sábado, 31 de julho de 2004

Sábado a banhos de espírito



Comecei a audição integral de L´Orfeo de Monteverdi. Fecho as persianas (são novas, recortadas em tiras de faia), pouso o Amos Oz e os jornais do dia, suspendo o olhar na estante, reconforto-me no sofá e entrego-me à misantropia do aberto de que falava Rilke.
Há silêncios porque há música.
Souffle



É verdade Marta, é também para mim, há muitos muitos muitos anos, um dos filmes da minha vida. O João - não o Seberg ou o Belmondo -, entre outros, que o diga. Grande coincidência (involuntária) com o Quase a Respirar! Seja como for, há que não deixar as coincidências a amar, pelo menos efusivamente, com corpo alheio. Não é assim?

sexta-feira, 30 de julho de 2004

Descrer na humanidade

A Charlotte fez ontem alusão a algo que me persegue há muitos anos. Já estive para falar aqui do problema mais que uma vez. E já escrevi sobre ele noutros lados.
A verdade é que, por tratar-se de crença, existe sempre um atrito que impede o razoável equacionar do problema. Pode mesmo afirmar-se, no limite, que não há aqui qualquer equacionar possível, sobretudo porque a razão aspira sempre a uma crença que acompanha uma espécie de espírito hegeliano e que é, portanto, oposto à descrença na própria humanidade. Crer em deus, crer no universo, crer na humanidade, ou descrer de todos eles são coisas que a fé e a crença nivelam, mas que a razão indaga e insiste em esclarecer. É fácil excluir uma delas em benefício da outra (resolve a vida). É fácil esquematizar a dicotomia em que apenas as duas existissem (satisfaz a preguiça). É - ou seria - trágico pressupor todas as saídas do problema (é a triste aura do crente/descrente dogmático). Tenho para mim que a crença e a descrença são sempre territórios que não são firmes, i.e., é-se crente e descrente ao mesmo tempo que se é descrente e crente. As coisas atravessam-se e invadem-se  mutuamente do mesmo modo que a racionalidade é um fino verniz que resguarda a mais pura animalidade através da qual somos, amiúde, desejados, inscritos, relacionados, odiados, falados ou representados. Não sei se descreio da humanidade, mas sinto-o muitas vezes. Profundamente. Não apenas por Darfur. Mas por tanto olhar que funciona como um grande plano a observar, com algum perverso gáudio, a imaginada ou desejada catástrofe perpétua. Veja-se, por exemplo, o desígnio histérico dos jovens jornalistas da TV a narrarem o efeito dos incêndios de Verão. É essa prática de gritaria, de ruído e de banalização exagerada que torna o anormal - que sedimenta a notícia - na ordem do ordinário. Tornar o mundo num local onde tudo arde como se fosse um único evento possível é transformar o vivido num mar de pouca crença. Na Idade Média os monstros eram vistos como segnum, ou seja, como aquilo que escapava à ordem natural das coisas. O resto era emanação da criação divina ordenada e harmoniosa. Hoje, em vez de monstros temos noticários (e hipermundo) e em vez de crença temos homens a interpretarem homens. Sobra-nos falar de tudo isso com o mesmo misto de tentação que terá levado, um dia, Orfeu a olhar para Eurídice.

Biogénese
 


Não sei se a biografia inventada é um género que me interesse. O que ainda me interressa mais é a própria invenção, já que a biografia, essa, seria sempre o feliz reboque da viatura. Andam aqui uns apetites a singrar-me caminhos. Vejo nomes, vejo véus, vejo traços descontínuos. E nestas alturas solares em que o quotidiano tem tendência a imobilizar-se, aparecem sempre deleites de escrita no horizonte. Será desta? Talvez. Seguir os passos de quem já cá não está ainda é o mais fácil, mas ouvir a respiração, bem, esse é o maior passe de mágica nestes casos. E já há tanto precedente de qualidade!

quinta-feira, 29 de julho de 2004

Para quem gosta de gatos



e de gretas (salvo seja, my God). Interstícios. Verão, sempre Verão, no limiar das brumas. Sem memória. Hoje, aqui, com o terraço da minha casa a dar a volta ao mundo.
BB, today y toujours

Moi, j´aime aussi Le Mépris. Seja em que forma for. E Agosto, o grande invasor da impaciência está aí. De corpo inteiro. Para que nos possamos recompor. Ao léu. De olhos no céu (hoje, a quase lua cheia sobre os telhados fez-me lembrar a primeira do Nicéphore Niépce). Mas há sempre uma segunda. Não é?


Via Corpo Veloz.

O nome da disputa - 2

Se hoje fosse Segunda-feira, a Marta e o Francisco estariam empatados em primeiro lugar e eu enviaria um romance (não esgotado cá em casa) a cada um deles. À frente, no Intraminiscente, estão, neste momento, os títulos O Leme do Tempo e Quase a Respirar. Já se sabe que no Extra-Concurso onde tudo valia (escolha editorial a sério, já se vê) venceu O Inventor de Lágrimas. É com este último título que tenho que passar a viver. Para sempre. O que não quer dizer que não pegue noutro qualquer e o reinvente sob a forma de calda ficcional. Tentação é tentação... e já se sabe que é isso que procuramos a vida toda: uma real via aventurosa. Continuem a votar!
O Passarinho

Ontem estive numa sessão fotográfica. Das profissionais. Encostei o braço a cubos brancos de diversas dimensões, apoiei a cabeça sem fazer força para não estriar, sentei-me de perna cruzada ou alonguei os membros em direcção a nada, tentei condensar algum sorriso no olhar, fitei a câmara num misto de impessoalidade e desejo de presença, recuperei vezes sem conta os modos, tiques e gestos que me eram pedidos, errei com os meus fantasmas sem saber bem onde colocar o corpo e desejei, a partir de certa altura, que aquilo acabasse e se esfumasse. Penso que o fotógrafo deve ter entendido isso.
Seja como for, jamais me consegui alhear do estigma da mesa de operações, do aparato cénico e negro a cercear os volumes do corpo e do aparelhamento de montagem e ainda das inúmeras poses que envolvem o resíduo de plateau. O meu amigo José M. Rodrigues já o dizia há anos e anos e tinha toda a razão: sou um péssimo modelo. Escuso de tentar fazer concorrência ao Bruno Rosendo, ao Daniel, ao Rodrigo Soares, ao Rui Debelo, ao João Pedro e ao Gonçalo Athias. E esqueça-se a Fiona, a Sofia Moutinho, a Tatiana, a Teresa Coimbra, a Ana Afonso, a Mariza Cruz, a Raquel Ribeiro, a Sofia Baessa, a Jô, a Telma Santos, a Erika, a Inês Pereira a Ana Rita e a Mariana Carvalho de contracenarem comigo! 
O nome da disputa

O concurso para atribuição de um título ao romance Z (ver Comments do post Concurso Intraminiscente) vai de vento em popa. Segunda-feira haverá vencedor. Até lá, é batalhar!

terça-feira, 27 de julho de 2004

Possível?



Hoje morreram mais mil pessoas em Darfur. Um genocídio está em curso no lado poente do Sudão. Obrigado Nuno pelo necessário imperativo. Não interessa agora saber quem foi o primeiro e o segundo e o terceiro a denunciar esta barbárie. Fica para já o sinal. O estalo sentido na distância. O estado de alma rasgado e entreaberto a percorrer o horizonte. Fica para já à vista o pacto que alia o não dito ao não existente. Assim se desvive um povo, assim se aniquila quem não tem sequer direito a dizer a sua própria morte. Hoje morreram mais mil pessoas em Darfur. Amanhã o número repetir-se-á.

And the winner is

Onde conta, nesse local diáfano feito para que os compromissos tenham o sabor do vento a invadir o meu quintal, o vencedor foi:

O Inventor de Lágrimas

(entretanto, aqui, nos comments, a disputa continua. O primeiro votante no título que se venha a impor como vencedor nos comentários do Miniscente ganha um romance meu. Enviá-lo-ei por correio durante o celebrado mês de Agosto. OK?)

segunda-feira, 26 de julho de 2004

Concurso intraminiscente

Qual seria o melhor título para o romance Z?

Servido a Frio
O Leme do Tempo
Lábios à Tua Espera
Quase a Respirar
Lavado pela Cegueira
Reencontro Tardio
Despido pela Memória
Animal de Estimação
Assassino por Afeição
Esquecido a Ferros
O Inexplicável Capricho
Pela Calada da Morte
Crer-te Aqui
O Inventor de Lágrimas
O Farsante Enamorado
Sob a Nuvem de Poeira
Impenetrável Paixão
Bela sem senão
Desfeitos no Mesmo Perfil 
Aprendizes da Labareda
Pecado e Sangue Frio
A Brancura da Alma

O contexto deste concurso é secreto. Até ver
(salvaguardados os respectivos direitos de autor).
Fragrâncias

Pergunta-me a Pecola o que mudou ao fim de um ano. E eu respondo: aprendi a dizer o amor sob a forma de uma casa. Às vezes, a sinceridade pode ser um pântano. Mas agora, neste preciso momento, garanto que coincidiu com um pressentimento de algo que não está por vir. Já veio. Já lá estava há muitos anos, quando eu ia de bicicleta ao musgo e sonhava com perfumes à procura de forma.
Tempos ululantes

Já lá vai o tempo em que E.P.C. chamava "P.P.P." (Pobre Pacheco Pereira) ao senhor dito cujo. Lembram-se do J.L .do tempo das "Claras", a meados dos anos oitenta? Só que, no tempo do Cavaquismo, nem todos faziam o que Pacheco Pereira hoje faz. A memória nem sempre é uma rapariga solteira, de joelhos unidos e sempre muito bem comportadinhos.
Ilusión oliventina

Reiteradamente, os jornais desportivos utilizam "ilusão" para traduzir a ideia de "expectativa" ou de "esperança":  "Mesmo assim, não perde a ilusão de ser ele o escolhido dos encarnados". Que tino fatal rondará as redacções destes óptimos e necessários tabloidezinhos de estimação?
De facto, o dicionário da Real Academia Española possibilita o uso desse filão semântico através de "ilusión"; mas por cá, no congénere da Academia das Ciências de Lisboa, nas seis possibilidades expostas, nada disso se passa.

domingo, 25 de julho de 2004

Aqui escrito há uma ano
 
Como percorrer os anos e descer
entre glicínias até ao quintal onde o silêncio
é o que já foi
há tanto tempo afinal percorrido ?
Hoje, a um mês dos cinquenta



Domingo de frescura. Como salada com queijo feta, leio Amos Oz, trago oito lieder de Schubert para o escritório e volto a encarar o céu travejado pela bruma ácida, poeira lentamente gorgolejada pelos deuses. De hoje a um mês, parece mentira, faço cinquenta anos de idade. E juro que, apesar disso, há um puto destravado a correr entre as largas e desconhecidas veredas da consciência. Eu disse consciência? Há dias para a expiação da ternura. Tragédia que se consome no humor, ou no exagero da paródia em que se dilui o tempo. Admirado, eu? Talvez. Mas não o suficiente para que o pudesse confessar. Aprendi a não ser esquemático, a não perseguir mestres, a não produzir registos apenas para dar corpo a um outro corpo já prévio. Talvez seja isso a juventude: um ver que faz a ver se dá. Depois vem um ver que dá a ver se faz. E nem sempre faz. Sob o calor magnífico, garanto que a macieira é mais sábia do que tudo o resto. Domingo de frescura. Como saladas, leio ainda Amos Oz, sorrio para a superfície parada da água, revejo ao longe as alvenarias por caiar, penso em ti. Sem nome. Sem tédio. Pronome da segunda pessoa, face a mim. Do outro lado da confissão nascem todos os deuses. Sem excepção, ó sol!
Hoje, 25

Areias do deserto a sobrevoar o brilho quase opaco da baixa atmosfera.

sábado, 24 de julho de 2004

Escritas

Rio muitas vezes quando estou a escrever um ensaio que não é explicitamente sobre humor. Posso dizer que estou mesmo habituado a julgar as falsas concordâncias e as proclamações putativamente graves e austeras com um amplo sorriso. Mas como agora o tema do humor marcou encontro com a aprazada redacção de um ensaio (que retomei de Fevereiro passado - e que nada tem a ver com a série “Divertimentos” que estou a publicar no Miniscente), parece que se gerou na minha escrita, aqui e ali, o eco de uma gargalhada fantasmática, tétrica ou até sepulcral. Sinto que esse sonido estridente está a acompanhar a peugada da minha escrita, à medida que o teclado vai vibrando com o súbito aparecer dos grafemas. Um sigilo talvez pouco revelador, mas, ainda assim, admirado.
Estado líquido

 
Estou em Lisboa entre o fim da D. Carlos e o rio. Guindastes imobilizados, aragem quente e húmida, calor quase tropical. No meio deste ringue de espécies tórridas, o corpo parece levitar como que a pedir aos deuses para que se acamem em águas revoltas, longe do céu, longe da palavra, longe da tenra respiração dos mortais.
Hoje fui à editora e vi a capa do próximo romance que sairá no Outono. Gostei. Falta agora acrescentar ao tempo o longo rol do esquecimento assim como a vasta teia desaparecida ao longo da escrita. Sobre o título e restantes figuras darei conta em tempo oportuno. Dizem-me que é assim que funciona o marketing, i.e., levantando com dedos de seda as pontas do soutien, mas sem ousar expor ao sol o apetecido mamilo. Até porque a estratosfera está cheia de problemas, como se sabe. 

quinta-feira, 22 de julho de 2004

Divertimentos - 5
 
Na Galeria dos Divertimentos Em Curso (G.D.E.C.) há que entender o mar como uma massa densa e vastíssima que liga a “careta” à épica, o naufrágio à designação estratégica e o ministério de estado à polposa maresia de argumentos que já não convence ninguém. E por isso imagino Marques Mendes a sorrir diante da sua confessada e estival atracção pelas trutas. E por isso imagino Manuela Ferreira Leite a pronunciar o nome do fidalgo aprendiz diante dos Amers de Saint-John Perse (cadeira de braços e lona face às ondas macias de Julho):
 
 
Saint-John Perse

Poésie pour accompagner la marche d'une récitation en l'honneur de la Mer./Poésie pour assister le chant d'une marche au pourtour de la Mer./ Comme l'entreprise du tour d'autel et la gravitation du choeur au circuit de la strophe. 

E por isso imagino o bom Pacheco Pereira, entre estas bacantes poéticas e marítimas, a repetir mil vezes a expressão “Pobre País”. E por isso imagino as brandas conversas entre João Jardim e Jaime Ramos com o olhar prostrado no rebordo das desertas Ilhas Selvagens. E por isso imagino ainda Cavaco Silva a deliciar-se com figos da sua terra e a ler às escondidas o último romance da conterrânea Lídia Jorge, sob o calorão de vagas tantas vezes cantado por Teixeira Gomes. O mar, o mar, o mar. Sempre o mar. Assuntos de mar. Estratégicos. Muito estratégicos.
Já se sabe que Pedro e Paulo tudo fazem para espantar a sua própria caça (não nos esqueçamos de que a fortuna da paródia reside no facto de esta jamais temer o exagero). No entanto, para além disso, também já aprenderam a exigir exclusividade diária para o palco do G.D.E.C., o qual apenas é partilhado com uns tantos pontos que agenciaram no já falado Politeama, assim como nas nebulosas, airosas e palavrosas margens de Vila Nova de Gaia.


Divertimentos - 4

Ainda me lembro de uma frase de U. Eco publicada na Viagem na Irrealidade Quotidiana: “Enquanto o cómico é a percepção do oposto, o humorismo é o seu sentimento”. E hoje este breve registo tem andado a perseguir-me. A iconologia televisiva nacional é, nesta altura fogosa, mais do que suficiente para que a frase se vá actualizando quase involuntariamente. Minuto a minuto. Eis alguns dos últimos episódios:
 

 
a) O pai Soares acerca do filho Soares em directo para a SIC - Notícias: “(…) pelo menos tem um discurso estruturado com princípio, meio e fim”. Sem comentários.
b) Alfredo Barroso acerca de João Soares, na mesma circunstância: “Não estou aqui por ser primo dele”. Sem comentários.
c) Manuel Alegre, em súbita conferência de Imprensa: “Candidato-me a secretário-geral, mas não necessariamente a primeiro-ministro” (não era essa a já muito antiga tese de Santana Lopes?)
d) O presidente do Parlamento Europeu, mais ou menos estupefacto, no momento em que tão-só desejava anunciar o resultado da votação, enquanto o já conhecido eleito permanecia ausente: espera-se quase uma “eternidade” anunciada (e há ternos sorrisos no duplo hemiciclo).
e) Em S. Bento, entretanto, cronometrado com os ares globais, Santana Lopes aparece espargido em gel, óculos semi-ovais, gravata alvíssima, pose espontânea e tom altivo de comentador de áreas retóricas emergentes. E profere com abismada solenidade: A eleição de Durão Barroso prova que “Portugal é um país credível”.
E é preciso dizê-lo para se acreditar? Se não fosse, a credibilidade teria outras vestes, outras verves e outras vozes. Seguramente. Eis como o oposto surge sempre a navegar na bainha inquieta das palavras e no centro das mais cândidas posturas. É, afinal, o cómico a pairar sob a forma de insecto invisível, mas mordaz. E o sentimento de riso que transborda de tais cenários não é outro senão o de um estremado e, afinal, contido humor. Eis no que havia de dar ao nosso país, após a meta do Euro-2004 e do anterior epifenómeno casapiano!
Ele há realmente com cada assombro!
E ainda a Galeria dos Divertimentos Em Curso (G.D.E.C.) vai no adro!
No quintal
 

 
Petúnias brancas e roxas, sardinheiras e também algumas malvas avermelhadas entraram ontem à noite nos vasos e suspenderam-se no muro. Fazem contraste com as aromáticas que estão alinhadas no chão (tomilhos, salvas, alecrins, alfazemas, etc.). Olhar o novo quadro, hoje, com esta luz que prenuncia trovoada, é realmente esquecer as quilhas ao tempo. Vaguear de verão. Desmedido desejo de férias.

quarta-feira, 21 de julho de 2004

Divertimentos – 3
 
Eu bem dizia que a vida política dos próximos tempos ia ser matéria abundante para divertimento. De tal modo assim é que a coisa já se tornou em música quase quotidiana, ou em cascata de factos cada vez mais banais e correntes. Por isso mesmo, creio que em breve vai deixar de ser notícia e acontecimento. Mas, apesar de tudo, é de destacar - no dia de hoje - dois plots de estirpe bastante razoável.
Em primeiro lugar, a inusitada história Arnaut - Nobre Guedes (uma luta entre armas do mesmo exército em nome de causas e pretensas antiguidades vitalícias).
Em segundo lugar, o nobilíssimo enredo de filme que coloca no centro do acção a ex-governadora civil de Lisboa a transitar de uma secretaria de estado ligada à área da defesa para uma outra secretaria de estado, desta feita ligada às “artes e espectáculos”.
Eu aconselhava o nosso primeiro a ler a Estética de Baumgarten.

Perguntas da estação
 


A que sabe o coração da melancia, esse centro carnal e quase perfeito, esse rasto avermelhado de liquidez onde apenas esmorece o que não é fardo de sangue? 
E por que diz a mitologia que o vinho é incompatível com o pecado devorador, ou seja, com o excesso de entrega a esse fruto que é grandeza e massa de corpo?
Divertimentos – 2
 
Eu bem disse que a vida política dos próximos tempos nos ia dar momentos de muito boa disposição. Mas para tal é preciso ser-se um observador estóico e não muito impressionável com as desventuras do imediatismo político, mais inofensivas pelo bluff panfletário que comportam, do que pela sina de real ameaça que muitos propalam dramática e arrepiadamente (como se não estivéssemos, afinal, em democracia e, portanto, em concertada e pública vigilância). O dramatismo e o arrepio fazem parte dos programas políticos cuja estratégia é a auto-subsistência pura e onde se manuseia, de modo vibrátil, um discurso do tudo ou nada visando um público que possa dar-se conta de que ainda existe um locutor (partidário) que está vivo e que o consegue proferir.
Mas vamos às graçolas de hoje (e… são três):
a) É ver Santana Lopes a querer descer o IRS (gostava de ter visto a cara de Manuela Ferreira Leite nessa altura), já que os respectivos efeitos só se sentirão em 2005 (ano de eleições) se a medida for tomada este ano. Depois, lá veio o socialista Constâncio dizer que era mas era preciso ter juízo. E quem soube ler a simetria invertida deste acto único deve ter-se rido. Pois claro, convergência é convergência.
b) É ver Paulo Portas a defender as intrínsecas qualidades de Nobre Guedes para a pasta do ambiente com o seguinte argumento: O PP é um partido “que defende a vida”, logo é um “partido que defende a natureza”. Trata-se, como se vê, de um silogismo perfeito, de tal modo que, na premissa primeira, reenvia, com subtileza plebeia, quase todos os outros partidos para a defesa da morte. Como é óbvio e não podia deixar de ser. Para além do que diz, Portas sabe manter como poucos aquele ar de ilustre actor que trata a naturalidade com a mesma tosca desinibição com que endereça um brevíssimo olhar lateral para a câmara da televisão. Uma maravilha mitológica.
c) É ver, por fim, Morais Sarmento a afirmar que "este Governo não tem que responder pelas suficiências ou insuficiências do anterior". Já toda a gente sabia que a coligação mudou e que as naturezas em jogo eram radicalmente outras. Agora aparecem coligados o PP teórico e fatiótico (o prático ficou no Marco e na bela Ponte de Lima), a Força Santana em número razoável (PPD/FS), alguns Cindidos do Cavaquismo (PSD/CC), um ou outro Loureirista Contido (PSD/LC) e ainda algum Barrosismo remanescente (PSD/MR). No PSD real, as oposições são de monta e variadas. Escuso de exemplificar.

terça-feira, 20 de julho de 2004

Olhar
 
É já fim de manhã quando, de repente, descubro os braços da ameixoeira a instigar a brancura do muro.

segunda-feira, 19 de julho de 2004

Aqui escrito há um ano
 

 
"Um nome é sempre um nome. Daí o "Miniscente": um facto que celebra a reminiscência, mas sem remissão entre dois tempos, o da memória involuntária e o actual. No Miniscente, fica tudo num único plano, aberto, plural, imediato, voraz, rugido, ver-se-á o que mais."

Não há bela sem senão  
 

Klimt, 1918, A Noiva
 
Ou haverá? (fixem este post, pois ele é como gato com amplo rabo de fora)
O facto de este quadro ter aparecido reproduzido muito recentemente num jornal e hoje aqui é pura coincidência. Mas é que é mesmo. Juro.

Divertimentos  - 1
 
A vida política portuguesa vai ter nos próximos tempos um dado novo: o divertimento. Faz falta ao génio luso esse desiderato, tal é a fuligem austera e pessoanamente tímida que nos acompanha aqui e ali. Mas agora vamos finalmente ter direito a espectáculo e, portanto, vamos poder rir ao vivo diante do imprevisível brilho acrobata dos seus mentores. Para já há algumas notas preambulares a realçar: o discurso de tomada de posse do novo primeiro ministro. Uma compulsão de enganos, desacertos, silêncios, troca tintas e troca páginas com acertos de ritmo e alguns princípios engalanados com montagem de contra-campo. Um delírio que Santana pôs em cena conseguindo não ser e não dizer como é e como diz. Um primor. Antes já o PR tinha dado o dito por não dito. Depois de há uma semana se ter envolvido visceralmente com a solução governativa, agora repetia três vezes com oratória diversa que nada tinha a ver com os desígnios de Santana. É a táctica do oxímoro emocionado. Também não pode ser esquecida a talha dourada de areia fina que foi esse gesto de diversão maior a anunciar uma descentralização territorial de ministérios. Como se o terrítório e a reivindicação tantas vezes alvar dos edis tivessem alguma relação palpável com a real descentralização: imaterial, informática e resultante de reforma laboral radical (que nunca ninguém teve coragem de realizar até hoje). Há ainda a careta do menino Portas, fruto daquele tipo de deixas mal trabalhadas nas récitas de finalistas dos liceus. Há ainda a face premonitória de Nobre Guedes a evocar o estado do ambiente desde o Terciário. Há ainda Telmo Correia no Funchal a falar da volta ao Algarve em tartaruga. Há ainda a redenção kitsch de Sócrates ("invulgarmente astuta na gestão das fórmulas", como afirma EPC que tudo sabe e domina). Há ainda o restauro como proporção contemporânea da cultura. Há ainda os tiques de pose de estado dos que entram (amigos, figos e compromissos) e o exposto alívio dos que saem. Alguns, deve dizer-se, de vez e sem paciência sequer para partilhar uma caracolada com a malta do Politeama. Pois é: Passa por mim no Vazio.



domingo, 18 de julho de 2004

A melhor imagem da semana
 

via O Sexo dos Anjos
Obrigado blogosfera (ainda em actualização)!
 
Embora com medo de me esquecer de algum blogue que tenha felicitado o Miniscente no seu primeiro aniversário, não posso deixar de agradecer com muita alegria os votos endereçados aos seguintes amigos blogosféricos:
 
Montanha Mágica (empatias literárias e outras) Digitalis (com muita cumplicidade e sem confundir o dito com o seu homónimo), Desesperada Esperança (já agora, também, pela partilha de parto), Da Escola e Crónicas do Deserto (evocando aqui a amizade telúrica e tribal) , Touch of Evil (pela súbita sinceridade), No Arame (pela escrita e pela magia dos horizontes criados), Aviz (pelo real reconhecimento de uma simpatia), Memória Virtual (pelas digressões na terra da relatividade), Olho do Girino (pelo piscar de olho a meio da pista de dança), Bomba Inteligente (uma das maiores ciberamizades e admirações deste 2003-2004), Contra a Corrente (ler devotamente um ciberamigo conterrâneo, oculto e rigoroso), Eugênia In The Meadow (a bela e intensa correspondente carioca), Cruzes Canhoto (não vá o diabinho tecê-las em pano cru), Bolas de Berlim (sempre, mas agora com menos açúcar, s.f.f.), Guarda Nocturno (velar pelas brumas violáceas do anoitecer), Impensável (adorei a Casa do Camilo!), Melga (pica com sabor a luz), Intermitente (vaivém coerente para leitura atenta), Quartzo Feldspato e Mica (ecléctico e etéreo q.b.), Jaquinzinhos (viva o Benfica!), Babugem (amigo e amiúde visitante), Moodyswing (Com Travolta ou Madona, tanto faz!), Modernizador (ver crescer a terra e bater palmas em uníssono), Retorta (tanta volta que brilha mesmo!), Substrato (do Adamastor, a vista é realmente a do Sentimento do Ocidental) , Lugar Efémero (mas persistente), Intensidez (Ana, somebody loves you), Maschamba (a voz cúmplice, próxima e amiga do Índico), A Vida dos Meus Dias (destes e dos outros, sempre com grande entrega), Daedalus (a quem agradeço a caracterização lasciva da minha escrita), A Tasca (cheia de letras), Avatares de um Desejo (intercessor sadio de tanto tráfico de sonhos), Corpo Veloz (lavado em doces memórias de Alcoforado), Levemente Erótico (mas o suficiente para nos olharmos olhos nos olhos sem parar), Rua da Judiaria (uma leitura obrigatória e diária; saudades de sortilégios e o cumprimento de uma nova ciberamizade) e, sem que o fim signifique qualquer forma de limbo, o Socio(B)logue (a quem devo, na generosidade desinteressada de João Nogueira, muita ajuda para que o visual do Miniscente se tenha feito gente).


imagem criada por Nuno Guerreiro na Rua da Judiaria

 

P.S. Obrigado ainda a comentadores amigos, tais como Carlos Mariano, Cândida e Rui Amaral, e ao Circo de Feras com um beijinho deste ex-"professor favorito" da cadeira mais "detestada".



sábado, 17 de julho de 2004

O nome da língua
 
A capital de que mais aprecio o nome, em todo o mundo conhecido, é Paramaribo. Parece mentira mas é verdade.
Que língua se falará nesse país? 
Avance quem saiba.
Juro que não é tão fácil quanto descobrir qual vai ser a língua que, em Portugal, a partir de hoje, irá vigorar em ministérios como o do Ambiente, o do Turismo, o da Educação e ainda o da Cultura. Entre outros.
Até porque há línguas que não têm nome. E há outras, muitas e fartas, que são de trapo.

sexta-feira, 16 de julho de 2004

Sócrates
 
Mecenas do ócio verbal, anfitrião da orla vazia, galante do limbo astral. Uma mistura de pouca coisa a vaguear sem asas entre o espectro de Santana, a lenta hipnose do centro e o espelho curvo onde se contempla. Antes Lamego, antes qualquer um, mas monarquia não. Vitorino já era. Pudera! Tristes tempos estes, de um lado e do outro, em S. Bento ou na fachada do Rato. E agora, Sócrates? Dançar a rumba ou esperar por nada mais?
A saudade e a penumbra
 
Ontem cruzei-me com uma pessoa na rua e tive a sensação de que a conhecia há muito. Sorrimos, eu e ela, e o brevíssimo hiato passou. Já lá vai. Sempre terá pertencido a outro tempo, a uma outra duração mais ou menos paralela. Como se fosse uma fotografia invertida, um tivesse sido e não um ter sido. Imagem de dúvida alvitrada a partir de um futuro que seria redentor, e não apenas o habitual infinitivo preso a um passado barthesiano que exala e vive do percurso removido que transborda. Um encontro não pensado e totalmente imprevisível pode tornar-se assim no oposto de uma fotografia. É tangível (e não indexical), é metafórico e fantasioso (e não metonímico e testemunhador), é fulgurante e único (e não suspenso ou inevitavelmente bipartido entre representados e representante). Já lá vai. Quem seria? 
Bela sem senão
 
São tantos os agradecimentos que devo que vou esperar pelo coração do fim-de-semana para os escrever (além do mais, tenho que recorrer a um computador que não o meu para poder ler os comentários). Mas, para já, obrigado pela imensa generosidade.   
 
Recado para o meu próximo romance
 
A conformidade com a beleza é aquilo que faz com que uma coisa seja como é.
 
P.S. - Eu sei , seu sei. Troquei uma definição de essência de Heidegger por "conformidade com a beleza". Pois é aí mesmo que está a brincadeira.

quinta-feira, 15 de julho de 2004

Um Ano

Parabéns. Hoje o Miniscente faz um ano. A 15/07/03, pelas 12 horas, escrevia-se eu aqui: "À espera de que a blogosfera seja como o Saral. Um vasto mar de sal sem encontros. Pelo menos no início. Por isso mesmo o inicio sem aviso."
Depois a coisa melhorou e ascendeu. E transformou-se numa bola de fogo. Às vezes de neve. Fiz um novo tipo de amizades e partilhei palavras como se fossem nuvens subterrâneas. Obrigado a todos os leitores!
JÁ CÁ CHEGÁMOS. PARABÉNS. É O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO MINISCENTE. 15-07-03/04. PAUSA PARA FÉRIAS DE UM DIA. PELO MENOS.

quarta-feira, 14 de julho de 2004

Brrrr

Na véspera do primeiro aniversário do Miniscente, só não entendo por que é que os deuses me impedem de ler os comentários neste meu computador doméstico (carrego sobre comments e aparece uma mini-janela a acenar como se fosse pura graçola). É por isso que raramente respondo! De qualquer modo, peço desculpa.

terça-feira, 13 de julho de 2004

Faltam dois dias

Para o primeiro aniversário do Miniscente. O Concílio já decidiu: vamos continuar. Talvez com um compasso mais lento e um ritmo mais ténue. Será mesmo?
Frustrações necessárias

Acabei de escrever a sinopse e o texto de capa do meu próximo romance (sai no final de Setembro próximo). É o tipo de textos que menos gosto de escrever. Não se trata tanto de reduzir a anatomia e a memória fragmentária da escrita do romance (que decorreu entre Fevereiro de 2003 e Fevereiro deste ano), mas sobretudo trata-se de reduzir a palavras rápidas e traiçoeiras o que não pode sequer ser dito. Um romance não é uma mera soma de tramas, argumentos e histórias. Para além disso, e muito mais importante ainda, é a dimensão plástica, a música essencial e toda a sintaxe mais sigilosa que, tal como uma buganvília frondosa, fica por contar, por acontecer, por ser. Mas as sinopses são mesmo necessárias. Bem mais do que um ministério em cada Berlenga.

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Novas de Parati

Escreve a Sílvia do Rio:

Ainda ontem comentava com um amigo, a propósito dos portugueses, na saída de uma mesa de debates da Festa Internacional de Literatura de Parati da qual participava o Miguel de Sousa Tavares que foi um sucesso (pelo que disse e pelos - não comente ninguém - olhos azuis, coisa da brasileiros? Rimos todos, divertidos, no melhor sentido; a fila de autógrafos era de uns 80% feminina ), o quão pouco sabemos da literatura portuguesa hoje e fiz uma referência ao seu blog.

E eu agradeço!
Fim de semana alucinante

Andava eu a vaguear pela Casa de Camilo e a ouvir o anfitrião, o Prof. Aníbal Pinto de Castro, homem douto e recheado de humores, a ler a entrada do Eusébio Macário (que descreve a imagem gravada no relógio ainda hoje presente na trágica sala de bilhar da mansão), quando, a pouco e pouco, dou com as sinetas noticiosas que irrompiam em Lisboa. O ar de trovoada impôs-se e as reflexões fragmentárias sucederam-se:

1 - Foi Sampaio a dialogar entre a palavra dada e a inevitável cobra má das duas crises. Seguiu a via mais fácil e verosímil e entrou em colapso com a sua própria história. A desgraça tem a cor da misantropia política. A tal condição se candidatou Sampaio na passada Sexta-feira à noite. Paz à sua alma.

2 - Ferro, velho amigo de rota de Sampaio, amuou e decidiu tirar ilações pessoais a partir das ventanias de Belém. Demitiu-se e, ao fazê-lo, mostrou a natureza real da sua fraquíssima determinação. Além disso, voltou a dar provas - como tinha acontecido aquando do caso Casa Pia - da confusão de níveis por que sempre pautou a sua emotiva análise. Adeus Ferro.

3 - Imaginar Ferro como futuro candidato presidencial por "corporizar" descontentamentos é delírio puro. No mínimo. Portugal começa a ter uma excessiva e dispersa retaguarda de demissionismo. Terá algum sentido pescar nas águas paradas dessa retaguarda os futuros heróis da nossa tragicomédia? Creio que não. Sinceramente.

4 - Santana começou a disparar para todos os lados. Sem consistência alguma, pessimamente. A ideia peregrina de espalhar ministérios por N cidades não só não descentraliza (essa quastão é, hoje em dia, imaterial, informática e depende de reformas laborais sérias) como radicaliza e convoca os atritos regionais mais básicos que despertaram aqui e ali com as teias da regionalização (a do ido referendo e a do modelo Relvas). Não acredito na credibilidade deste governo para mobilizar o país e para levar a cabo qualquer tipo de reforma mais consequente.

5 - Tenho a convicção de que o governo que aí vem perdeu o centro. Tem contra si, na grelha de partida, não apenas as franjas das várias esquerdas em crise real e simbólica, mas também amplos sectores que, no pós-guterrismo, emprestaram o seu voto a Durão e ao fluxo reformista das finanças protagonizado pela seriedade puritana de Ferreira Leite e pela relativação política de Marques Mendes.

6 - Certos sectores que ainda não emergiram para a complexidade do tempo presente decidiram passar a equacionar tudo, outra vez, na óptica dos mil efeitos esquerda-direita. É a visão mais elementarista, é a tentação mais virada para as vitimizações imediatas, mas não corresponde de modo nenhum ao jogo múltiplo de posições que a situação política actual despoletou. E tudo está ainda por acontecer. A procissão vai no adro.

7 - A pequena política e a real tenderão, nos próximos meses, a encontrar-se ou a sobrepor-se. Sampaio, para mais, decidiu envolver-se na teia que delimita o agir do novo governo. Cada passo de Santana será sempre encarado como um tique acidental do próprio Presidente. Esta prestidigitação mútua tenderá a minimizar os males e a acentuar os gestos de mágica. Mas a crise social baterá à porta. Como há muito não se via. É o meu natural presságio.

8 - No meio desta cena de penumbras, já de si densíssima, com os actores a ocuparem espaços inesperados, eis que a notícia da morte de Maria de Lurdes Pintasilgo surge em bola de neve. Toda a expansão dramática que envolve a crise de sentido do fim-de-semana subitamente se recentra. Aparências. E o peso da evocação parece, apesar de tudo, muito leve. Suspenso ao longe como uma nuvem imóvel. E é assim que o próprio Eduardo Lourenço parece ter alguma razão, quando afirma: "Ninguém é Portugal".

sexta-feira, 9 de julho de 2004

Cometa

Sigo para o Minho (Famalicão). Até para a semana, blogosfera!

quinta-feira, 8 de julho de 2004

Falso céu azul

Hoje Lisboa está suspensa sobre a ausência. De Verão, de euforia, de governo, de rocks e de outras memórias de cor vincada. A cidade parece estar assente em fios de seda e, ao mesmo tempo, como que descola os seus frágeis alicerces de gaiola dos limiares do rio e das orlas agitadas das colinas. Há uma errância súbita naquela compreensão momentânea do tempo que designamos por crise. No entanto, hoje, mais do que errância há suspensão. Hoje, mais do que crise há amputação. Suave, cândida, enfadadamente portuguesa.

quarta-feira, 7 de julho de 2004

Imprecação


Ernst Barlach

O que faz o monstro é a ambiguidade das analogias e o desregramento da presença. A primeira é tão comum quanto invisível, o segundo é tão imprudente quanto ambicionado. É por isso que vivemos, no dia a dia, entre monstruosidades. Sem que com isso recusemos estar em cena. Basta olhar e ver.

terça-feira, 6 de julho de 2004

Conjuro


Marc Chagall

Entre subidas e descidas, existe um leme que ignora o tempo. É a lenta encenação da lua. Ei-la, agora, indecifrável. Petrificada. Ventosa. Noite de Outono em pleno Verão.
Gigantão

O país continua em regime de ecrã gigante: ninguém vê, mas todos seguem o colorido espectáculo que é vendido como se as equipas em jogo fossem A/por eleições antecipadas e B/contra eleições antecipadas. Já diziam os ecologistas: a caimnização consiste no movimento que conduz uma de duas aves de rapina irmãs a matar a outra. Let´s dance!
Imagens fortes



Durante nove anos, esta imagem clássica entrou na minha caixa de correio. Era um dos jornais da manhã de Amesterdão e mantinha - como mantém - um halo de intemporalidade. Hoje acordei a sonhar com estas formas. Nem sei porquê.

segunda-feira, 5 de julho de 2004

Come to being

O miniscente está precisamente a dez dias de cumprir um ano de vida. Neste momento ainda não sei se o dito irá continuar a existir, pelos menos no seu actual formato. Vai agora reunir-se o concílio. A ver vamos.
Cumprido

Confirmou-se o meu prognóstico. Parabéns Grécia!
(seja como for, a lusa legião também merece uma salva de palmas muito grande).

domingo, 4 de julho de 2004

Prognóstico

A vitória da Grécia teria uma séria vantagem: diminuir a corrente de barulho junto à janela do meu quarto. Tirando isso, é tudo uma questão de continuar a sorrir com as parábolas e metáforas dos jornalistas desportivos que descobrem na actual saga do Euro a reinvenção do "undívago Tejo" de Camões, tal como Garrett o escreveu: "Doutos e indoutos com geral aplauso/ Viram do novo Homero o canto insigne/ Que à pátria glória monumento augusto/ Sublime erguia. Soa o brado ingente/ Já pela Europa; e o nome lusitano/ Ao nome de Camões eterno se une". Quanto ao resto, venham os vinte e cinco estados e escolham. Eles nunca falham.

sábado, 3 de julho de 2004

Adeus Brando



O rosto cavado no enigma e a peripécia envolta no mesmo vão em que se cavou a limpidez da expressão. Era assim Marlon Brando.
Adeus Sofia



"Porquê jardins que nós não colheremos

Límpidos nas auroras a nascer,

Porquê o céu e o mar se não seremos

Nunca os deuses capazes de os viver."

quinta-feira, 1 de julho de 2004

Lembro que foi

no fim de um dia destes que me vi a dizer entre lábios: "mais vale um dia bem passado do que um romance recheado de sucesso".
Chegado

Já tenho rede no novo escritório. Do outro lado, na morna perspectiva do mundo off-line, fica o quintal com a ameixoeira e a macieira junto ao poço. Já sei que em breve não resistirei a repovoar o quintal com inúmeras outras espécies. A casa anterior não tinha sequer quintal e eu criei-o cheio de frondosas presenças. A ficção é sempre uma mentira, ou tão-só um fingimento, para falar de modo mais prudente, que tem alicerces apenas no modo pressagiado com que se enuncia. Dizer é já ser. E por isso eu digo esta minha renovada vista com letras de quem acabou de chegar e ainda nada viu. Até já.