amanhã, seja qual for o vencedor, é o orgulho luso que desfilará no Mall.
Mais Barbárie

Num mercado ao ar livre, em Telavive, entre pessoas indefesas.
Porquê?
Com a maior das normalidades, a chamada "Frente Popular para a Libertação da Palestina"reivindicou o ataque e um porta-voz do terror afirmou que o autor do atentado era "Amer Al-Fahr, tinha 18 anos e vivia no campo de refugiados de Askar, em Nablus".
Seja o que for, haja o que houver, nada justifica ou legitima um tal despropósito, uma tal falta de sentido.