Voz de Eduardo Nascimento
Fui à arca buscar o vinil, gravei-o para CD e pus no máximo. Janela aberta, ventania no cortinado, chuva torrencial e parece que foi mesmo hoje:
E o tempo mudou e ela não voltou
segunda-feira, 29 de setembro de 2003
Ordem dos Advogados vs Muito Mentiroso ?
Causídicos ligados à Ordem dos advogados estiveram na origem da chamada GOVD, organização tão activa e tão publicada no pseudo-blogue Muito Mentiroso ?
Há quem o afirme publicamente.
Causídicos ligados à Ordem dos advogados estiveram na origem da chamada GOVD, organização tão activa e tão publicada no pseudo-blogue Muito Mentiroso ?
Há quem o afirme publicamente.
Tabus do Vaticano
Os 31 novos cardeais que o Papa nomeou constituem, segundo o Economist, uma espécie de truque que visa perpetuar a ortodoxia vigente. Mas há quem sussurre que andam outros fumos a levantar-se pelas esquinas:
Many in the church, particularly in America, will be hoping that the pope’s eventual successor will be more liberal. The composition of the College of Cardinals, including this latest batch, appears to make this unlikely. But surprises can happen. Pope John XXIII was expected to be a “caretaker pope”. But Vatican II, the council that he established in 1962, succeeded in his aim of “throwing open the windows” of the church and implementing liberalising reforms more far-reaching, in their way, than anything Pope John Paul has achieved in the opposite direction. Who knows what a few well-directed prayers might do?
A coisa faz mesmo lembrar os plenos e os conclaves e as traições e os tabus do tempo do PCURSS.
Os 31 novos cardeais que o Papa nomeou constituem, segundo o Economist, uma espécie de truque que visa perpetuar a ortodoxia vigente. Mas há quem sussurre que andam outros fumos a levantar-se pelas esquinas:
Many in the church, particularly in America, will be hoping that the pope’s eventual successor will be more liberal. The composition of the College of Cardinals, including this latest batch, appears to make this unlikely. But surprises can happen. Pope John XXIII was expected to be a “caretaker pope”. But Vatican II, the council that he established in 1962, succeeded in his aim of “throwing open the windows” of the church and implementing liberalising reforms more far-reaching, in their way, than anything Pope John Paul has achieved in the opposite direction. Who knows what a few well-directed prayers might do?
A coisa faz mesmo lembrar os plenos e os conclaves e as traições e os tabus do tempo do PCURSS.
Faça-se doutor hoje já !
Chegou-me à caixa do correi electrónico o seguinte anúncio:
Podemos ajudá-lo a obter Diplomas de prestigiadas universidades com base nos estudos, formação, conhecimentos e experiência profissional de que já dispõe. Não são necessários exames, aulas, livros, nem sequer entrevistas. Diplomas de Licenciatura, Mestrado, MBA e Doutoramento na àrea da sua escolha - obtenha em poucos dias todos os benefícios e admiração que acompanham estes graus académicos! Garantimos a máxima confidencialidade. PARA UMA AVALIAÇÃO GRATUITA E SEM COMPROMISSO ENVIE-NOS UM E-MAIL INDICANDO O SEU NOME, LOCAL ONDE RESIDE, IDADE, ESTUDOS ACADÉMICOS, OUTROS ESTUDOS ( cursos, formação, seminários, estágios, etc.), A SUA EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL E O DIPLOMA QUE PRETENDE OBTER. (por favor aguarde entre 2 a 10 dias pela resposta).
Sem comentários.
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Sem comentários.
Eurocalmaria
O Abrupto, nem sempre inspirado, caracteriza hoje com algum fulgor o que foi o congresso do PP:
"PROZAC - Voando da "euro-acalmia" para a "euro-excitação", ou será o contrário?"
O Abrupto, nem sempre inspirado, caracteriza hoje com algum fulgor o que foi o congresso do PP:
"PROZAC - Voando da "euro-acalmia" para a "euro-excitação", ou será o contrário?"
Velhacas - 1
Grande parte da malta que escreve nos blogues - e muitos falam uns com os outros para gastarem menos telemóvel - anda ainda a ver como param as coisas. Parece o gatinho Farrusco com três meses de vida a ver se o novelo cai para o chão ou não. O pior é quando cai. O pior é quando cai o pano.
Grande parte da malta que escreve nos blogues - e muitos falam uns com os outros para gastarem menos telemóvel - anda ainda a ver como param as coisas. Parece o gatinho Farrusco com três meses de vida a ver se o novelo cai para o chão ou não. O pior é quando cai. O pior é quando cai o pano.
Frases felizes - 12
"Não fui à Marcha Branca. Não creio que seja por aí. Desde as invasões bárbaras, que já têm uns bons séculos, que as multidões não passam da ampliação da estupidez." (Flor de Obsessão)
"Não fui à Marcha Branca. Não creio que seja por aí. Desde as invasões bárbaras, que já têm uns bons séculos, que as multidões não passam da ampliação da estupidez." (Flor de Obsessão)
Terragen Images
Pela hora europeia !
Dá muito mais felicidade à alma ver o sol a perdurar pelo dia fora. Dá muito mais felicidade ao humor sentir aquela empatia única que faz com que o coração bata em todo o terreno, de um lado ao outro do velho continente.
De manhã, as nossas crianças, tal como as de Vigo ou de La Coruña, vão sentir a vida a emergir do claro-escuro do café para depois se instalar no alvor intenso do azul esperado. E assim vai ser também mais fácil empreender a lenta travessia que nos conduzirá pelos altos do solstício invernoso.
Matrimónios
É curioso que Frederico Garcia Lorca tenha escrito por volta de 1916: "hay un algo de inquietud y de muerte en estas ciudades calladas y olvidadas. No sé qué sonido de campana profunda envuelve sus melancolías..." (Impressiones y paisages, 1918). O poeta referia-se a Ávila, a Zamora e a Palência. Hoje em dia é este o universo mais perseguido por muito boa gente: casas de campo, montes, refúgios em vilas, turismos rurais ou urbanos, rotas dos castelos, nichos gastronómicos, quintas, pousadas, patrimónios mil.
O que era dantes a sonolência, à margem da segunda vaga de indústria mecânica, é hoje uma luz ao rubro na augurada qualidade de vida que pisca o olho ao digital... a dar para a lagoa esverdeada com umas antas ao fundo.
É curioso que Frederico Garcia Lorca tenha escrito por volta de 1916: "hay un algo de inquietud y de muerte en estas ciudades calladas y olvidadas. No sé qué sonido de campana profunda envuelve sus melancolías..." (Impressiones y paisages, 1918). O poeta referia-se a Ávila, a Zamora e a Palência. Hoje em dia é este o universo mais perseguido por muito boa gente: casas de campo, montes, refúgios em vilas, turismos rurais ou urbanos, rotas dos castelos, nichos gastronómicos, quintas, pousadas, patrimónios mil.
O que era dantes a sonolência, à margem da segunda vaga de indústria mecânica, é hoje uma luz ao rubro na augurada qualidade de vida que pisca o olho ao digital... a dar para a lagoa esverdeada com umas antas ao fundo.
Portugal fica no Alaska
Escreve a minha ex-aluna Ana Machado no Público de hoje: um estudo "elaborado por uma equipa do University College de Dublin, na Irlanda, analisou durante dez anos, entre 1988 e 1997, os índices de mortalidade de 14 países, cruzando os dados com informação sobre os factores ambientais, estilo de vida e prestação de cuidados de saúde e gastos nesta área. A equipa concluiu que, dentro da lista de 14 países, é em Portugal que mais se morre de frio."
Alaska, pois claro.
Escreve a minha ex-aluna Ana Machado no Público de hoje: um estudo "elaborado por uma equipa do University College de Dublin, na Irlanda, analisou durante dez anos, entre 1988 e 1997, os índices de mortalidade de 14 países, cruzando os dados com informação sobre os factores ambientais, estilo de vida e prestação de cuidados de saúde e gastos nesta área. A equipa concluiu que, dentro da lista de 14 países, é em Portugal que mais se morre de frio."
Alaska, pois claro.
Rankings
Há agora um ranking português, não de escolas, mas de blogues. Estamos em 129º lugar em 191 blogues inscritos na Lista da Technorati com os seguintes resultados: inbound blogs - 36 , inbound links - 37 , outbound links - 68 (não são ponderados aí os visitantes: 3.940 desde 6 de Agosto, embora tenhamos começado a meados de Julho). Estamos, pois, ainda fora dos grandes fluxos e das audiências de hora nobre. Mas num segundo canal bem feitinho, devíamos entrar em cena com as nossas acrobacias aí por volta das onze da noite, ou das sete da tarde. Não é nada mau.
Há agora um ranking português, não de escolas, mas de blogues. Estamos em 129º lugar em 191 blogues inscritos na Lista da Technorati com os seguintes resultados: inbound blogs - 36 , inbound links - 37 , outbound links - 68 (não são ponderados aí os visitantes: 3.940 desde 6 de Agosto, embora tenhamos começado a meados de Julho). Estamos, pois, ainda fora dos grandes fluxos e das audiências de hora nobre. Mas num segundo canal bem feitinho, devíamos entrar em cena com as nossas acrobacias aí por volta das onze da noite, ou das sete da tarde. Não é nada mau.
domingo, 28 de setembro de 2003
Frases felizes - 11
"Eu sei que é um assunto desinteressante. pelo menos é um assunto gasto. mas continuo à espera de uma Luz. quer dizer, procuro essa Luz, no pouco tempo que tenho. sim, falo da falta de tempo." (maradona, A Causa Foi Modificada)
"Eu sei que é um assunto desinteressante. pelo menos é um assunto gasto. mas continuo à espera de uma Luz. quer dizer, procuro essa Luz, no pouco tempo que tenho. sim, falo da falta de tempo." (maradona, A Causa Foi Modificada)
O fim é sempre uma metamorfose - 2
A morte e o fim, mais do que pontos absolutos, têm sido insistentemente descritos, nas escritas do Ocidente, e não só, como um tornar-se em qualquer coisa. As últimas e miríficas etapas das escatologias e das ideologias consubstanciavam (e as suas obedientes literaturas simbolizaram-no) a própria perfeição como uma espécie de relato de outra vida que se auto-regularia, dilatando, idealizando, anamorfoseando de certa forma, o tempo efémero e sempre insuficiente do presente. J.-C. Carrière chegou a caracterizar o fim dos tempos como “la fin de l´insupportable contradition” entre “le temps divin (surpême, absolu) et le temps humain (limité, relatif) ”. Só uma decisiva prática de atenuação ou corrosiva aproximação entre estes duas ordens (S. Eisenstad chamou-lhes “transcendente” e “mundana”, ambas criadas no último milénio pelas “civilizações axiais” ) é que poderia, com efeito, evitar que o fim continuasse a ser representado como uma verdadeira e paradoxal metamorfose. Certas formas actuais de compreender o tempo inserem-se ainda claramente nesta estratégia de manutenção do fim, enquanto estádio simultaneamente afastado e durável. Lendo F. Kermode, apercebemo-nos de que a crise é indubitavelmente um dessas formas que é "central no nosso empenho em prol do entendimento do mundo” . Mais do que o discurso do pós-qualquer coisa ou do fim de tudo - o que configura a tal aura apocalíptica que veio povoar um certo vazio que se desenhou, entre os limites pós-estruturais e o limiar do digital, é o discurso da crise que nos permite, melhor do que qualquer outro, perpetuar o transitório.
Nada é já como era, inapelavelmente.
Ficamos, pois, com a imagem fraterna da crise para dar corpo a esse desconsolo ou a esse spleen da alma.
A morte e o fim, mais do que pontos absolutos, têm sido insistentemente descritos, nas escritas do Ocidente, e não só, como um tornar-se em qualquer coisa. As últimas e miríficas etapas das escatologias e das ideologias consubstanciavam (e as suas obedientes literaturas simbolizaram-no) a própria perfeição como uma espécie de relato de outra vida que se auto-regularia, dilatando, idealizando, anamorfoseando de certa forma, o tempo efémero e sempre insuficiente do presente. J.-C. Carrière chegou a caracterizar o fim dos tempos como “la fin de l´insupportable contradition” entre “le temps divin (surpême, absolu) et le temps humain (limité, relatif) ”. Só uma decisiva prática de atenuação ou corrosiva aproximação entre estes duas ordens (S. Eisenstad chamou-lhes “transcendente” e “mundana”, ambas criadas no último milénio pelas “civilizações axiais” ) é que poderia, com efeito, evitar que o fim continuasse a ser representado como uma verdadeira e paradoxal metamorfose. Certas formas actuais de compreender o tempo inserem-se ainda claramente nesta estratégia de manutenção do fim, enquanto estádio simultaneamente afastado e durável. Lendo F. Kermode, apercebemo-nos de que a crise é indubitavelmente um dessas formas que é "central no nosso empenho em prol do entendimento do mundo” . Mais do que o discurso do pós-qualquer coisa ou do fim de tudo - o que configura a tal aura apocalíptica que veio povoar um certo vazio que se desenhou, entre os limites pós-estruturais e o limiar do digital, é o discurso da crise que nos permite, melhor do que qualquer outro, perpetuar o transitório.
Nada é já como era, inapelavelmente.
Ficamos, pois, com a imagem fraterna da crise para dar corpo a esse desconsolo ou a esse spleen da alma.
Incêndios - 2
Entretanto, antes da criação da nova Secretaria de Estado, o "DN marcou uma entrevista com o presidente do SNBPC(Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil), mas o ministro mandou cancelá-la."
Entretanto, antes da criação da nova Secretaria de Estado, o "DN marcou uma entrevista com o presidente do SNBPC(Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil), mas o ministro mandou cancelá-la."
Incêndios
Pronto, chegou finalmente a ideia que vai resolver tudo: a nova Secretaria de Estado das Florestas.
Pronto, chegou finalmente a ideia que vai resolver tudo: a nova Secretaria de Estado das Florestas.
O fim é sempre uma metamorfose
Afinal, fazendo companhia ao Socio(B)logue, o Fumaças decidiu recomeçar a vida outra vez do zero. Eis como cada fim é sempre e já uma metamorfose. O paraíso é um estigma narrativo e o inferno também o é. Mais do que metas de chegada, passe a redundância, ambos são estigmas de narratividade em curso. Assim é também o destino na blogosfera: reatares depois dos patamares. Deriva, errância, feliz flutuação. Reintroduzi já o link de ambos. Boa sorte.
Afinal, fazendo companhia ao Socio(B)logue, o Fumaças decidiu recomeçar a vida outra vez do zero. Eis como cada fim é sempre e já uma metamorfose. O paraíso é um estigma narrativo e o inferno também o é. Mais do que metas de chegada, passe a redundância, ambos são estigmas de narratividade em curso. Assim é também o destino na blogosfera: reatares depois dos patamares. Deriva, errância, feliz flutuação. Reintroduzi já o link de ambos. Boa sorte.
sábado, 27 de setembro de 2003
E o fumo a dissipar-se
Agora é o Fumaças que anuncia o seu fim (com apenas seis meses de vida). É pena.
Na blogosfera, as portas abrem-se e fecham-se com excessiva rapidez. Sinal dos tempos.
Agora é o Fumaças que anuncia o seu fim (com apenas seis meses de vida). É pena.
Na blogosfera, as portas abrem-se e fecham-se com excessiva rapidez. Sinal dos tempos.
I love jornalismo (rrr)
O corporativismo em Portugal é como geleia. Espalha-se com doçura, alarga-se com invisibilidade nas papilas gustativas e toma impiedosamente conta de todo o gosto sem que os indígenas dêem por isso. Quando a corporação é formada pelos que, por profissão, falam dos outros a coisa torna-se ainda mais espessa e perigosa.
É a chamada doença da objectividade. Ou, melhor dito, o chamado tabu do reviralho.
O corporativismo em Portugal é como geleia. Espalha-se com doçura, alarga-se com invisibilidade nas papilas gustativas e toma impiedosamente conta de todo o gosto sem que os indígenas dêem por isso. Quando a corporação é formada pelos que, por profissão, falam dos outros a coisa torna-se ainda mais espessa e perigosa.
É a chamada doença da objectividade. Ou, melhor dito, o chamado tabu do reviralho.
Frases felizes - 10
"Nós desejamos desejar, mas não verdadeiramente passar a vias de facto."
(Desejo Casar).
"Nós desejamos desejar, mas não verdadeiramente passar a vias de facto."
(Desejo Casar).
Memórias da RDA
O cineasta Leander Haussmann, nascido e crescido na torturadora e cinzenta RDA, realizou há quatro anos o filme Sonnenallee para contrariar o modo como, hoje em dia, as televisões tendem a banalizar as "tragédias do passado". O cienasta diz ao Der Spiegel: "Digamo-lo muito claramente: a RDA era um sistema de merda. Não consigo ainda hoje descobrir seja o que for de positivo. (...) A minha família, os meus amigos e eu mesmo não éramos heróis, mas também não éramos todos espiões (da STASI), nem seguidores acríticos".
É curioso que a lavagem de memória tenha tantos cúmplices.
Assim fica a perceber-se melhor por que é que existe um partido, cujo programa se caracteriza pelo apagamento e pela dissimulação desses passados. Para mais, o caso RDA - e demais muro de Berlim - parece estar a dar ao dito partido aliados sem fim. Viver em época de telecracia global é outra coisa, não é ? Já dizia Bertolucci que estamos cada vez mais a viver num mundo pautado por uma crescente "amnésia colectiva".
É claro que esforços como o de Haussmann são como verdadeiras gotas no oceano.
O cineasta Leander Haussmann, nascido e crescido na torturadora e cinzenta RDA, realizou há quatro anos o filme Sonnenallee para contrariar o modo como, hoje em dia, as televisões tendem a banalizar as "tragédias do passado". O cienasta diz ao Der Spiegel: "Digamo-lo muito claramente: a RDA era um sistema de merda. Não consigo ainda hoje descobrir seja o que for de positivo. (...) A minha família, os meus amigos e eu mesmo não éramos heróis, mas também não éramos todos espiões (da STASI), nem seguidores acríticos".
É curioso que a lavagem de memória tenha tantos cúmplices.
Assim fica a perceber-se melhor por que é que existe um partido, cujo programa se caracteriza pelo apagamento e pela dissimulação desses passados. Para mais, o caso RDA - e demais muro de Berlim - parece estar a dar ao dito partido aliados sem fim. Viver em época de telecracia global é outra coisa, não é ? Já dizia Bertolucci que estamos cada vez mais a viver num mundo pautado por uma crescente "amnésia colectiva".
É claro que esforços como o de Haussmann são como verdadeiras gotas no oceano.
Decorações
É triste reduzir a vida toda de um filósofo ao atributo "decorativo", como o fez O Comprometido Espectador. Goste-se ou não, estude-se ou não, leia-se ou não, aprofunde-se ou não, penso que haverá sempre um forte laivo de tristeza a brotar de uma tal redução ou condenação.
Nem que fosse pela defesa do "interesse" na relação directa com a obra de arte, contra a castração enunciada no primeiro momento do juízo do gosto do Kant (onde um sujeito "desinteressado" julga uma dada representação, acabando assim por definir o seu próprio gosto), já Adorno mereceria outro tratamento.
Não sou estudioso de Adorno, nem seu apólogo ou sequer advogado. Mas há momentos em que é difícil calar uma certa "indignação", para utilizar as sábias palavras do jogador Ricardo Rocha no final do autofágico Porto-Benfica de má memória.
É triste reduzir a vida toda de um filósofo ao atributo "decorativo", como o fez O Comprometido Espectador. Goste-se ou não, estude-se ou não, leia-se ou não, aprofunde-se ou não, penso que haverá sempre um forte laivo de tristeza a brotar de uma tal redução ou condenação.
Nem que fosse pela defesa do "interesse" na relação directa com a obra de arte, contra a castração enunciada no primeiro momento do juízo do gosto do Kant (onde um sujeito "desinteressado" julga uma dada representação, acabando assim por definir o seu próprio gosto), já Adorno mereceria outro tratamento.
Não sou estudioso de Adorno, nem seu apólogo ou sequer advogado. Mas há momentos em que é difícil calar uma certa "indignação", para utilizar as sábias palavras do jogador Ricardo Rocha no final do autofágico Porto-Benfica de má memória.
Invenções
Derrick de Kerckhove disse há uns anos, numa célebre entrevista oa Independente (Indy, 18/09/98): “Os gregos inventaram o teatro para recuperar a identidade que tinha sido estilhaçada pelo alfabeto."
E hoje, o que é que andamos todos a inventar, se já nos cansámos de hipnotizar a própria identidade ?
Derrick de Kerckhove disse há uns anos, numa célebre entrevista oa Independente (Indy, 18/09/98): “Os gregos inventaram o teatro para recuperar a identidade que tinha sido estilhaçada pelo alfabeto."
E hoje, o que é que andamos todos a inventar, se já nos cansámos de hipnotizar a própria identidade ?
Europa ainda sem constituição
Valéry definia assim a Europa, em La liberté de l´esprit , livro escrito no ano fatídico de 1939: "(trata-se de)um apêndice ocidental da Ásia que olha naturalmente para Oeste. A sul orla um mar ilustre cujo papel foi maravilhosamente eficaz na elaboração" de um propósito, ou de um projecto.
Valéry definia assim a Europa, em La liberté de l´esprit , livro escrito no ano fatídico de 1939: "(trata-se de)um apêndice ocidental da Ásia que olha naturalmente para Oeste. A sul orla um mar ilustre cujo papel foi maravilhosamente eficaz na elaboração" de um propósito, ou de um projecto.
Lógicas da memória
É nos seus Paraísos artificiais que Charles Baudelaire (na secção Un mangeur d´opium/ Visions d´Oxford, I, Le palimpseste) compara o cérebro humano a um autêntico "palimpsesto". Este seria composto por uma série de camadas (“des couches”) de ideias, de imagens e de sentimentos que sucessivamente se acamam de modo tão leve como a luz. Tudo se passa, nesta descrição caleidoscópica, como se cada camada do nosso cérebro devorasse (“ensevelissait”) a anterior, embora, na verdade, todas elas continuem vivas e presentes.
Este "palimpsesto" da memória humana apresenta, segundo a visão do poeta, dois níveis completamente distintos. Num primeiro patamar, coabitaria o caos fantástico e grotesco em permanente colisão com “elementos heterogéneos”; num segundo patamar, a fatalidade “du tempérament” seria antes levada a harmonizar os elementos que, à partida, se pudessem considerar verdadeiramente opostos ou irreconciliáveis.
Acrscenta ainda Baudelaire que, se pudéssemos dar voz simultânea aos variadíssimos ecos da memória que transportamos, então decerto que ouviríamos um "concerto, agradável ou doloroso, mas aparentemente lógico e sem dissonâncias".
É nos seus Paraísos artificiais que Charles Baudelaire (na secção Un mangeur d´opium/ Visions d´Oxford, I, Le palimpseste) compara o cérebro humano a um autêntico "palimpsesto". Este seria composto por uma série de camadas (“des couches”) de ideias, de imagens e de sentimentos que sucessivamente se acamam de modo tão leve como a luz. Tudo se passa, nesta descrição caleidoscópica, como se cada camada do nosso cérebro devorasse (“ensevelissait”) a anterior, embora, na verdade, todas elas continuem vivas e presentes.
Este "palimpsesto" da memória humana apresenta, segundo a visão do poeta, dois níveis completamente distintos. Num primeiro patamar, coabitaria o caos fantástico e grotesco em permanente colisão com “elementos heterogéneos”; num segundo patamar, a fatalidade “du tempérament” seria antes levada a harmonizar os elementos que, à partida, se pudessem considerar verdadeiramente opostos ou irreconciliáveis.
Acrscenta ainda Baudelaire que, se pudéssemos dar voz simultânea aos variadíssimos ecos da memória que transportamos, então decerto que ouviríamos um "concerto, agradável ou doloroso, mas aparentemente lógico e sem dissonâncias".
Falésias
É verdade que do outro lado da representação, das simetrias forçadas, das harmonias adquiridas, das categorias imaginadas, existe o fulgor da grande deriva sem nome, da imensa balbúrdia indeterminada, da gigante entropia sem corpo, da desmedida figuração à margem da ordem dos ritmos, hábitos, memórias e delimitações. É verdade que, para além da sintaxe do paraíso apolíneo, também existe, na imaginação humana, esta outra implosão explosiva que nos arrasta, ou para o inferno, ou para a doença, ou ainda para a beleza das falésias nocturnas, onde aquilo que flui vive da metamorfose imponderável do próprio fluir. Um nada é sempre algo próximo do abismo.
É verdade que do outro lado da representação, das simetrias forçadas, das harmonias adquiridas, das categorias imaginadas, existe o fulgor da grande deriva sem nome, da imensa balbúrdia indeterminada, da gigante entropia sem corpo, da desmedida figuração à margem da ordem dos ritmos, hábitos, memórias e delimitações. É verdade que, para além da sintaxe do paraíso apolíneo, também existe, na imaginação humana, esta outra implosão explosiva que nos arrasta, ou para o inferno, ou para a doença, ou ainda para a beleza das falésias nocturnas, onde aquilo que flui vive da metamorfose imponderável do próprio fluir. Um nada é sempre algo próximo do abismo.
Frases felizes - 9
"E vem aí a constituição europeia, que ninguém lê, que ninguém quer ler, mas da qual não nos vamos seguramente livrar." (Flor de Obsessão)
"E vem aí a constituição europeia, que ninguém lê, que ninguém quer ler, mas da qual não nos vamos seguramente livrar." (Flor de Obsessão)
Desvarios patrimoniais ou simples apego à limpeza ?
"A sociedade civil tem que participar neste processo de conservação do património. O Estado tem de definir as regras, mas os particulares têm de actuar. E património não são só edifícios classificados."
Nunca se sabe do que falam os patrimonialistas, se da própria excitação patrimónial, se do evidente e necessário asseio e conservação dos nossos espaços (públicos e privados). Ou serão, um e outro, a mesma coisa ?
Olhe que não, olhe que não são a mesma coisa.
"A sociedade civil tem que participar neste processo de conservação do património. O Estado tem de definir as regras, mas os particulares têm de actuar. E património não são só edifícios classificados."
Nunca se sabe do que falam os patrimonialistas, se da própria excitação patrimónial, se do evidente e necessário asseio e conservação dos nossos espaços (públicos e privados). Ou serão, um e outro, a mesma coisa ?
Olhe que não, olhe que não são a mesma coisa.
sexta-feira, 26 de setembro de 2003
C´est en Septembre !
Um dia passado entre autoestradas e o ritmo da nossa Lisboa a não conseguir excomungar-se das heranças de Verão. Giro, neste dia ainda solar, foi o ex-presidente da Guiné - aquele país que é notícia por cada dia que passa sem golpe de estado ou tiroteio em quartel - a aderir a um grupo de forcado. De resto, no novo Inimigo Público, o que gostei mais foi a meia página do gato fedorento.
Para além da eminência desses factos e da efeméride marcelista, a imagem que não me sai da cabeça é a dos juízes a conversarem civilizadamnente com uma jornalista da SIC (não foi hoje, eu sei, mas a coisa arrasta-se até hoje; há imagens que são como bolas de neve; diria o juíz com o seu ar cordato e educado: "são bolas de merda").
E que mais ? Palomas, pombinhas e um fim-de-semana que se adivinha já repartido entre a Atlântida e o mito do helicóptero perdido ou raptado por extra-terrestres.
Foi a pensar nisto tudo e ainda naquelas árvores de Outono que são pioneiras nas lides do Meco que ele cantou, há tanto tempo, "C´est en Septembre !"
Um dia passado entre autoestradas e o ritmo da nossa Lisboa a não conseguir excomungar-se das heranças de Verão. Giro, neste dia ainda solar, foi o ex-presidente da Guiné - aquele país que é notícia por cada dia que passa sem golpe de estado ou tiroteio em quartel - a aderir a um grupo de forcado. De resto, no novo Inimigo Público, o que gostei mais foi a meia página do gato fedorento.
Para além da eminência desses factos e da efeméride marcelista, a imagem que não me sai da cabeça é a dos juízes a conversarem civilizadamnente com uma jornalista da SIC (não foi hoje, eu sei, mas a coisa arrasta-se até hoje; há imagens que são como bolas de neve; diria o juíz com o seu ar cordato e educado: "são bolas de merda").
E que mais ? Palomas, pombinhas e um fim-de-semana que se adivinha já repartido entre a Atlântida e o mito do helicóptero perdido ou raptado por extra-terrestres.
Foi a pensar nisto tudo e ainda naquelas árvores de Outono que são pioneiras nas lides do Meco que ele cantou, há tanto tempo, "C´est en Septembre !"
quinta-feira, 25 de setembro de 2003
Frases felizes - 8
"Não se deve desprezar a importância de ter uma passada, uma velocidade própria, só nossa. É uma assinatura no passeio." (Gato Fedorento)
"Não se deve desprezar a importância de ter uma passada, uma velocidade própria, só nossa. É uma assinatura no passeio." (Gato Fedorento)
Literaturas e figuras - 2
Dantes, ao longo do tempo francamente moderno e teleológico, uma moda era uma prática alinhada, estilística e valorativamente, que se digladiava numa arena em que as causas últimas da vida estavam sempre, e muitas vezes rigidamente, em causa. E a própria literatura, mergulhada que estava nesses limbos catalogados através de diversíssimos sufixos em “ismo”, lá ia, alegre e contente, rumo às grandes certezas epicizantes de si próprias. Para um neorealista ou para um surrealista, para o seu público e para o seu leitor, estava sempre tudo bem, desde que no de dentro do seu esquema reprodutor e reconhecível de mónadas. O que não quer dizer que o apelo mais genuíno do literário se não atravessasse, aqui e ali, nesta práxis dominante.
No entanto, quando, a partir dos anos oitenta, o auditório se pluraliza e esta luta, diga-se alegórica, entre o bem e o mal se esvai; quando, a partir dos anos oitenta, as modas geram subitamente modos descentrados e desalinhados, podia parecer que a tendência para ofuscar e subsumir o literário, bem como para libertar a sua ficcionalidade, estaria a atingir o fim. Falsas profecias estas, já que o auditório do literário rapidamente se transformou em nicho - pluralizado, aberto e plural, é certo - de um novo self-service das imagens globais que passou, esse sim, a preencher, entre outros, o ser que a literatura figurara e representara ao longo de mais século e meio.
Dantes, ao longo do tempo francamente moderno e teleológico, uma moda era uma prática alinhada, estilística e valorativamente, que se digladiava numa arena em que as causas últimas da vida estavam sempre, e muitas vezes rigidamente, em causa. E a própria literatura, mergulhada que estava nesses limbos catalogados através de diversíssimos sufixos em “ismo”, lá ia, alegre e contente, rumo às grandes certezas epicizantes de si próprias. Para um neorealista ou para um surrealista, para o seu público e para o seu leitor, estava sempre tudo bem, desde que no de dentro do seu esquema reprodutor e reconhecível de mónadas. O que não quer dizer que o apelo mais genuíno do literário se não atravessasse, aqui e ali, nesta práxis dominante.
No entanto, quando, a partir dos anos oitenta, o auditório se pluraliza e esta luta, diga-se alegórica, entre o bem e o mal se esvai; quando, a partir dos anos oitenta, as modas geram subitamente modos descentrados e desalinhados, podia parecer que a tendência para ofuscar e subsumir o literário, bem como para libertar a sua ficcionalidade, estaria a atingir o fim. Falsas profecias estas, já que o auditório do literário rapidamente se transformou em nicho - pluralizado, aberto e plural, é certo - de um novo self-service das imagens globais que passou, esse sim, a preencher, entre outros, o ser que a literatura figurara e representara ao longo de mais século e meio.
Jaap de Hoop, o nome da NATO
Leio um comentário (sempre interessante) no Dicionário do Diabo. Trata-se do novo senhor da NATO: Jaap de Hoop ( o "J" lê-se "I", o "H" é aspirado como em Kent e o ditongo"OO" lê-se como o "Ô” de avô, embora com um pequeno "U" fechado a dar-lhe o toque de quem fumou muito na vida). Ou seja, "IÁP de HOUP" é a junção de um nome próprio popularucho, pelo menos tanto como "Jan" (e em honadês a parábola do Zé Povinho diz-se "Jan Arbeider"), com o substantivo sempre crente na humanidade "Hoop"/Esperançaa. O Jaap de Hoop é nome de futuro, já se vê. Só que o nome próprio é tão vulgar que na minha "Antologia de la Poesia Neerlandesa" (bilingue, El Bardo, Barcelona, 1971), há vários Jans (Elburg, Hanloo, Leopold ou o mais conhecido Campert) e não há nenhum Jaap. Para compensar a pobreza que aparece associada a Jaap, dedico-lhe e traduzo para a lusa língua uma parte de um poema de um dos Jans (neste caso, Engelman):
Verde é o gongue
bate verde, verde som
verde é o gongue do mar
Voz que me arrua e canta
campos de água, língua de água
pulmão de cobre da enseada
Ânsia da minha alma cravada,
oh sonho de água, salpico de água
Sequestra-me, robusto gongue !
Bate o gongue, entra Jaap e boa sorte !
Leio um comentário (sempre interessante) no Dicionário do Diabo. Trata-se do novo senhor da NATO: Jaap de Hoop ( o "J" lê-se "I", o "H" é aspirado como em Kent e o ditongo"OO" lê-se como o "Ô” de avô, embora com um pequeno "U" fechado a dar-lhe o toque de quem fumou muito na vida). Ou seja, "IÁP de HOUP" é a junção de um nome próprio popularucho, pelo menos tanto como "Jan" (e em honadês a parábola do Zé Povinho diz-se "Jan Arbeider"), com o substantivo sempre crente na humanidade "Hoop"/Esperançaa. O Jaap de Hoop é nome de futuro, já se vê. Só que o nome próprio é tão vulgar que na minha "Antologia de la Poesia Neerlandesa" (bilingue, El Bardo, Barcelona, 1971), há vários Jans (Elburg, Hanloo, Leopold ou o mais conhecido Campert) e não há nenhum Jaap. Para compensar a pobreza que aparece associada a Jaap, dedico-lhe e traduzo para a lusa língua uma parte de um poema de um dos Jans (neste caso, Engelman):
Verde é o gongue
bate verde, verde som
verde é o gongue do mar
Voz que me arrua e canta
campos de água, língua de água
pulmão de cobre da enseada
Ânsia da minha alma cravada,
oh sonho de água, salpico de água
Sequestra-me, robusto gongue !
Bate o gongue, entra Jaap e boa sorte !
Politicamente incorrecto já no século XV
O Projecto Vercial enviou-me a notícia de publicação de uma nova edição do Tratado de Confissom (edição APPACDM, Braga). Publicado pela primeira vez em 1489, é considerado o primeiro livro impresso em língua portuguesa. Segundo o press release, "o Tratado de Confissom é um manual para instrução do clero na difícil tarefa de ministrar o sacramento da penitência aos fiéis cristãos. Bastante polémico e politicamente incorrecto aos olhos actuais, ele é um retrato bastante realista dos comportamentos desviantes dos cristãos do século XV, especialmente no âmbito sexual. Nele são tratados em pormenor o adultério, a violação ou estupro, a pedofilia, o incesto, o aborto e a homossexualidade."
O Projecto Vercial enviou-me a notícia de publicação de uma nova edição do Tratado de Confissom (edição APPACDM, Braga). Publicado pela primeira vez em 1489, é considerado o primeiro livro impresso em língua portuguesa. Segundo o press release, "o Tratado de Confissom é um manual para instrução do clero na difícil tarefa de ministrar o sacramento da penitência aos fiéis cristãos. Bastante polémico e politicamente incorrecto aos olhos actuais, ele é um retrato bastante realista dos comportamentos desviantes dos cristãos do século XV, especialmente no âmbito sexual. Nele são tratados em pormenor o adultério, a violação ou estupro, a pedofilia, o incesto, o aborto e a homossexualidade."
quarta-feira, 24 de setembro de 2003
Soneto de embalar
atribuído ao Conde da Ericeira. Eis o início do poema que alveja uma dama sem lhe deslindar o nome:
Antes que, ouzada a vox, queyra profana
Antecipar hua expressaõ indina
Anima a consonancia, a que se inclina
Antevendo o perigo, o vença ufana
Até Amanhã Blogosfera. Durmam todos bem.
atribuído ao Conde da Ericeira. Eis o início do poema que alveja uma dama sem lhe deslindar o nome:
Antes que, ouzada a vox, queyra profana
Antecipar hua expressaõ indina
Anima a consonancia, a que se inclina
Antevendo o perigo, o vença ufana
Até Amanhã Blogosfera. Durmam todos bem.
Liturgias
Agora eis que chegou a altura solene de publicar uma posta que se propõe contribuir para a discussão que está em curso e que já mereceu um trabalho de casa interessante dos Cruzes Canhoto. Trata-se de entender que o período da chamada revelação cristã é ocorre num período em que a literatura apocalíptica judaica dominava imagética e retoricamente.
Ou seja, a revelação cristã surge, de facto, em termos históricos, no período marcado pela produção apocalíptica. Nos testemunhos cristãos mais antigos, como a Epístola de Paulo aos Tessalonicienses (ano 51 D.C.), é comum a presença de elementos tradicionais da apocalíptica judaica (por exemplo, a voz do arcanjo e a trompeta de Deus, anunciando a decisão divina - 4,15). Também o primeiro dos Evangelhos, o de Marco, escrito pouco depois do ano 70 D.C. (justamente após a destruição de Jerusalém), é organizado, segundo B. McGinn, "according a three-act apocalyptic drama". Passagens como Mc 13 e Mt 24 e 25 (onde a destruição do templo é relacionada com os signos do fim dos tempos) estão igualmente ligados ao imaginário apocalíptico. No entanto, é o Apocalipse de João que, retomando também temas e imagens dos apocalipses judaicos, introduz uma ruptura na matriz literária apocalíptica.
A escatologia surge aí como já inaugurada e a iminência dos fins ajusta-se a esse mesmo facto, já que os novos tempos são descritos como o próprio aqui-agora iniciado com a vinda e, sobretudo, com a morte do (anunciado) Messias. Embora a simbólica da redenção remeta para um avènement do novo reino, este só se viria a cumprir no mistério e constituir-se-ia, portanto, como objecto de revelação contínua. Daí o significado da liturgia cristã que, entre os protestantes, é sobretudo depurada e rendida a esta essencialidade e que, entre os católicos, associa uma mediação histórica e cultural a um conjunto de figuras e de indexicalidades físicas (muitas delas próximas da exaustão barroca).
Agora eis que chegou a altura solene de publicar uma posta que se propõe contribuir para a discussão que está em curso e que já mereceu um trabalho de casa interessante dos Cruzes Canhoto. Trata-se de entender que o período da chamada revelação cristã é ocorre num período em que a literatura apocalíptica judaica dominava imagética e retoricamente.
Ou seja, a revelação cristã surge, de facto, em termos históricos, no período marcado pela produção apocalíptica. Nos testemunhos cristãos mais antigos, como a Epístola de Paulo aos Tessalonicienses (ano 51 D.C.), é comum a presença de elementos tradicionais da apocalíptica judaica (por exemplo, a voz do arcanjo e a trompeta de Deus, anunciando a decisão divina - 4,15). Também o primeiro dos Evangelhos, o de Marco, escrito pouco depois do ano 70 D.C. (justamente após a destruição de Jerusalém), é organizado, segundo B. McGinn, "according a three-act apocalyptic drama". Passagens como Mc 13 e Mt 24 e 25 (onde a destruição do templo é relacionada com os signos do fim dos tempos) estão igualmente ligados ao imaginário apocalíptico. No entanto, é o Apocalipse de João que, retomando também temas e imagens dos apocalipses judaicos, introduz uma ruptura na matriz literária apocalíptica.
A escatologia surge aí como já inaugurada e a iminência dos fins ajusta-se a esse mesmo facto, já que os novos tempos são descritos como o próprio aqui-agora iniciado com a vinda e, sobretudo, com a morte do (anunciado) Messias. Embora a simbólica da redenção remeta para um avènement do novo reino, este só se viria a cumprir no mistério e constituir-se-ia, portanto, como objecto de revelação contínua. Daí o significado da liturgia cristã que, entre os protestantes, é sobretudo depurada e rendida a esta essencialidade e que, entre os católicos, associa uma mediação histórica e cultural a um conjunto de figuras e de indexicalidades físicas (muitas delas próximas da exaustão barroca).
Universidade
Estamos condenados a ver a malta a agitar o papel higiénico na mão. Estamos habituados a ver a malta a gritar - "Alô, alô, alô, alô, abaixo as propinas, viva a gelatina". Estamos feitos ao ver o pessoal a gritar - "Super-bock, super-moc, super-noc, super-doc, e o que é que a gente queria afinal ?"
A universidade deveria ser um mérito e não um covil de berreiros sem quaisquer causas.
Estamos condenados a ver a malta a agitar o papel higiénico na mão. Estamos habituados a ver a malta a gritar - "Alô, alô, alô, alô, abaixo as propinas, viva a gelatina". Estamos feitos ao ver o pessoal a gritar - "Super-bock, super-moc, super-noc, super-doc, e o que é que a gente queria afinal ?"
A universidade deveria ser um mérito e não um covil de berreiros sem quaisquer causas.
Frases felizes - 7
"No Inverno, os porcos espinhos procuram o calor uns dos outros, mas quando se aproximam acabam sempre por se magoar." (Ruminações digitais)
"No Inverno, os porcos espinhos procuram o calor uns dos outros, mas quando se aproximam acabam sempre por se magoar." (Ruminações digitais)
Literaturas e figuras como moedas
Se, para o analogismo, o essencial era a reprodução estética e a persistente dedução que uma literatura pode diversamente criar a partir de uma ordem superior (ao longo do séc. XX, muito menos teológica do que ideológica), para as correntes baseadas no "intertexto", na "paródia" ou no "dialogismo" (formas diversas de sinalizar o mesmo) e que aparentavam ruptura com o analogismo moderno, o essencial é e terá sido fragmentar, intertextualizar e parodizar o discurso já dado pela própria tradição analógica.
Um não poderia existir sem o outro. São ambos, no fundo, verso e reverso de um mesmo sistema de figuras que fez coabitar, como verdadeiros rostos de Janus, a tentação analógica dos grandes relatos ideais modernos com a tentação céptica de a criticar, “desconstruir” e envolver retoricamente.
Para além das dicotomias irmãs, tal como o são as moedas, olhemos em frente.
Abre los ojos !
Se, para o analogismo, o essencial era a reprodução estética e a persistente dedução que uma literatura pode diversamente criar a partir de uma ordem superior (ao longo do séc. XX, muito menos teológica do que ideológica), para as correntes baseadas no "intertexto", na "paródia" ou no "dialogismo" (formas diversas de sinalizar o mesmo) e que aparentavam ruptura com o analogismo moderno, o essencial é e terá sido fragmentar, intertextualizar e parodizar o discurso já dado pela própria tradição analógica.
Um não poderia existir sem o outro. São ambos, no fundo, verso e reverso de um mesmo sistema de figuras que fez coabitar, como verdadeiros rostos de Janus, a tentação analógica dos grandes relatos ideais modernos com a tentação céptica de a criticar, “desconstruir” e envolver retoricamente.
Para além das dicotomias irmãs, tal como o são as moedas, olhemos em frente.
Abre los ojos !
Finalmente
O Koweit lá congelou as contas bancárias ao Hamas e à Gihâd Islâmica. Mais vale tarde do que nunca.
O Koweit lá congelou as contas bancárias ao Hamas e à Gihâd Islâmica. Mais vale tarde do que nunca.
Frases felizes - 6
"Poucas coisas me mobilizam mais do que os direitos das crianças. Mas recuso-me a ser o idiota útil" (Barnabé)
"Poucas coisas me mobilizam mais do que os direitos das crianças. Mas recuso-me a ser o idiota útil" (Barnabé)
Nuvens
O Abrupto anda a vaguear na poética das nuvens.
Pelo facto de por aqui também apreciarmos todo o tipo de aventuras de Ícaro, o Miniscente deixa aos seus leitores umas nuvens da Rosalía de Castro:
Tal com´as nubes
qu´estalan por instantes
Y agora asombran, y agora alegran
os espaços inmensos d´o ceo
así as ideas
loucas qu´eu teño
as imaxes de múltiples formas
d´extrañas feituras, de cores incertos
agora asombran,
agora acraran,
o fondo sin fondo d´o meu pensamento.
O Abrupto anda a vaguear na poética das nuvens.
Pelo facto de por aqui também apreciarmos todo o tipo de aventuras de Ícaro, o Miniscente deixa aos seus leitores umas nuvens da Rosalía de Castro:
Tal com´as nubes
qu´estalan por instantes
Y agora asombran, y agora alegran
os espaços inmensos d´o ceo
así as ideas
loucas qu´eu teño
as imaxes de múltiples formas
d´extrañas feituras, de cores incertos
agora asombran,
agora acraran,
o fondo sin fondo d´o meu pensamento.
Ainda as classes
Quando o Eduardo Prado Coelho hoje diz que "existem classes, existem conflitos pontuais, mas não existe um projecto de acção política fundado em diferenças de classes", o que lhe faltou dizer é que um tal quadro deixou, há já algum tempo, felizmente, de se enquadrar na natureza com que a poilítica do nosso tempo se faz, se procura, se reflecte e se define.
Quando o Eduardo Prado Coelho hoje diz que "existem classes, existem conflitos pontuais, mas não existe um projecto de acção política fundado em diferenças de classes", o que lhe faltou dizer é que um tal quadro deixou, há já algum tempo, felizmente, de se enquadrar na natureza com que a poilítica do nosso tempo se faz, se procura, se reflecte e se define.
Festas, não obrigado !
Os católicos estão a entrar com o pé esquerdo no milénio.
Agora querem proibir todas as festividades durante as celebrações litúrgicas.
E eu que até gostei de algumas partes da entrevista que o Cardeal Patriarca deu à Antena 1 no passado Domingo, ao fim da manhã !
Os católicos estão a entrar com o pé esquerdo no milénio.
Agora querem proibir todas as festividades durante as celebrações litúrgicas.
E eu que até gostei de algumas partes da entrevista que o Cardeal Patriarca deu à Antena 1 no passado Domingo, ao fim da manhã !
Terei acabado ?
Foi ontem que me apercebi que o fim estava ok, que as personagens estavam definidas, que a história voava com fluência e que as palavras estavam coladinhas ao texto. Olhei para a janela e pensei - temos romance ! Mas há sempre um perímetro indefinível entre o que é o espaço do romance escrito e aquilo que é o não-espaço do romance por escrever ou o espaço não escrito do romance. É nesta ladeira de possíveis, ladeada por árvores quase em fruto, que tenho andado a cambalear desde ontem à noite (bastante tarde).
Talvez responda à sacrossanta pergunta daqui a uns dias, i.e., terei mesmo acabado o meu último romance ?
Sou eu mesmo o autor
Afinal sou eu mesmo o autor do livro de poesia que vai sair agora neste Outono, com a chancela da Hugin, e que terá como título "50 poemas para a blogosfera". Deixo assim contente a Sharon Stone, a leitora candidata a pequenas provocações e a cócegas retóricas de segunda classe que tem andado a querer a reinar comigo nesta bela imaterialidade blogosférica.
Vai ser uma bomba, juro-lhe, em nome do instinto fatal !
Foi ontem que me apercebi que o fim estava ok, que as personagens estavam definidas, que a história voava com fluência e que as palavras estavam coladinhas ao texto. Olhei para a janela e pensei - temos romance ! Mas há sempre um perímetro indefinível entre o que é o espaço do romance escrito e aquilo que é o não-espaço do romance por escrever ou o espaço não escrito do romance. É nesta ladeira de possíveis, ladeada por árvores quase em fruto, que tenho andado a cambalear desde ontem à noite (bastante tarde).
Talvez responda à sacrossanta pergunta daqui a uns dias, i.e., terei mesmo acabado o meu último romance ?
Sou eu mesmo o autor
Afinal sou eu mesmo o autor do livro de poesia que vai sair agora neste Outono, com a chancela da Hugin, e que terá como título "50 poemas para a blogosfera". Deixo assim contente a Sharon Stone, a leitora candidata a pequenas provocações e a cócegas retóricas de segunda classe que tem andado a querer a reinar comigo nesta bela imaterialidade blogosférica.
Vai ser uma bomba, juro-lhe, em nome do instinto fatal !
terça-feira, 23 de setembro de 2003
Frases felizes - 5
"Durante a audição das testemunhas de acusação, dois dos três juízes conversaram e riram animada e quase incessantemente." (Espelho Mau)
"Durante a audição das testemunhas de acusação, dois dos três juízes conversaram e riram animada e quase incessantemente." (Espelho Mau)
Pathos de Outono - 2
O céu ainda muito azul. A definição dos tons a exacerbar as vozes muito ao longe. As cortinas imóveis e a memória dividida entre a melancolia do Outono e a imagem quase prisioneira de uma promessa de felicidade.
Mas qual ?
Stendhal ter-lhe-á chamdo beleza (de facto chamou-lhe a "promessa de uma alegria").
O céu ainda muito azul. A definição dos tons a exacerbar as vozes muito ao longe. As cortinas imóveis e a memória dividida entre a melancolia do Outono e a imagem quase prisioneira de uma promessa de felicidade.
Mas qual ?
Stendhal ter-lhe-á chamdo beleza (de facto chamou-lhe a "promessa de uma alegria").
Escritas para breve
Pessoas como a Helena de Matos (vale a pena ler) não entendem que a natureza assenta em morfologias dinâmicas. Ou seja, as coisas ondulam e mudam: um burro é gingão e não maquínico, é fractal e não pum pum forever. É por estas e por outras que o meu próximo ensaio não será sobre semiótica, nem sobre o António Damásio, nem sobra a hipermodernidade, nem sobre a instantaniedade tecnológica, nem sobre a alteridade islamo-cristã, nem sobre a enunciação na literatura profética, nem sobre literatura ou a ubiquidade da blogosfera. Não, o meu próximo ensaio vai ser uma Crítica à genealogia das práxis das esquerdas. Talvez o faça com aforismos facilmente explicitáveis e compreensíveis, não me caia a dogmática inquisição em cima. Há muito que a coisa me andava a tentar, mas agradeço agora à Helena de Matos a exiguidade linear do seu texto como potente estimulante para o dito ensaio e reflexão.
Vou já falar com o editor.
Pessoas como a Helena de Matos (vale a pena ler) não entendem que a natureza assenta em morfologias dinâmicas. Ou seja, as coisas ondulam e mudam: um burro é gingão e não maquínico, é fractal e não pum pum forever. É por estas e por outras que o meu próximo ensaio não será sobre semiótica, nem sobre o António Damásio, nem sobra a hipermodernidade, nem sobre a instantaniedade tecnológica, nem sobre a alteridade islamo-cristã, nem sobre a enunciação na literatura profética, nem sobre literatura ou a ubiquidade da blogosfera. Não, o meu próximo ensaio vai ser uma Crítica à genealogia das práxis das esquerdas. Talvez o faça com aforismos facilmente explicitáveis e compreensíveis, não me caia a dogmática inquisição em cima. Há muito que a coisa me andava a tentar, mas agradeço agora à Helena de Matos a exiguidade linear do seu texto como potente estimulante para o dito ensaio e reflexão.
Vou já falar com o editor.
Dados curiosos
Há dados que são curiosíssimos por si sós e que não merecem grandes comentários. Sobretudo quando provocam os dogmaticamente correctos da margem esquerda do planeta (muitos deles recriando o antisemitismo, embora convencidos de que o fazem por via de causas que dizem ser nobres. Chapeau !). Eis então os dados que extraí do Prospect (Londres): A comunidade judaica norte-americana votou 11% em Bush-pai, 9% em Perot e 80% em Clinton; depois votou 19% em Bush filho e 78% em Al Gore. Segundo uma sondagem da IPSOS, neste preciso momento, se houvesse eleições nos EUA, a comunidade votaria 26% nos Republicanos e uns 64% nos democratas.
Há quem se preocupe em descupabilizar o terrorismo e esqueça tudo o que se passa a montante.
Há dados que são curiosíssimos por si sós e que não merecem grandes comentários. Sobretudo quando provocam os dogmaticamente correctos da margem esquerda do planeta (muitos deles recriando o antisemitismo, embora convencidos de que o fazem por via de causas que dizem ser nobres. Chapeau !). Eis então os dados que extraí do Prospect (Londres): A comunidade judaica norte-americana votou 11% em Bush-pai, 9% em Perot e 80% em Clinton; depois votou 19% em Bush filho e 78% em Al Gore. Segundo uma sondagem da IPSOS, neste preciso momento, se houvesse eleições nos EUA, a comunidade votaria 26% nos Republicanos e uns 64% nos democratas.
Há quem se preocupe em descupabilizar o terrorismo e esqueça tudo o que se passa a montante.
segunda-feira, 22 de setembro de 2003
Cientificamente
Bateu-me à porta e parece ser um bom portal sobre as coisas da ciência. Voltarei a abri-lo quando acabar o romance. Está quase. É o que faz ter várias vidas.
Bateu-me à porta e parece ser um bom portal sobre as coisas da ciência. Voltarei a abri-lo quando acabar o romance. Está quase. É o que faz ter várias vidas.
Diversamente
Agradeço as palavras ao Dicionário do Diabo e ao Reflexos de Azul Electrico. Sabe bem estar diversamente bem acompanhado.
Agradeço as palavras ao Dicionário do Diabo e ao Reflexos de Azul Electrico. Sabe bem estar diversamente bem acompanhado.
Pathos de Outono
É nestes dias que já dizem adeus ao Verão mas que ainda não prefiguram o ar das sementeiras e a excitação dos pássaros a sentirem o novo cheiro da terra, é nestes dias que já se distanciam da alegria das noites estivais mas que ainda não indiciam as rentrées e a redoma dos anos lectivos, é nestes dias que já têm saudade do calor mas que ainda não pressentem guarda-chuva de manhã à noite; é nestes dias do início de Outono que, numa palavra, se sente melhor o que é a melancolia. E é nestes mesmos dias que que pode respirar-se um pathos incomparável e de uma riqueza sem fim.
É nestes dias que já dizem adeus ao Verão mas que ainda não prefiguram o ar das sementeiras e a excitação dos pássaros a sentirem o novo cheiro da terra, é nestes dias que já se distanciam da alegria das noites estivais mas que ainda não indiciam as rentrées e a redoma dos anos lectivos, é nestes dias que já têm saudade do calor mas que ainda não pressentem guarda-chuva de manhã à noite; é nestes dias do início de Outono que, numa palavra, se sente melhor o que é a melancolia. E é nestes mesmos dias que que pode respirar-se um pathos incomparável e de uma riqueza sem fim.
domingo, 21 de setembro de 2003
Olhar a janela no início do Outono
Ao longe, algumas nuvens, o feno cansado e recortado, oliveiras salteadas e uma figueira sem nome. Marcos de telefone e o melro a tentar entender a intemporalidade. Uma fita de asfalto apeada da passagem e, por cima, o ar ainda parado sem saber em que sentido flutuar. Nada mais se ouve. Terá sido sempre assim.
Ao longe, algumas nuvens, o feno cansado e recortado, oliveiras salteadas e uma figueira sem nome. Marcos de telefone e o melro a tentar entender a intemporalidade. Uma fita de asfalto apeada da passagem e, por cima, o ar ainda parado sem saber em que sentido flutuar. Nada mais se ouve. Terá sido sempre assim.
Diz António Barreto no Público
"Já bem mais importante, útil e urgente é a remodelação do PS, da sua direcção e sobretudo do seu secretário-geral. Este partido encontra-se num lastimoso estado. Prisioneiro de tendências e fracções, é também refém do PC e do Bloco. A fuga de Guterres, o terrorismo internacional, a guerra do Iraque, o défice público e a pedofilia deixaram-no destroçado. A sua direcção parece composta de amadores e de dirigentes de uma pró-associação de estudantes. Apesar dos seus alegados talentos como gestor do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Ferro Rodrigues tem revelado uma total falta de jeito e autoridade. Confunde berraria com firmeza. Perfilha contradições alheias e simpatiza com todas as ideias que julga serem de esquerda, por mais aberrantes que sejam. O vozeirão de Mário Soares e o fantasma de Guterres limitam-lhe os movimentos, a sinceridade e a inteligência. Os mais reputados e capazes dirigentes do partido remetem-se a um incómodo silêncio, à espera da inevitável queda de Ferro. Melhor fariam se decidissem pôr a casa em ordem. A remodelação do líder e da direcção do PS é uma clara urgência, para bem da democracia e da vida pública. Tal como para a esquerda."
E não diz nada mal.
"Já bem mais importante, útil e urgente é a remodelação do PS, da sua direcção e sobretudo do seu secretário-geral. Este partido encontra-se num lastimoso estado. Prisioneiro de tendências e fracções, é também refém do PC e do Bloco. A fuga de Guterres, o terrorismo internacional, a guerra do Iraque, o défice público e a pedofilia deixaram-no destroçado. A sua direcção parece composta de amadores e de dirigentes de uma pró-associação de estudantes. Apesar dos seus alegados talentos como gestor do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Ferro Rodrigues tem revelado uma total falta de jeito e autoridade. Confunde berraria com firmeza. Perfilha contradições alheias e simpatiza com todas as ideias que julga serem de esquerda, por mais aberrantes que sejam. O vozeirão de Mário Soares e o fantasma de Guterres limitam-lhe os movimentos, a sinceridade e a inteligência. Os mais reputados e capazes dirigentes do partido remetem-se a um incómodo silêncio, à espera da inevitável queda de Ferro. Melhor fariam se decidissem pôr a casa em ordem. A remodelação do líder e da direcção do PS é uma clara urgência, para bem da democracia e da vida pública. Tal como para a esquerda."
E não diz nada mal.
sábado, 20 de setembro de 2003
As casas portuguesas
O escritor Holandês Gerrit Komrij escreveu no seu romance Trás-os-Montes (Achter de Bergen):
“Uma balaustrada régia, barrocamente retorcida, contra um muro cego. Uma larga escadaria cerimonial que conduz a uma porta de cozinha para anões da floresta. Uma escada de betão em caracol que termina dois metros acima do ponto mais alto do telhado. Uma fachada com sete alpendres cimentados na parede. Uma varanda com vinte colunas romanas de betão, em redor de uma caixa de blocos absolutamente pirosa. Uma fachada caseira com duas torres medievais. Um cakewalk de betão às ondinhas que dá acesso ao jardim do segundo andar. Um beiral com smurfes. Uma varanda no segundo andar sem porta. Uma porta de abrir no segundo andar sem varanda. Muito mármore, também. Ornamentos sem sentido. Perdoe-se-me o pleonasmo.”
É a nossa paisagem (nortenha, mas não só) vista por outros olhos.
O escritor Holandês Gerrit Komrij escreveu no seu romance Trás-os-Montes (Achter de Bergen):
“Uma balaustrada régia, barrocamente retorcida, contra um muro cego. Uma larga escadaria cerimonial que conduz a uma porta de cozinha para anões da floresta. Uma escada de betão em caracol que termina dois metros acima do ponto mais alto do telhado. Uma fachada com sete alpendres cimentados na parede. Uma varanda com vinte colunas romanas de betão, em redor de uma caixa de blocos absolutamente pirosa. Uma fachada caseira com duas torres medievais. Um cakewalk de betão às ondinhas que dá acesso ao jardim do segundo andar. Um beiral com smurfes. Uma varanda no segundo andar sem porta. Uma porta de abrir no segundo andar sem varanda. Muito mármore, também. Ornamentos sem sentido. Perdoe-se-me o pleonasmo.”
É a nossa paisagem (nortenha, mas não só) vista por outros olhos.
Frases felizes - 4
"(...)nada temos a temer pois temos uma enorme trincheira para nos proteger, o buraco orçamental." (O Complot)
"(...)nada temos a temer pois temos uma enorme trincheira para nos proteger, o buraco orçamental." (O Complot)
Sintaxes de ouro
"De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, nao ipomtra a odrem plea qaul as lrteas de uma plravaa etaso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo." (Fumaças)
"De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, nao ipomtra a odrem plea qaul as lrteas de uma plravaa etaso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo." (Fumaças)
Frases felizes - 3
" (...) a grande diferença entre a «esquerda» e a «direita» (latu sensu, para simplificar) - para além da já clássica diferença de ponderação atribuida à liberdade e à igualidade - não hesitaria em referir, à cabeça, um elemento que continua a marcar indelevelmente a discussão em torno dessa dicotomia, no que respeita à percepção da natureza humana. Refiro-me à "Fé Iluminista".(Contra a corrente)
" (...) a grande diferença entre a «esquerda» e a «direita» (latu sensu, para simplificar) - para além da já clássica diferença de ponderação atribuida à liberdade e à igualidade - não hesitaria em referir, à cabeça, um elemento que continua a marcar indelevelmente a discussão em torno dessa dicotomia, no que respeita à percepção da natureza humana. Refiro-me à "Fé Iluminista".(Contra a corrente)
Imagens e salvação - 2
Diz o Voz do deserto, um dos meus blogues preferidos: "No assunto da Salvação ou participamos no jogo da cadeira tentando ser ligeiros para alcançar os lugares celestiais assim que a música pára, ou somos ateus tranquilos entretidos com o copo de refrigerante."
Pergunto: e se se juntar a tranquilidade do refrigerante ao desejo do instantanismo que me permite apagar a imagem (a da dança com cadeiras), não entraremos logo no hipercéu ?
Diz o Voz do deserto, um dos meus blogues preferidos: "No assunto da Salvação ou participamos no jogo da cadeira tentando ser ligeiros para alcançar os lugares celestiais assim que a música pára, ou somos ateus tranquilos entretidos com o copo de refrigerante."
Pergunto: e se se juntar a tranquilidade do refrigerante ao desejo do instantanismo que me permite apagar a imagem (a da dança com cadeiras), não entraremos logo no hipercéu ?
Imagens de imagens: diálogo
Diz-se no Reflexos de Azul Electrico: "A época da imagem foi aquela, teológica, onde a imagem de Deus organizava todas as outras, mas também todas as coisas, e que, secretamente, nos dizia que o «existente» na sua insana profusão era sempre o mesmo, uma pálida imagem de algo mais essencial, a salvação, para que tudo remetia, e de que dava testemunho."
Pergunto: mas este postular do único existente a habitar na imagem das imagens não se está a repor, a pouco e pouco, na disputa instantanista e global da imaterialidade hipertecnológica, depois de refluídos todos os futuros (escatológicos, ideológicos e outros) ? O globário imaterial dos chips não é, em jeito de self-service, quase o mesmo que a grande scrita da catedral gótica ? Só que nesta aspirava-se a chegar LÁ enquanto que naquele (no globário) JÁ se está sempre LÁ. A salvação começou por ser o alvo de uma peregrinção em direcção ao Existente distante e acaba, hoje em dia, por ser o estar a acontecer do instantanistmo, hic et nunc, o qual foi sempre augurado pela mística e pela revolução Já (ambas queriam ver o seu Deus a salvar-nos no agora e aqui). Isn´t is ? (Abraço)
Diz-se no Reflexos de Azul Electrico: "A época da imagem foi aquela, teológica, onde a imagem de Deus organizava todas as outras, mas também todas as coisas, e que, secretamente, nos dizia que o «existente» na sua insana profusão era sempre o mesmo, uma pálida imagem de algo mais essencial, a salvação, para que tudo remetia, e de que dava testemunho."
Pergunto: mas este postular do único existente a habitar na imagem das imagens não se está a repor, a pouco e pouco, na disputa instantanista e global da imaterialidade hipertecnológica, depois de refluídos todos os futuros (escatológicos, ideológicos e outros) ? O globário imaterial dos chips não é, em jeito de self-service, quase o mesmo que a grande scrita da catedral gótica ? Só que nesta aspirava-se a chegar LÁ enquanto que naquele (no globário) JÁ se está sempre LÁ. A salvação começou por ser o alvo de uma peregrinção em direcção ao Existente distante e acaba, hoje em dia, por ser o estar a acontecer do instantanistmo, hic et nunc, o qual foi sempre augurado pela mística e pela revolução Já (ambas queriam ver o seu Deus a salvar-nos no agora e aqui). Isn´t is ? (Abraço)
Frases felizes - 2
"creio que a divisão «esquerda / direita» se reporta, antes de mais, a questões de ordem essencialmente filosófica. Sempre soube que não era de esquerda e que era de direita por uma razão evidente: sou um pessimista antropológico, e sem alguma crença na «Humanidade» não é possível perfilhar ideias de esquerda" (Dicionário do diabo)
"creio que a divisão «esquerda / direita» se reporta, antes de mais, a questões de ordem essencialmente filosófica. Sempre soube que não era de esquerda e que era de direita por uma razão evidente: sou um pessimista antropológico, e sem alguma crença na «Humanidade» não é possível perfilhar ideias de esquerda" (Dicionário do diabo)
Frases felizes
"Mas não me venham agora com essa fantasia absurda de que a nossa comunicação social é dominada pela direita. Para além disso, eu não sou de direita." (Abrupto)
"Mas não me venham agora com essa fantasia absurda de que a nossa comunicação social é dominada pela direita. Para além disso, eu não sou de direita." (Abrupto)
sexta-feira, 19 de setembro de 2003
Espionagens e expiações
Agradeço ao Fumaças, ao palavras mudas e ao Jaquinzinhos terem-me avisado que anda alguém a querer fazer-me uma pergunta sem utilizar o meu próprio mail. Ao contrário do que essa misteriosa pessoa afirma, não tenho links de comentários porque não sei colocá-los. Se algum "ciberkid" me está a ouvir, neste momento, que entre em cena para me ajudar. Sobre a democraticidade (local-global) da blogosfera acho que detenho uns elementos interessantes para reflexão. Vou deixar assentar a poeira e depois direi o que há a dizer. Para já, obrigado pela solidariedade !
Agradeço ao Fumaças, ao palavras mudas e ao Jaquinzinhos terem-me avisado que anda alguém a querer fazer-me uma pergunta sem utilizar o meu próprio mail. Ao contrário do que essa misteriosa pessoa afirma, não tenho links de comentários porque não sei colocá-los. Se algum "ciberkid" me está a ouvir, neste momento, que entre em cena para me ajudar. Sobre a democraticidade (local-global) da blogosfera acho que detenho uns elementos interessantes para reflexão. Vou deixar assentar a poeira e depois direi o que há a dizer. Para já, obrigado pela solidariedade !
Novos ventos literários
Nas narrativas mitológicas e nas narrativas literárias modernas, digamos pós-iluministas, as grandes gestas e as deslumbrantes caminhadas humanas eram motivadas, quando não profundamente codificadas, por histórias modelares, ou por leitmotivs ligados a grandes e nobres causas colectivas. Nas flutuações do tempo contemporâneo, a ficcionalidade literária tem-se tornado muito mais aberta, policentrada e permeável até a um certo despojamento e, portanto, quase naturalmente que se tem apeado desses portos de abrigo de origem extra-literária e de raíz fundamentalmente ética.
Toshihizo Izutsu - que além de tradutor é também, curiosamente, um estudioso do Islão - referiu, no seu livro The Concept of Belief in Islamic Theology (1965), a existência de uma “relação ética” entre Deus e o Homem que seria, afinal, a base de todas as religiões do Livro. Do mesmo modo, poder-se-ia dizer que toda a literatura verdadeiramente heróica criada na era moderna das grandes ideologias (pós-1850 até, mais ao menos, à Segunda Grande Guerra Mundial) enveredou estruturalmente pelo modelar, pelo arquétipo, pelo grandes valores salvíficos do homem, de tal modo que o antigo Deus “ético” apareceria agora como que substituído e literariamente transposto pelo grande desígnio também “ético” que a humanidade teria, por si só, cientificamente inventado ou recriado.
Nas literaturas actuais que aparecem despidas da tradição que fez a literatura ser a literatura tal como hoje ainda de certa forma a recordamos e entendemos, os sentidos de legitimação totalizante da própria espécie humana, assentes em fundamentos que se reflectem em “grandes narrativas”, ou em relatos exemplares, terão cada vez mais tendência a esvair-se. Ficará talvez a grande história, ou o simples enredo paródico e intertextual, mas decerto sem aquela bengala essencialmente explicativa, anterior e matricial dos actos, dos gestos e das causas humanas. Ficará a grande história ou o elementar enredo irónico, a sós, porventura algo depurado, mas decerto à procura das vozes e da poética desse ser que fala e que se expande na e através da literatura.
No fundo, o que se augurará é um regresso do literário ao modo - ou ao método - essencialista e simples que - por exemplo - os pré-socráticos nos legaram, mas agora sabendo-lhe somar a experiência e o decantar dos nossos balanços repletos de nostalgia, mas também de toda a imensa energia construtiva acumulada pelas mais diversas culturas onde a literatura se veio a transformar, de forma vital, numa prática destacada e sobretudo numa rede plural e interimaginativa.
Uma literatura marcadamente actual, e não saudosa das inflexíveis arquitecturas escatológicas de toda a natureza, não se poderá assumir apenas - no seu vinco mais profundo e “saramaguês” (a interessante expressão é de Eugénio Lisboa) - como uma legitimação, ou como uma pura consagração do déjà vécu, filtrado pelo unanimismo correcto das mais variadas integrações e explicabilidades sociais - sejam elas mitológicas, ideológicas, políticas ou relativas a causas e valores tidos como singularizadamente “éticos”.
É possível que nos tenhamos já aproximado do tempo em que abertura e até a indefinição da codificação literária nos apareça como um enigma amigo e não tanto como uma imagem saturada, esquemática e poluída de outras codificações de origem não literária. Por outras palavras, é possível que uma nova ecologia literária venha a definir, a breve trecho, um novo modo de pensar, de ler e de escrever a literatura. E talvez assim ainda continue a existir literatura neste mundo que já não é mais dotado dos instrumentos, das leis e das sociabilidades que viram justamente nascer e datar a literatura, enquanto prática estética codificada por uma poiesis analógica moderna.
Uma nova literatura pode ainda vir a ser um facto entre verdades e factos, neste mar, ou neste nosso globário de identidades flutuantes, de mil navegações e de disputas sempre acentradas, digitais e rizomáticas. Digo-o, repito, com algum moderado optimismo, tendo também em conta a vaga muito em voga do hipertexto, do zapping textual, dos nossos blogues e do logomapping muito próprio do cibermundo, mas também das micromensagens fragmentárias de telemóvel.
Milenarmente, Deus e o homem fecharam-se no ciclo ético da teodiceia, conspirando punições e inventando a natureza (boa e má) dos actos praticados. Secularmente, as ideologias e o homem fecharam-se no ciclo ético dos julgamentos finais no planeta terra (e já não no além), através de mil paraísos e miragens quasi científicos. Desse mesmo modo, também a literatura se fechou, desde as suas muitas origens, num pacto quase irrevogável entre esses variados ciclos éticos, profundos e marcantes, e a respiração à superfície do que deveria ser e é o essencial: o labor ficcional e o exercício da retórica (passe a metáfora maniqueísta da alma e corpo literários).
Nas narrativas mitológicas e nas narrativas literárias modernas, digamos pós-iluministas, as grandes gestas e as deslumbrantes caminhadas humanas eram motivadas, quando não profundamente codificadas, por histórias modelares, ou por leitmotivs ligados a grandes e nobres causas colectivas. Nas flutuações do tempo contemporâneo, a ficcionalidade literária tem-se tornado muito mais aberta, policentrada e permeável até a um certo despojamento e, portanto, quase naturalmente que se tem apeado desses portos de abrigo de origem extra-literária e de raíz fundamentalmente ética.
Toshihizo Izutsu - que além de tradutor é também, curiosamente, um estudioso do Islão - referiu, no seu livro The Concept of Belief in Islamic Theology (1965), a existência de uma “relação ética” entre Deus e o Homem que seria, afinal, a base de todas as religiões do Livro. Do mesmo modo, poder-se-ia dizer que toda a literatura verdadeiramente heróica criada na era moderna das grandes ideologias (pós-1850 até, mais ao menos, à Segunda Grande Guerra Mundial) enveredou estruturalmente pelo modelar, pelo arquétipo, pelo grandes valores salvíficos do homem, de tal modo que o antigo Deus “ético” apareceria agora como que substituído e literariamente transposto pelo grande desígnio também “ético” que a humanidade teria, por si só, cientificamente inventado ou recriado.
Nas literaturas actuais que aparecem despidas da tradição que fez a literatura ser a literatura tal como hoje ainda de certa forma a recordamos e entendemos, os sentidos de legitimação totalizante da própria espécie humana, assentes em fundamentos que se reflectem em “grandes narrativas”, ou em relatos exemplares, terão cada vez mais tendência a esvair-se. Ficará talvez a grande história, ou o simples enredo paródico e intertextual, mas decerto sem aquela bengala essencialmente explicativa, anterior e matricial dos actos, dos gestos e das causas humanas. Ficará a grande história ou o elementar enredo irónico, a sós, porventura algo depurado, mas decerto à procura das vozes e da poética desse ser que fala e que se expande na e através da literatura.
No fundo, o que se augurará é um regresso do literário ao modo - ou ao método - essencialista e simples que - por exemplo - os pré-socráticos nos legaram, mas agora sabendo-lhe somar a experiência e o decantar dos nossos balanços repletos de nostalgia, mas também de toda a imensa energia construtiva acumulada pelas mais diversas culturas onde a literatura se veio a transformar, de forma vital, numa prática destacada e sobretudo numa rede plural e interimaginativa.
Uma literatura marcadamente actual, e não saudosa das inflexíveis arquitecturas escatológicas de toda a natureza, não se poderá assumir apenas - no seu vinco mais profundo e “saramaguês” (a interessante expressão é de Eugénio Lisboa) - como uma legitimação, ou como uma pura consagração do déjà vécu, filtrado pelo unanimismo correcto das mais variadas integrações e explicabilidades sociais - sejam elas mitológicas, ideológicas, políticas ou relativas a causas e valores tidos como singularizadamente “éticos”.
É possível que nos tenhamos já aproximado do tempo em que abertura e até a indefinição da codificação literária nos apareça como um enigma amigo e não tanto como uma imagem saturada, esquemática e poluída de outras codificações de origem não literária. Por outras palavras, é possível que uma nova ecologia literária venha a definir, a breve trecho, um novo modo de pensar, de ler e de escrever a literatura. E talvez assim ainda continue a existir literatura neste mundo que já não é mais dotado dos instrumentos, das leis e das sociabilidades que viram justamente nascer e datar a literatura, enquanto prática estética codificada por uma poiesis analógica moderna.
Uma nova literatura pode ainda vir a ser um facto entre verdades e factos, neste mar, ou neste nosso globário de identidades flutuantes, de mil navegações e de disputas sempre acentradas, digitais e rizomáticas. Digo-o, repito, com algum moderado optimismo, tendo também em conta a vaga muito em voga do hipertexto, do zapping textual, dos nossos blogues e do logomapping muito próprio do cibermundo, mas também das micromensagens fragmentárias de telemóvel.
Milenarmente, Deus e o homem fecharam-se no ciclo ético da teodiceia, conspirando punições e inventando a natureza (boa e má) dos actos praticados. Secularmente, as ideologias e o homem fecharam-se no ciclo ético dos julgamentos finais no planeta terra (e já não no além), através de mil paraísos e miragens quasi científicos. Desse mesmo modo, também a literatura se fechou, desde as suas muitas origens, num pacto quase irrevogável entre esses variados ciclos éticos, profundos e marcantes, e a respiração à superfície do que deveria ser e é o essencial: o labor ficcional e o exercício da retórica (passe a metáfora maniqueísta da alma e corpo literários).
quinta-feira, 18 de setembro de 2003
terça-feira, 16 de setembro de 2003
De novo entre capítulos.
Regressei ao romance. Vou tentar acabá-lo esta semana. Parece sempre que falta pouco, mas, depois, lá aparece na berma de uma qualquer estrada perdida o nome da infinidade. Uma pequena flor que não tem fim. Há encantos assim, tão apelativos quanto ambíguos.
Aparecerei menos no MINISCENTE.
Ventanias locais: uma pequena história pessoal
Como diz o meu ciberamigo MacGuffin, também eu "teimo" em viver em Évora. Dou as minhas aulas em Lisboa e regresso à base. Entretanto, desde o início do ano passado que passei a assessorar, em tempo parcial, a área da cultura na autarquia (função não essencial ou principal na minha vida). Imagine-se, agora, que decido, em Julho passado, por puro gosto, criar e gerir uma espécie de blogue-fórum sobre as coisas locais da cidade (o Evorasim). Desde então para cá, sempre com pseudónimos, tenho sido alvo de chicana fulanizada como jamais pensei ser possível. Nunca imaginei que fosse tão fácil e mundano confundir-se a legitimidade da diferença política com uma excitada fúria contra (toda) a lógica do poder. O populismo mais redutor anda, de facto, aí à solta. E, para mais, num meio pequeno, como se torna fácil confundir funções e papéis desempenhados (sejam eles quais forem) com uma elementar iniciativa de mediação do debate público ! Enfim, para além do desabafo, decidi falar nestes factos e nestas "teimosias", aqui na intimidade do MINISCENTE, sobretudo porque me parece que a compreensão da democracia e do uso das liberdades ainda está muito longe, entre nós, de certos níveis de maturidade. E isso preocupa-me.
Já agora, aconselho a ler o texto do post abaixo publicado, de algum modo a versar o assunto noutra perspectiva.
Regressei ao romance. Vou tentar acabá-lo esta semana. Parece sempre que falta pouco, mas, depois, lá aparece na berma de uma qualquer estrada perdida o nome da infinidade. Uma pequena flor que não tem fim. Há encantos assim, tão apelativos quanto ambíguos.
Aparecerei menos no MINISCENTE.
Ventanias locais: uma pequena história pessoal
Como diz o meu ciberamigo MacGuffin, também eu "teimo" em viver em Évora. Dou as minhas aulas em Lisboa e regresso à base. Entretanto, desde o início do ano passado que passei a assessorar, em tempo parcial, a área da cultura na autarquia (função não essencial ou principal na minha vida). Imagine-se, agora, que decido, em Julho passado, por puro gosto, criar e gerir uma espécie de blogue-fórum sobre as coisas locais da cidade (o Evorasim). Desde então para cá, sempre com pseudónimos, tenho sido alvo de chicana fulanizada como jamais pensei ser possível. Nunca imaginei que fosse tão fácil e mundano confundir-se a legitimidade da diferença política com uma excitada fúria contra (toda) a lógica do poder. O populismo mais redutor anda, de facto, aí à solta. E, para mais, num meio pequeno, como se torna fácil confundir funções e papéis desempenhados (sejam eles quais forem) com uma elementar iniciativa de mediação do debate público ! Enfim, para além do desabafo, decidi falar nestes factos e nestas "teimosias", aqui na intimidade do MINISCENTE, sobretudo porque me parece que a compreensão da democracia e do uso das liberdades ainda está muito longe, entre nós, de certos níveis de maturidade. E isso preocupa-me.
Já agora, aconselho a ler o texto do post abaixo publicado, de algum modo a versar o assunto noutra perspectiva.
O estado do ensino - 2 (Por que não tem Portugal uma direita e uma esquerda inteligentes ?)
O meu colega Eduardo Esperança volta a enviar-nos um texto de grande interese sobre o ensino superior em Portugal, mas não só. É da autoria de André Freire. Neste texto, reflectem-se alguns pontos que, há já algum tempo, ando a querer registar.
Nomeadamente, é um facto que gostava de viver num país onde as diferenças fossem afirmação e não rancor, e onde a direita pudesse apreciar a inteligência da esquerda e a esquerda pudesse apreciar a inteligência da direita. Contudo, o antinomismo continua a conduzir a carruagem. Se a direita está no poder, lá vêm os estigmas mais papistas que o papa que sobrevalorizam o não-estado e a linguagem acerca da linguagem da iniciativa (mais fetiches do que desejadas realidades). Se a esquerda está no poder, lá vêm os estigmas que repousam em palavras de ordem (outro fio de retórica) assim como o irresistível apelo do mercado acaba transformado em grupos de estudo. O estado, esse, fica sempre adiado para a categoria de pior estado (a administração, por exemplo, é intocável). O caso do ensino é emblemático no quadro deste desarranjo que as persistentes antinomias esquerda-direita (tão longe, na complexidade contemporânea, de recobrirem os verdadeiros problemas que se põem a todos nós) vão gerando.
Pena é, pois, que metade do país olhe com desconfiança destruidora a outra metade, pensando que é essa a forma de estatuir e marcar campos e diferenças. O mais decisivo, o gesto corajoso e reformador raramente aparece. Somos um país a viver no ponto morto do centro. Repetindo, no campo social e político, os últimos jogos da selecção nacional (jogo a meio campo e lances individualistas e casuísticos).
Caminhámos para a frente até à Expo-98, ritualizámos Timor em 1999, descobrimo-nos a falhar na convergência orçamental em 2001/2002 e, em 2003, acabámos a discutir os tabus e os pudores e as traições encarnadas na pedofilia. Somos um país a expiar, a projectar a sua catarse para fora do corpo que necessataria atenção e cuidado. Vejamos, no caso do ensino, portanto, onde começa e acaba essa carência, essa falha, essa falta de respeito e orgulho próprios (o corpo é que paga). Segue o texto enviado:
O Ensino Superior Público (ESP) cumpre, pelo menos, duas funções. Primeiro, proporcionar idênticas condições de ascensão social para os cidadãos, independentemente das suas origens sociais. Segundo, contribuir para a modernização do país, através da qualificação da mão-de-obra e, portanto, para a sua competitividade internacional.
Há vários exemplos do desinvestimento do actual governo no ESP e na Ciência, que contrariam a trajectória recente nesta matéria. Primeiro, as opções vertidas no Plano de Estabilidade e Crescimento, 2002-06: crescimento nulo das despesas anuais nominais com o ESP. Segundo, desinvestimento na formação pós graduada: pela primeira vez nos últimos seis anos o número de bolsas de investigação científica desceu para menos de 1000, nomeadamente por candidaturas não aprovadas. Terceiro, entre 2002 e 2003 (primeiros semestres), os maiores cortes orçamentais atingiram cinco ministérios entre os quais se encontram o da Educação (3º) e o da Ciência e Ensino Superior (5º) ("Expresso", 9/8/03). Ou seja, os cortes pretendem ter um carácter perene, não sendo mera resposta a constrangimentos conjunturais. Por outro lado, a hierarquia dos cortes evidencia as prioridades políticas.
Os cortes de vagas no ESP são uma medida emblemática deste desinvestimento. Várias foram as razões invocadas, de forma mais ou menos explicita, pela tutela (MCES) para tal medida. Primeiro, a solidariedade litoral versus interior. Contudo, os cortes incidiram não só nas universidades do interior e do litoral, como mais nas primeiras do que nas segundas. Segundo, o desinvestimento no ESP estaria relacionado com a quebra demográfica. Os cortes de vagas em 86 licenciaturas do ESP cujas vagas em 2003 são inferiores às colocações em 2002 demonstram que há muita procura que irá ficar de fora. Terceiro, a relevância social dos cursos: seriam efectuados cortes nos "cursos menos relevantes", decidindo o MCES cortes (cegos!) na área das ciências sociais e empresariais e poupando as artes, a saúde e os cursos científico-tecnológicos. Já foi demonstrado que os cortes atingiram também significativamente as áreas científicas e tecnológicas (PÚBLICO, 16/8/03). Mas os efeitos perversos desta política são evidenciados em dois exemplos muito concretos. Primeiro, o curso de Economia com a maior média nacional (U. do Porto) terá sido aquele que sofreu o maior corte de vagas nesta área. Segundo, a universidade com o maior corte de vagas (10 por cento), o ISCTE, tem preenchido sempre 100 por cento das vagas na primeira fase; os seus cursos (de ciências sociais, empresariais e tecnológicas) têm sido classificados (por avaliações independentes de peritos nacionais e internacionais) entre os melhores do país; de há anos a esta parte tem centros de investigação com classificações de "excelente" e "muito bom". Portanto, nem a suposta "relevância social", nem a qualidade foram resguardadas, antes pelo contrário.
Restam, para explicar os cortes de vagas, três outras razões não assumidas (claramente) pelo MCES. Primeiro, mera poupança financeira. Segundo, critérios ideológicos: os cortes nas universidades privadas não só não atingem as vagas ocupadas em 2002, como nalguns casos (Católica e Lusíada) não há qualquer corte, há aumento de vagas, desmentindo aquilo que o ministro defendeu no Parlamento, aquando da interpelação do BE sobre educação. Terceiro, eventuais cálculos políticos menos claros: em 2003 a Universidade da Madeira aumenta as suas vagas face a 2002 (3,7 por cento), apesar de, neste ano, apenas ter preenchido 72,3 por cento das vagas...
Dados actuais da UE (Key Figures, 2002), sobre o investimento no ES, mostram que Portugal está abaixo da média comunitária, bem como da Grécia e da Espanha. A UE está também atrás dos EUA nesta matéria e, por isso, tem apontado este investimento como prioritário. Mais, a população empregada em Portugal tem uma qualificação muito inferior à média da UE: ensino básico, 76,77 por cento e 29,67 por cento; ensino superior, 10,27 por cento e 24,17 por cento, respectivamente.
Este governo relegou o investimento no Ensino Superior e na Ciência para uma posição subalterna e, por isso, quebrou algo que deveria ser consensual entre a esquerda e a direita: o investimento na educação como forma de modernizar o país. Ou seja, não se espera que a coligação de direita se preocupe com os exponenciais aumentos de propinas que irão atingir os alunos que ficarão de fora pelo corte de vagas. Agora, a bem de Portugal, seria bom que pelo menos se mantivesse o consenso político em matéria de modernização, tanto mais que o modelo dos baixos salários e da precarização do trabalho está completamente esgotado.
O meu colega Eduardo Esperança volta a enviar-nos um texto de grande interese sobre o ensino superior em Portugal, mas não só. É da autoria de André Freire. Neste texto, reflectem-se alguns pontos que, há já algum tempo, ando a querer registar.
Nomeadamente, é um facto que gostava de viver num país onde as diferenças fossem afirmação e não rancor, e onde a direita pudesse apreciar a inteligência da esquerda e a esquerda pudesse apreciar a inteligência da direita. Contudo, o antinomismo continua a conduzir a carruagem. Se a direita está no poder, lá vêm os estigmas mais papistas que o papa que sobrevalorizam o não-estado e a linguagem acerca da linguagem da iniciativa (mais fetiches do que desejadas realidades). Se a esquerda está no poder, lá vêm os estigmas que repousam em palavras de ordem (outro fio de retórica) assim como o irresistível apelo do mercado acaba transformado em grupos de estudo. O estado, esse, fica sempre adiado para a categoria de pior estado (a administração, por exemplo, é intocável). O caso do ensino é emblemático no quadro deste desarranjo que as persistentes antinomias esquerda-direita (tão longe, na complexidade contemporânea, de recobrirem os verdadeiros problemas que se põem a todos nós) vão gerando.
Pena é, pois, que metade do país olhe com desconfiança destruidora a outra metade, pensando que é essa a forma de estatuir e marcar campos e diferenças. O mais decisivo, o gesto corajoso e reformador raramente aparece. Somos um país a viver no ponto morto do centro. Repetindo, no campo social e político, os últimos jogos da selecção nacional (jogo a meio campo e lances individualistas e casuísticos).
Caminhámos para a frente até à Expo-98, ritualizámos Timor em 1999, descobrimo-nos a falhar na convergência orçamental em 2001/2002 e, em 2003, acabámos a discutir os tabus e os pudores e as traições encarnadas na pedofilia. Somos um país a expiar, a projectar a sua catarse para fora do corpo que necessataria atenção e cuidado. Vejamos, no caso do ensino, portanto, onde começa e acaba essa carência, essa falha, essa falta de respeito e orgulho próprios (o corpo é que paga). Segue o texto enviado:
O Ensino Superior Público (ESP) cumpre, pelo menos, duas funções. Primeiro, proporcionar idênticas condições de ascensão social para os cidadãos, independentemente das suas origens sociais. Segundo, contribuir para a modernização do país, através da qualificação da mão-de-obra e, portanto, para a sua competitividade internacional.
Há vários exemplos do desinvestimento do actual governo no ESP e na Ciência, que contrariam a trajectória recente nesta matéria. Primeiro, as opções vertidas no Plano de Estabilidade e Crescimento, 2002-06: crescimento nulo das despesas anuais nominais com o ESP. Segundo, desinvestimento na formação pós graduada: pela primeira vez nos últimos seis anos o número de bolsas de investigação científica desceu para menos de 1000, nomeadamente por candidaturas não aprovadas. Terceiro, entre 2002 e 2003 (primeiros semestres), os maiores cortes orçamentais atingiram cinco ministérios entre os quais se encontram o da Educação (3º) e o da Ciência e Ensino Superior (5º) ("Expresso", 9/8/03). Ou seja, os cortes pretendem ter um carácter perene, não sendo mera resposta a constrangimentos conjunturais. Por outro lado, a hierarquia dos cortes evidencia as prioridades políticas.
Os cortes de vagas no ESP são uma medida emblemática deste desinvestimento. Várias foram as razões invocadas, de forma mais ou menos explicita, pela tutela (MCES) para tal medida. Primeiro, a solidariedade litoral versus interior. Contudo, os cortes incidiram não só nas universidades do interior e do litoral, como mais nas primeiras do que nas segundas. Segundo, o desinvestimento no ESP estaria relacionado com a quebra demográfica. Os cortes de vagas em 86 licenciaturas do ESP cujas vagas em 2003 são inferiores às colocações em 2002 demonstram que há muita procura que irá ficar de fora. Terceiro, a relevância social dos cursos: seriam efectuados cortes nos "cursos menos relevantes", decidindo o MCES cortes (cegos!) na área das ciências sociais e empresariais e poupando as artes, a saúde e os cursos científico-tecnológicos. Já foi demonstrado que os cortes atingiram também significativamente as áreas científicas e tecnológicas (PÚBLICO, 16/8/03). Mas os efeitos perversos desta política são evidenciados em dois exemplos muito concretos. Primeiro, o curso de Economia com a maior média nacional (U. do Porto) terá sido aquele que sofreu o maior corte de vagas nesta área. Segundo, a universidade com o maior corte de vagas (10 por cento), o ISCTE, tem preenchido sempre 100 por cento das vagas na primeira fase; os seus cursos (de ciências sociais, empresariais e tecnológicas) têm sido classificados (por avaliações independentes de peritos nacionais e internacionais) entre os melhores do país; de há anos a esta parte tem centros de investigação com classificações de "excelente" e "muito bom". Portanto, nem a suposta "relevância social", nem a qualidade foram resguardadas, antes pelo contrário.
Restam, para explicar os cortes de vagas, três outras razões não assumidas (claramente) pelo MCES. Primeiro, mera poupança financeira. Segundo, critérios ideológicos: os cortes nas universidades privadas não só não atingem as vagas ocupadas em 2002, como nalguns casos (Católica e Lusíada) não há qualquer corte, há aumento de vagas, desmentindo aquilo que o ministro defendeu no Parlamento, aquando da interpelação do BE sobre educação. Terceiro, eventuais cálculos políticos menos claros: em 2003 a Universidade da Madeira aumenta as suas vagas face a 2002 (3,7 por cento), apesar de, neste ano, apenas ter preenchido 72,3 por cento das vagas...
Dados actuais da UE (Key Figures, 2002), sobre o investimento no ES, mostram que Portugal está abaixo da média comunitária, bem como da Grécia e da Espanha. A UE está também atrás dos EUA nesta matéria e, por isso, tem apontado este investimento como prioritário. Mais, a população empregada em Portugal tem uma qualificação muito inferior à média da UE: ensino básico, 76,77 por cento e 29,67 por cento; ensino superior, 10,27 por cento e 24,17 por cento, respectivamente.
Este governo relegou o investimento no Ensino Superior e na Ciência para uma posição subalterna e, por isso, quebrou algo que deveria ser consensual entre a esquerda e a direita: o investimento na educação como forma de modernizar o país. Ou seja, não se espera que a coligação de direita se preocupe com os exponenciais aumentos de propinas que irão atingir os alunos que ficarão de fora pelo corte de vagas. Agora, a bem de Portugal, seria bom que pelo menos se mantivesse o consenso político em matéria de modernização, tanto mais que o modelo dos baixos salários e da precarização do trabalho está completamente esgotado.
domingo, 14 de setembro de 2003
Viva Damas
Sou benfiquista, claro está. Mas hoje, cores de lado, estou sentidamente de luto. Nem resisto a transcrever o terno e justo post do desejo casar sobre o grande guarda-redes:
Todas as previsões científicas indicam que o planeta Terra será destruído daqui a uns milhões de anos devido à colisão com um meteorito gigantesco.
Deus (ou com LFB gosta de lhe chamar: "o tal gajo da maiúscula"), decidiu precaver-se e começar desde já os preparativos para a Salvação do Planeta. Para isso, Ele recrutou para as Suas fileiras o único homem capaz de desviar a trajectória do meteorito fatal.
Vítor Damas, o eterno número um do Sporting, deixou-nos esta madrugada, aos 55 anos de idade.
Bom jogo, Vítor. Contamos contigo na última linha da defesa. Como sempre.
Grande Damas !
Sou benfiquista, claro está. Mas hoje, cores de lado, estou sentidamente de luto. Nem resisto a transcrever o terno e justo post do desejo casar sobre o grande guarda-redes:
Todas as previsões científicas indicam que o planeta Terra será destruído daqui a uns milhões de anos devido à colisão com um meteorito gigantesco.
Deus (ou com LFB gosta de lhe chamar: "o tal gajo da maiúscula"), decidiu precaver-se e começar desde já os preparativos para a Salvação do Planeta. Para isso, Ele recrutou para as Suas fileiras o único homem capaz de desviar a trajectória do meteorito fatal.
Vítor Damas, o eterno número um do Sporting, deixou-nos esta madrugada, aos 55 anos de idade.
Bom jogo, Vítor. Contamos contigo na última linha da defesa. Como sempre.
Grande Damas !
A razão de Vattimo (culturas, imaginários, etc. - 2)
Disse-o há mais de dez anos e vai-se tornando verdade. De facto, no contexto de um sociedade em rede e progressivamente acentrada, o imaginário, enquanto tal, quase que se passou a identificar com a noção de “heterotopia”, sugerida por G. Vattimo. Ou seja, o "reconhecimento de modelos que fazem mundo e que fazem comunidade apenas no momento em que estes mundos e estas comunidades se dão explicitamente como múltiplos". Entre o polvilhar horizontal de modelos, a vida vai-se assim transpondo para milhões e milhões de imagens que deixaram de a representar linearmente.
Disse-o há mais de dez anos e vai-se tornando verdade. De facto, no contexto de um sociedade em rede e progressivamente acentrada, o imaginário, enquanto tal, quase que se passou a identificar com a noção de “heterotopia”, sugerida por G. Vattimo. Ou seja, o "reconhecimento de modelos que fazem mundo e que fazem comunidade apenas no momento em que estes mundos e estas comunidades se dão explicitamente como múltiplos". Entre o polvilhar horizontal de modelos, a vida vai-se assim transpondo para milhões e milhões de imagens que deixaram de a representar linearmente.
Culturas, imaginários, etc.
Hoje em dia, ao falarmos de comunidade, ou de cultura, já estamos sempre a falar de uma amálgama social que se está a transpor para o domínio da rede complexa que interage, de modo cruzado e quase sempre imprevisto, no local, no global, no regional, on ou off-line. O imaginário está a tornar-se numa inteligibilidade cada vez mais fragmentária e dispersa que é partilhada por crescentes homogeneidades (imagens de imagens) que tentam resistir às identidades fundamentalistas, aos campos hiperdefinidos, às cascatas de representações locais, às áreas de fragmentação e aos hibridismos regionais. Neste processo de tensões diversificadas, muitas vezes mais célere do que a própria capacidade para produzir discursos que o explicassem, o imaginário torna-se no interface algo fluido que permite ainda assim equilibrar a grande que se faz sentir cada vez mais entre verdade e sentido.
Hoje em dia, ao falarmos de comunidade, ou de cultura, já estamos sempre a falar de uma amálgama social que se está a transpor para o domínio da rede complexa que interage, de modo cruzado e quase sempre imprevisto, no local, no global, no regional, on ou off-line. O imaginário está a tornar-se numa inteligibilidade cada vez mais fragmentária e dispersa que é partilhada por crescentes homogeneidades (imagens de imagens) que tentam resistir às identidades fundamentalistas, aos campos hiperdefinidos, às cascatas de representações locais, às áreas de fragmentação e aos hibridismos regionais. Neste processo de tensões diversificadas, muitas vezes mais célere do que a própria capacidade para produzir discursos que o explicassem, o imaginário torna-se no interface algo fluido que permite ainda assim equilibrar a grande que se faz sentir cada vez mais entre verdade e sentido.
A nossa faixa de Gaza
O jornal espanhol El Mundo escrevia, há dois dias,o seguinte título:
"Un error de la CIA asegura que España y Portugal se disputan la localidad extremeña de Olivenza".
E, depois, desenvolvia:
"La Central de Inteligencia Americana (CIA) vigila y tiene catalogada como zona de conflicto internacional a la localidad pacense de Olivenza, un lugar que para la Inteligencia norteamericana es equiparable a zonas tan conflictivas como pueden ser Cachemira o Gaza."
É evidente que o "Colectivo Pró-Olivença" anda eufórico.
O jornal espanhol El Mundo escrevia, há dois dias,o seguinte título:
"Un error de la CIA asegura que España y Portugal se disputan la localidad extremeña de Olivenza".
E, depois, desenvolvia:
"La Central de Inteligencia Americana (CIA) vigila y tiene catalogada como zona de conflicto internacional a la localidad pacense de Olivenza, un lugar que para la Inteligencia norteamericana es equiparable a zonas tan conflictivas como pueden ser Cachemira o Gaza."
É evidente que o "Colectivo Pró-Olivença" anda eufórico.
sábado, 13 de setembro de 2003
Há cem anos.
Há cem anos, já com uns quatro de tarimba a mexer e a truncar imagens, o talvez primeiro cineasta do mundo, George Méliès, ensaiava ainda a passagem do ilusionismo ao cinema. Filmava através de aquários, propunha velhos truques prestidigitadores projectados e, no seu teatro de Montreuil, recorria a alçapões, pontes e cabos para fazer voar fadas, deusas e austronautas a caminho da lua. O espaço de Méliès era uma roda viva de planetas e estrelas de onde sorriam meninas encantadas em direcção ao rosto escafandrista dos então austronautas. As imagens criavam a feliz euforia da metamorfose do homem, mas ainda não a ansiedade ou a angústia de um domínio quase total, iminente e virtual. Há cem anos, transmitia-se apenas em directo a voz, ou melhor, o silêncio do mundo a partir de onde ela se propaga. Hoje em dia, por trás de tanto directo, fica-nos a esperança das euforias, a ansiedade (ou a máscara de salvação) criada pelo instantanismo e ainda a posteridade como momento esgotado.
Há cem anos, já com uns quatro de tarimba a mexer e a truncar imagens, o talvez primeiro cineasta do mundo, George Méliès, ensaiava ainda a passagem do ilusionismo ao cinema. Filmava através de aquários, propunha velhos truques prestidigitadores projectados e, no seu teatro de Montreuil, recorria a alçapões, pontes e cabos para fazer voar fadas, deusas e austronautas a caminho da lua. O espaço de Méliès era uma roda viva de planetas e estrelas de onde sorriam meninas encantadas em direcção ao rosto escafandrista dos então austronautas. As imagens criavam a feliz euforia da metamorfose do homem, mas ainda não a ansiedade ou a angústia de um domínio quase total, iminente e virtual. Há cem anos, transmitia-se apenas em directo a voz, ou melhor, o silêncio do mundo a partir de onde ela se propaga. Hoje em dia, por trás de tanto directo, fica-nos a esperança das euforias, a ansiedade (ou a máscara de salvação) criada pelo instantanismo e ainda a posteridade como momento esgotado.
Esferas e trajectos
Tal como no futebol, onde o jogo se esgota no móbil permanente do passe, entre regras e acaso, também a complexidade da vida contemporânea cada vez mais se esgota, nas comunicações permanentes, entre regras voláteis e a tentação de poder escapar ao aleatório. Nesta medida, eu creio que o futebol se vai tornando, nos nossos dias, numa espécie de grande entreposto-simulacro (ou área de mediação dissimulada) que recebe marcas vincadas das inquietações sociais dominantes, embora imprima também nestas as suas próprias lógicas como bom jogo que é (e de que a vida, muitas vezes, é homóloga parceira). Este raciocínio circular é o da nossa época. Uma época que tem a forma de esfera (tal como o globo ou as regras em feixe) e não mais a forma da conflitualidade linear. Mas... uma esfera, hoje em dia, sempre a roçar a ameaça do seu próprio e às vezes imprevisível trajecto.
Tal como no futebol, onde o jogo se esgota no móbil permanente do passe, entre regras e acaso, também a complexidade da vida contemporânea cada vez mais se esgota, nas comunicações permanentes, entre regras voláteis e a tentação de poder escapar ao aleatório. Nesta medida, eu creio que o futebol se vai tornando, nos nossos dias, numa espécie de grande entreposto-simulacro (ou área de mediação dissimulada) que recebe marcas vincadas das inquietações sociais dominantes, embora imprima também nestas as suas próprias lógicas como bom jogo que é (e de que a vida, muitas vezes, é homóloga parceira). Este raciocínio circular é o da nossa época. Uma época que tem a forma de esfera (tal como o globo ou as regras em feixe) e não mais a forma da conflitualidade linear. Mas... uma esfera, hoje em dia, sempre a roçar a ameaça do seu próprio e às vezes imprevisível trajecto.
sexta-feira, 12 de setembro de 2003
Derrapagens de Mário Soares
Penso que quem, ontem à noite, viu o debate na SIC notícias terá ficado defraudado. Esperava-se mais. Ou, se calhar, as ilusões de um grande debate ter-se-ão confundido com tudo aquilo que a dimensão do tema convocaria. JPP limitou-se, a maior parte do tempo, a sublinhar o que creio ser o verosímil. Mas... vejamos algumas das afirmações de Mário Soares que me pareceram delirantes (é difícil, sinceramente, encontrar outra palavra):
a) Por muito que se possa divergir dos eleitos nos EUA (e do próprio processo eleitoral que viu Bush subir à Casa Branca) não vejo como é, de facto, possível confundi-los com os terroristas suicidários e apocalípticos do 09/11. Comentários desnecessários.
b) Defender, ainda que em subtexto, que os terroristas do 09/11 foram buscar a sua motivação a um misto da desumanização das sociedades ocidentais... é um defeito de óptica também difícil de adjectivar.
c) Defender a negatividade do pós-11/09 com o argumento de que a "contenção" que permitiu os 50 anos de paz pós-1945 se esvaiu. Infelizmente, Mário Soares continua a pensar num quadro que não é o actual, realmente como se o 11/09 nunca tivesse existido (JPP tirou partido deste facto e ganhou o frágil debate em toda a linha - parecia o jogo de Vigo, há uns anos, que eu vi e senti de forma constrangedora).
d) Assumir que, durante a guerra do Iraque, a "Europa se portou muito bem". E dizê-lo tão convictamente, quando toda a gente sabe que a Europa de dividiu como nunca antes tinha acontecido.
Ao fim e ao cabo, se JPP até na questão da exclusão conseguiu somar alguns pontos (mais por pura inabilidade de MS), a verdade é que essa questão teria merecido um tratamento menos emocional e mais profundo. É evidente que o nível da discussão conseguiu estar muito acima do nível primário com que J. Pureza tentou insuflar a noite da SIC notícias (na continuação dos comentários lamentáveis que já deixara no ar acerca da infeliz capa do Público de ontem). Enfim, o 11/09 mobilizou atenções, mas entre elas, persistiu, em muitos sectores, e infelizmente, a ideia de que não há um conflito em curso na nossa escassa casa global, que a Europa deverá ser uma Suíca imparcial e que os argumentos autofágicos em relação ao ocidente somados a algum antiamericanismo bastam para aliviar o pensamento. Pois eu creio que o privilégio de se viver e respirar em democracia nunca esteve tão ameaçado depois do pré-II Guerra Mundial. Só que os factores que hoje repõem a questão não têm a mínima comparação com os meios e as possibilidades do fim dos anos trinta do século passado. A reflexão deverá continuar. E eu sinto que a esquerda, em geral, se está a desmobilizar, a envelhecer e... está mesmo a negligenciar esta reflexão. Mais: está a entregar esse papel de mão beijada à direita. Sinal dos tempos.
Como se dizia no Vanilla Sky - ABRE LOS OJOS !
Penso que quem, ontem à noite, viu o debate na SIC notícias terá ficado defraudado. Esperava-se mais. Ou, se calhar, as ilusões de um grande debate ter-se-ão confundido com tudo aquilo que a dimensão do tema convocaria. JPP limitou-se, a maior parte do tempo, a sublinhar o que creio ser o verosímil. Mas... vejamos algumas das afirmações de Mário Soares que me pareceram delirantes (é difícil, sinceramente, encontrar outra palavra):
a) Por muito que se possa divergir dos eleitos nos EUA (e do próprio processo eleitoral que viu Bush subir à Casa Branca) não vejo como é, de facto, possível confundi-los com os terroristas suicidários e apocalípticos do 09/11. Comentários desnecessários.
b) Defender, ainda que em subtexto, que os terroristas do 09/11 foram buscar a sua motivação a um misto da desumanização das sociedades ocidentais... é um defeito de óptica também difícil de adjectivar.
c) Defender a negatividade do pós-11/09 com o argumento de que a "contenção" que permitiu os 50 anos de paz pós-1945 se esvaiu. Infelizmente, Mário Soares continua a pensar num quadro que não é o actual, realmente como se o 11/09 nunca tivesse existido (JPP tirou partido deste facto e ganhou o frágil debate em toda a linha - parecia o jogo de Vigo, há uns anos, que eu vi e senti de forma constrangedora).
d) Assumir que, durante a guerra do Iraque, a "Europa se portou muito bem". E dizê-lo tão convictamente, quando toda a gente sabe que a Europa de dividiu como nunca antes tinha acontecido.
Ao fim e ao cabo, se JPP até na questão da exclusão conseguiu somar alguns pontos (mais por pura inabilidade de MS), a verdade é que essa questão teria merecido um tratamento menos emocional e mais profundo. É evidente que o nível da discussão conseguiu estar muito acima do nível primário com que J. Pureza tentou insuflar a noite da SIC notícias (na continuação dos comentários lamentáveis que já deixara no ar acerca da infeliz capa do Público de ontem). Enfim, o 11/09 mobilizou atenções, mas entre elas, persistiu, em muitos sectores, e infelizmente, a ideia de que não há um conflito em curso na nossa escassa casa global, que a Europa deverá ser uma Suíca imparcial e que os argumentos autofágicos em relação ao ocidente somados a algum antiamericanismo bastam para aliviar o pensamento. Pois eu creio que o privilégio de se viver e respirar em democracia nunca esteve tão ameaçado depois do pré-II Guerra Mundial. Só que os factores que hoje repõem a questão não têm a mínima comparação com os meios e as possibilidades do fim dos anos trinta do século passado. A reflexão deverá continuar. E eu sinto que a esquerda, em geral, se está a desmobilizar, a envelhecer e... está mesmo a negligenciar esta reflexão. Mais: está a entregar esse papel de mão beijada à direita. Sinal dos tempos.
Como se dizia no Vanilla Sky - ABRE LOS OJOS !
quinta-feira, 11 de setembro de 2003
As flutuações do mundo: da interpretose ao 09/11
É verdade, lembro, há muitos anos, quando ainda vivia em Amestrerdão, de um amigo me dizer que a SIDA lhe tinha mudado de facto a vida. Sabemos que a SIDA mudou muita coisa no mundo e a esse meu amigo mudou-lhe radicalmente a vida e a sociabilidade. Hoje, dois anos certos após o 09/11, reparo, ao ler muitos dos meus textos deste período (crónicas, páginas de ensaio, artigos, apontamentos, etc), que a minha maneira de pensar foi mudando, foi flutuando, foi ponderando de outra maneira. É uma mudança tranquila e positiva que passou a rever na sociabilidade democrática do mundo uma riqueza incalculável. Essa consciência - antes mais maleável, mais relativada - passou a sobrepor-se ao desígnio apologético da igualdade entre os homens (no fundo, uma ficção). Não é que não pense que a ideia de igualdade não seja uma causa nobre. Mas nem toda a nobreza é um princípio de regulação da vida dos homens em liberdade. É precisamente por concluir que a ideia de igualdade (pensada racional e ideologicamente, ou pensada religiosa e escatologicamente) é sempre uma representação ou uma abstracção distante da práxis do dia a dia que sou levado a concluir que é fácil vê-la a converter-se num álibi potencialmente conducente à intolerância. O laboratório dos factos políticos do século XX é disso um bom exemplo, no rol de barbárie e experiências acumuladas que o reflectem. É por isso que sou hoje muito mais aberto a um ideário que coloque em primeiro lugar - e sempre - a liberdade, a democracia e a justiça e só depois todas as ideias abstractas, ainda que nobres, cujo pôr-em-cena mereça um atento agendar de regulamentações e gradações muito lentas. Só depois da liberdade, da democracia e da justiça é possível falar em solidariedade e em igualdade (e não ao contrário). O facto de me ter ligado, à escala local, a algumas tarefas políticas, no último ano e meio (devido à coincidência entre os calendários político-autárquicos e o pós-09/11), não muda em nada o que se passa ao nível do meu pensamento. Pensar significa interligar as perspectivas de fundo - que tenho desenvolvido em ensaios (relevo para os Anjos - 1999, as Órbitas -2003, Islão e mundo Cristão - 2000 e mais uns livros sobre a neurobiologoia e sobre semiótica) e a imediaticidade da prática (a crónica, o registo imediato, o artigo, a reflexão aforística). Pensar não pode ser um facto letárgico ou um acto de acomodação ou repetição (a maior parte dos opinion makers, mesmo alguns bastante conhecidos, apenas repete palavras de ordem no sentido deleuzeano), mas sim uma tarefa corajosa que se confronte com a mudança e com a audácia dos factos do dia a dia. Para Susan Zontag, a interpretose é a capacidade de pensar em tempo de guerra. Nos tempos que correm, filtrados pela abertura global e pela ameaça hiperterrorista, há que saber sobrepor sem medo a interpretação à interpretose.
É verdade, lembro, há muitos anos, quando ainda vivia em Amestrerdão, de um amigo me dizer que a SIDA lhe tinha mudado de facto a vida. Sabemos que a SIDA mudou muita coisa no mundo e a esse meu amigo mudou-lhe radicalmente a vida e a sociabilidade. Hoje, dois anos certos após o 09/11, reparo, ao ler muitos dos meus textos deste período (crónicas, páginas de ensaio, artigos, apontamentos, etc), que a minha maneira de pensar foi mudando, foi flutuando, foi ponderando de outra maneira. É uma mudança tranquila e positiva que passou a rever na sociabilidade democrática do mundo uma riqueza incalculável. Essa consciência - antes mais maleável, mais relativada - passou a sobrepor-se ao desígnio apologético da igualdade entre os homens (no fundo, uma ficção). Não é que não pense que a ideia de igualdade não seja uma causa nobre. Mas nem toda a nobreza é um princípio de regulação da vida dos homens em liberdade. É precisamente por concluir que a ideia de igualdade (pensada racional e ideologicamente, ou pensada religiosa e escatologicamente) é sempre uma representação ou uma abstracção distante da práxis do dia a dia que sou levado a concluir que é fácil vê-la a converter-se num álibi potencialmente conducente à intolerância. O laboratório dos factos políticos do século XX é disso um bom exemplo, no rol de barbárie e experiências acumuladas que o reflectem. É por isso que sou hoje muito mais aberto a um ideário que coloque em primeiro lugar - e sempre - a liberdade, a democracia e a justiça e só depois todas as ideias abstractas, ainda que nobres, cujo pôr-em-cena mereça um atento agendar de regulamentações e gradações muito lentas. Só depois da liberdade, da democracia e da justiça é possível falar em solidariedade e em igualdade (e não ao contrário). O facto de me ter ligado, à escala local, a algumas tarefas políticas, no último ano e meio (devido à coincidência entre os calendários político-autárquicos e o pós-09/11), não muda em nada o que se passa ao nível do meu pensamento. Pensar significa interligar as perspectivas de fundo - que tenho desenvolvido em ensaios (relevo para os Anjos - 1999, as Órbitas -2003, Islão e mundo Cristão - 2000 e mais uns livros sobre a neurobiologoia e sobre semiótica) e a imediaticidade da prática (a crónica, o registo imediato, o artigo, a reflexão aforística). Pensar não pode ser um facto letárgico ou um acto de acomodação ou repetição (a maior parte dos opinion makers, mesmo alguns bastante conhecidos, apenas repete palavras de ordem no sentido deleuzeano), mas sim uma tarefa corajosa que se confronte com a mudança e com a audácia dos factos do dia a dia. Para Susan Zontag, a interpretose é a capacidade de pensar em tempo de guerra. Nos tempos que correm, filtrados pela abertura global e pela ameaça hiperterrorista, há que saber sobrepor sem medo a interpretação à interpretose.
Estranho
Estranho que o site do meu clube não tenha aberto um fórum de discussão sobre as eleições que se avizinham. Fica a sugestão.
Estranho que o site do meu clube não tenha aberto um fórum de discussão sobre as eleições que se avizinham. Fica a sugestão.
Uma boa notícia
Finalmente, os 15 Estados-membros da União Europeia chegaram a um acordo. Nem mais nem menos do que a inclusão do Hamas na lista europeia das organizações terroristas.
Mais vale tarde do que nunca.
Sinais de calor
De novo o prenúncio do calor abafado, essa espécie de crisálida repartida pelo rasto do nosso descanso. Afinal ainda é Verão, afinal ainda navegamos nesse território de areias imaginárias. Périplo doce. Volta a existir no ar uma inteligência adormecida que prolonga o encantamento do sol. Pena não a conhecermos. Mas ela vela por nós, em vigília. E terá um sabor a frutos vermelhos, líquidos, sem veste, sem pele, sem corpo, sem nada. Vermelho puro. Sem veias. Pousado nas nuvens, vagando pelo crepúsculo como a cobra minúscula que adormeceu no quintal, há três dias. Calor abafado. Terra de ninguém, ponto morto do tempo. A felicidade a crepitar por trás das palavras, na falha das palavras.
O 11 de Setembro revisitado - 6
E no entanto, hoje, é já o 11 de Setembro. Dedicámos-lhe cinco posts nos últimos dias. E reiteramos agora o essencial: o mundo mudou, ou seja, aprofundou de modo decisivo a mudança que vinha do pós guerra-fria. Os campos dividiram-se e demarcaram-se como não chegou a acontecer de maneira tão declarada na década de noventa, aberta à ambiguidade, ao fim das antinomias e ao pensamento e sentimento "Pós". Mais do que esquerda-direita, a nova delimitação de campos veio tornar sobretudo claro o triângulo democracia-liberdade-justiça como o esteio a defender; e com este esteio tornou-se evidente a necessidade vital de defesa do ocidente, ou seja, o locus que viu nascer o que são hoje as sociedades abertas, no fundo o inimigo de muitos (não só dos pan-terroristas suicidários, mas também das contraculturas cegas e autofágicas que respiram o privilégio de viver no ocidente).
O 11 de Novembro está em curso e atravessa diariamente as nossas vidas; Não se circunscreve, portanto, ao WT Protest.
Hoje em dia, depois do 9/11, apenas vejo como princípios políticos essenciais a perseguir o tal triângulo-chave democracia-liberdade-justiça, o verdadeiro alicerce da abertura e do futuro do mundo, e, para além dele, todo o tipo de démarches que aproximem economicamente os mundos radicalmente diferentes que habitam a polis global. Mas que essa solidariedade mundial não rompa os tecidos económicos e sociais, nem atraiçoe a necessária reserva que o ocidente é no mundo. Por isso, em Cancun, acho essencial que os EUA e a UE contribuam para a descida relativa de alguns subsídios à agricultura. Mas apenas o suficiente para dar um sinal aos mercados ocidentais e, ao mesmo tempo, para contribuir para uma melhoria das condições de vida no chamado terceiro mundo (onde a falta generalizada de democracia e de regras básicas acaba por tornar quase impossível um programa planetário de superação gradativa das desigualdades). A igualdade não pode ser um programa abstacto, apenas visível na cabela de iluminados, e imposto à sociedade. A igualdade é uma utopia e deve ser seguida tendo sempre como alicerce a democracia, a liberdade e a justiça.
A igualdade é um caminho, é o outro lado de um processo, mas não pode ser o álibi de uma maquinação intolerante (seja ideológica, terrena e racional, seja ela escatológica, paradisíaca e divina).
O 11 de Setembro exige de nós uma posição, uma superação de perconceitos e o fim do pensamento anti. No lado do terrorismo, não há pensamento anti-qualquer coisa. Há apenas desígnio de morte. Essa cultura do estertor não é compaginável com o diálogo, com a democracia e muito menos com supostos valores a defender.
De novo o prenúncio do calor abafado, essa espécie de crisálida repartida pelo rasto do nosso descanso. Afinal ainda é Verão, afinal ainda navegamos nesse território de areias imaginárias. Périplo doce. Volta a existir no ar uma inteligência adormecida que prolonga o encantamento do sol. Pena não a conhecermos. Mas ela vela por nós, em vigília. E terá um sabor a frutos vermelhos, líquidos, sem veste, sem pele, sem corpo, sem nada. Vermelho puro. Sem veias. Pousado nas nuvens, vagando pelo crepúsculo como a cobra minúscula que adormeceu no quintal, há três dias. Calor abafado. Terra de ninguém, ponto morto do tempo. A felicidade a crepitar por trás das palavras, na falha das palavras.
O 11 de Setembro revisitado - 6
E no entanto, hoje, é já o 11 de Setembro. Dedicámos-lhe cinco posts nos últimos dias. E reiteramos agora o essencial: o mundo mudou, ou seja, aprofundou de modo decisivo a mudança que vinha do pós guerra-fria. Os campos dividiram-se e demarcaram-se como não chegou a acontecer de maneira tão declarada na década de noventa, aberta à ambiguidade, ao fim das antinomias e ao pensamento e sentimento "Pós". Mais do que esquerda-direita, a nova delimitação de campos veio tornar sobretudo claro o triângulo democracia-liberdade-justiça como o esteio a defender; e com este esteio tornou-se evidente a necessidade vital de defesa do ocidente, ou seja, o locus que viu nascer o que são hoje as sociedades abertas, no fundo o inimigo de muitos (não só dos pan-terroristas suicidários, mas também das contraculturas cegas e autofágicas que respiram o privilégio de viver no ocidente).
O 11 de Novembro está em curso e atravessa diariamente as nossas vidas; Não se circunscreve, portanto, ao WT Protest.
Hoje em dia, depois do 9/11, apenas vejo como princípios políticos essenciais a perseguir o tal triângulo-chave democracia-liberdade-justiça, o verdadeiro alicerce da abertura e do futuro do mundo, e, para além dele, todo o tipo de démarches que aproximem economicamente os mundos radicalmente diferentes que habitam a polis global. Mas que essa solidariedade mundial não rompa os tecidos económicos e sociais, nem atraiçoe a necessária reserva que o ocidente é no mundo. Por isso, em Cancun, acho essencial que os EUA e a UE contribuam para a descida relativa de alguns subsídios à agricultura. Mas apenas o suficiente para dar um sinal aos mercados ocidentais e, ao mesmo tempo, para contribuir para uma melhoria das condições de vida no chamado terceiro mundo (onde a falta generalizada de democracia e de regras básicas acaba por tornar quase impossível um programa planetário de superação gradativa das desigualdades). A igualdade não pode ser um programa abstacto, apenas visível na cabela de iluminados, e imposto à sociedade. A igualdade é uma utopia e deve ser seguida tendo sempre como alicerce a democracia, a liberdade e a justiça.
A igualdade é um caminho, é o outro lado de um processo, mas não pode ser o álibi de uma maquinação intolerante (seja ideológica, terrena e racional, seja ela escatológica, paradisíaca e divina).
O 11 de Setembro exige de nós uma posição, uma superação de perconceitos e o fim do pensamento anti. No lado do terrorismo, não há pensamento anti-qualquer coisa. Há apenas desígnio de morte. Essa cultura do estertor não é compaginável com o diálogo, com a democracia e muito menos com supostos valores a defender.
quarta-feira, 10 de setembro de 2003
Hamas volta a matar
Isto é luta ? Isto é estratégia política ? Isto é luta de libertação ? Isto é o culminar de que teologia, de que insanidade, de que lógica possível ?
É possível, como alguns defendem, pôr em pé de igualdade um estado democrático (com todos os seus desaires e defeitos) e isto ?
Eu creio que, tal como os vírus que nos estão a invadir até ao 11/09, também este terrorismo terrível apenas aspira à cultura da morte e à violência sem rosto e sem norte. Independentemente da questão política e da retórica mútua de sucessivas acusações.
Isto é luta ? Isto é estratégia política ? Isto é luta de libertação ? Isto é o culminar de que teologia, de que insanidade, de que lógica possível ?
É possível, como alguns defendem, pôr em pé de igualdade um estado democrático (com todos os seus desaires e defeitos) e isto ?
Eu creio que, tal como os vírus que nos estão a invadir até ao 11/09, também este terrorismo terrível apenas aspira à cultura da morte e à violência sem rosto e sem norte. Independentemente da questão política e da retórica mútua de sucessivas acusações.
terça-feira, 9 de setembro de 2003
O 11 de Setembro revisitado - 5
Dizem os novos conservadores que o mundo nunca mais vai ser o que já foi. Pura redundância, até porque sempre o disseram. Só que, noutros tempos, os conservadores tinham horror às tecnologias e às cavalgadas que tinham como meta as inovações racionais ao arrepio de uma certa ordem herdada e adquirida ao longo das eras. Mas, nos dias que correm, os novos conservadores têm outras memórias e desaires e, por isso mesmo, não querem aceitar as circunstâncias do presente, não querem encarar as realidades do mundo actual e, sobretudo, não querem de modo nenhum compreender que foram (ou julgaram ser) revolucionários num mundo que já não existe. Eternos credores de desígnios defuntos.
É verdade que o pós-Segunda Grande Guerra Mundial criou uma nova disposição legal para aquilo que, à época, ainda era uma noção centrada e certinha, ou seja, o Estado-nação. A Carta das Nações Unidas foi, desde esse reatar da mais recente história da humanidade, uma espécie de Magna-Carta ou de Constituição reguladora do que passou a designar-se por Comunidade Internacional. Os vetos, os membros efectivos do Conselho de Segurança, os diferendos e as crises mundiais, as dissuasões e as desmedidas hipocrisias da guerra-fria, tudo isso se passou a basear nesse instrumento que, há cerca de meio século, assumiu a tentação de reordenamento do planeta. A partir dessa altura, pode também afirmar-se que o mundo nunca mais foi o mesmo.
A queda do muro de Berlim é um facto simbólico que conduziu ao colapso das traves mestras onde todo este edifício assentava. Tal facto libertador, ou, mais geralmente, o facto de as ideologias e outras referências pesadas terem deixado de mobilizar as sociedades contribuiu para um mundo subitamente mais aberto, mais plural e com apetências para a reinvenção democrática. A estas alterações juntou-se uma outra que se traduziu pela entrada em cena de novas tecnologias, através das quais o mundo passou a ser codificado de um modo meteórico e sem precedentes. A legalidade de pós-1945 nunca mais foi a mesma durante esta fase que fez da década passada uma arena em que surgiram novos tipos de conflito (Golfo, Chechénia, Guerra civil da ex-Jugoslávia, Guerra do Kosovo) e de desafios (a mundialização das instituições, a nova economia, as inquietações ambientais globalizadas).
O 11 de Setembro, aceite-se ou não, é um acontecimento ainda a decorrer que veio alterar profundamente a já frágil legalidade criada no pós-1945 e que, entre 1989 e 2001, hibernou em atmosfera pouco estável. Subitamente, o espectro do hiperterrorismo, a ameaça do terrorismo nuclear e a sistematização de novíssimos tipos de violência (mormente suicidária) vieram preencher o quadro incipiente onde uma nova ordem mundial tentava edificar-se. É no seio desta turbulência, própria dos períodos de transição entre duas legalidades duradouras, que a actual guerra iraquiana ocorre. O cruzamento de opiniões, as palavras de ordem cruzadas, os antagonismos da opinião pública e as imagens em tempo real da guerra - que chocam particularmente o Ocidente por herdar dois séculos de humanismo racionalizante - inserem-se neste quadro de turbulência e, portanto, de difícil objectivação das novas realidades.
Dizem os novos conservadores que o mundo nunca mais vai ser o que já foi. Pura redundância, até porque sempre o disseram. Só que, noutros tempos, os conservadores tinham horror às tecnologias e às cavalgadas que tinham como meta as inovações racionais ao arrepio de uma certa ordem herdada e adquirida ao longo das eras. Mas, nos dias que correm, os novos conservadores têm outras memórias e desaires e, por isso mesmo, não querem aceitar as circunstâncias do presente, não querem encarar as realidades do mundo actual e, sobretudo, não querem de modo nenhum compreender que foram (ou julgaram ser) revolucionários num mundo que já não existe. Eternos credores de desígnios defuntos.
É verdade que o pós-Segunda Grande Guerra Mundial criou uma nova disposição legal para aquilo que, à época, ainda era uma noção centrada e certinha, ou seja, o Estado-nação. A Carta das Nações Unidas foi, desde esse reatar da mais recente história da humanidade, uma espécie de Magna-Carta ou de Constituição reguladora do que passou a designar-se por Comunidade Internacional. Os vetos, os membros efectivos do Conselho de Segurança, os diferendos e as crises mundiais, as dissuasões e as desmedidas hipocrisias da guerra-fria, tudo isso se passou a basear nesse instrumento que, há cerca de meio século, assumiu a tentação de reordenamento do planeta. A partir dessa altura, pode também afirmar-se que o mundo nunca mais foi o mesmo.
A queda do muro de Berlim é um facto simbólico que conduziu ao colapso das traves mestras onde todo este edifício assentava. Tal facto libertador, ou, mais geralmente, o facto de as ideologias e outras referências pesadas terem deixado de mobilizar as sociedades contribuiu para um mundo subitamente mais aberto, mais plural e com apetências para a reinvenção democrática. A estas alterações juntou-se uma outra que se traduziu pela entrada em cena de novas tecnologias, através das quais o mundo passou a ser codificado de um modo meteórico e sem precedentes. A legalidade de pós-1945 nunca mais foi a mesma durante esta fase que fez da década passada uma arena em que surgiram novos tipos de conflito (Golfo, Chechénia, Guerra civil da ex-Jugoslávia, Guerra do Kosovo) e de desafios (a mundialização das instituições, a nova economia, as inquietações ambientais globalizadas).
O 11 de Setembro, aceite-se ou não, é um acontecimento ainda a decorrer que veio alterar profundamente a já frágil legalidade criada no pós-1945 e que, entre 1989 e 2001, hibernou em atmosfera pouco estável. Subitamente, o espectro do hiperterrorismo, a ameaça do terrorismo nuclear e a sistematização de novíssimos tipos de violência (mormente suicidária) vieram preencher o quadro incipiente onde uma nova ordem mundial tentava edificar-se. É no seio desta turbulência, própria dos períodos de transição entre duas legalidades duradouras, que a actual guerra iraquiana ocorre. O cruzamento de opiniões, as palavras de ordem cruzadas, os antagonismos da opinião pública e as imagens em tempo real da guerra - que chocam particularmente o Ocidente por herdar dois séculos de humanismo racionalizante - inserem-se neste quadro de turbulência e, portanto, de difícil objectivação das novas realidades.
Há quem esteja fora do tempo
Não foi apenas o mundo político que se alterou nos últimos quinze anos. O que se desestruturou foi o próprio fundamento que havia sido lentamente organizado, hierarquizado e definido no pós-Iluminismo. Muitos dos actuais oradores dissimuladamente pós-estalinistas esquecem que a guerra-fria é um assunto tão passado quanto a rivalidade franco-prussiana, do mesmo modo que os sonhos de Saint-Simon e as miragens colectivistas do homem novo já não constituem álibis para a cegueira e para muitas das violências hediondas que o século XX conheceu.
Para uma mente antinómica - e a esquerda, como muita direita, está cheia delas - o vislumbramento de uma sociedade aberta é algo perigoso, do mesmo modo que a desestruturação do mundo em que cresceu se torna numa espécie de crime inaceitável.
Não foi apenas o mundo político que se alterou nos últimos quinze anos. O que se desestruturou foi o próprio fundamento que havia sido lentamente organizado, hierarquizado e definido no pós-Iluminismo. Muitos dos actuais oradores dissimuladamente pós-estalinistas esquecem que a guerra-fria é um assunto tão passado quanto a rivalidade franco-prussiana, do mesmo modo que os sonhos de Saint-Simon e as miragens colectivistas do homem novo já não constituem álibis para a cegueira e para muitas das violências hediondas que o século XX conheceu.
Para uma mente antinómica - e a esquerda, como muita direita, está cheia delas - o vislumbramento de uma sociedade aberta é algo perigoso, do mesmo modo que a desestruturação do mundo em que cresceu se torna numa espécie de crime inaceitável.
BD vs DB vs RTP - 2
No post de baixo, onde está escrito "higiénico" deveria estar "penço (penso ?) higiénico". Já agora:
Sob a sombra dos cedros,
entre celgas,
cicuta e a excessiva cerejeira,
ouvi a palavra,
porventura o sacrifício.
Mas confesso que o homem estava farto de imolações !
De manhã,
levantava-se e os cedros,
à entrada da garagem, eram
bolbos de cila
e dizia, a rir,
que tinha sido Sócrates
o primeiro apóstolo a morrer.
E tu ficavas de boca aberta,
de asas quase em seiva,
a tentar levantar voo.
Tão farto estava o homem de imolações
que comprou a Bola e gostou.
No post de baixo, onde está escrito "higiénico" deveria estar "penço (penso ?) higiénico". Já agora:
Sob a sombra dos cedros,
entre celgas,
cicuta e a excessiva cerejeira,
ouvi a palavra,
porventura o sacrifício.
Mas confesso que o homem estava farto de imolações !
De manhã,
levantava-se e os cedros,
à entrada da garagem, eram
bolbos de cila
e dizia, a rir,
que tinha sido Sócrates
o primeiro apóstolo a morrer.
E tu ficavas de boca aberta,
de asas quase em seiva,
a tentar levantar voo.
Tão farto estava o homem de imolações
que comprou a Bola e gostou.
BD vs DB vs RTP
00.19 de 09 de Setembro de 2003. RTP 1. Anúncio de um higiénico. Muita cor, muita dança e, de repente, a culminar o espaço lúdico-publicitário, aparece o desgarrado lema: "Desperta o teu lado tanga".
E fica a gente logo a pensar que aquilo ou é BD ou é DB.
E ainda andam às turras por causa das denúncias do Expresso e da CT !
00.19 de 09 de Setembro de 2003. RTP 1. Anúncio de um higiénico. Muita cor, muita dança e, de repente, a culminar o espaço lúdico-publicitário, aparece o desgarrado lema: "Desperta o teu lado tanga".
E fica a gente logo a pensar que aquilo ou é BD ou é DB.
E ainda andam às turras por causa das denúncias do Expresso e da CT !
segunda-feira, 8 de setembro de 2003
O cão Ulisses
Não sei por que me olha com aqueles olhos. Nem sei como se esvai o que paira na inquietação daquele olhar. Nem sei da razão desta fidelidade tão última, tão derradeira, tão ilibada de todo o pecado. Ulisses é o meu cão. Tem focinho preto e as orelhas muito escuras a contrastar com a densidade do pelo amarelo que tem o ocre e a mancha tardia e ensolarada dos fenos. Apenas as patas nas suas extremidades são brancas, assim como a nuvem longilínea que lhe prolonga a estria do peito, desde a suculenta lanugem do bucho à fugidia e famigerada barbela. O Ulisses deita-se, resfolga e por fim incita a cauda, de modo langoroso e pausado, ao seu destemido vaivém de hélice febril. Está aqui ao meu lado a escrever o seu próprio e misterioso blogue. Com o olhar. Com a mestria da sua expressão assombrada e ao mesmo tempo luminosa. É assim o Ulisses.
Ali Alatas: os pactos
O odiado de 09/99 é o agora aprazível convidado das terras de Timor Leste.
São assim todos os pactos, na sua imensa maioria: ninguém os controla, ninguém os prevê e ninguém os acompanha. Mas nem todos os pactos dão a ver tão claramente a sua própria natureza.
É assim também com os livros.
Abrem-se e fecham-se ao menos óbvi,o ao mesmo tempo que convidam ao versosímil. Por isso mesmo, não há livro que avance para uma finalidade prescrita. Não há livro que pactue com quem o queira adivinhar de forma monocórdica, paulatina e previsível. Nem mesmo a Rosinha do Adro.
Nem mesmo o Big Brother, se fosse livro.
Nem mesmo o processo da Casa pia, quando vier a ser livro. Ou livros.
Não é assim Marta ? (Desculpem requerer, neste epílogo de post, um destinário singular. Mas combinação é combinação...)
Não sei por que me olha com aqueles olhos. Nem sei como se esvai o que paira na inquietação daquele olhar. Nem sei da razão desta fidelidade tão última, tão derradeira, tão ilibada de todo o pecado. Ulisses é o meu cão. Tem focinho preto e as orelhas muito escuras a contrastar com a densidade do pelo amarelo que tem o ocre e a mancha tardia e ensolarada dos fenos. Apenas as patas nas suas extremidades são brancas, assim como a nuvem longilínea que lhe prolonga a estria do peito, desde a suculenta lanugem do bucho à fugidia e famigerada barbela. O Ulisses deita-se, resfolga e por fim incita a cauda, de modo langoroso e pausado, ao seu destemido vaivém de hélice febril. Está aqui ao meu lado a escrever o seu próprio e misterioso blogue. Com o olhar. Com a mestria da sua expressão assombrada e ao mesmo tempo luminosa. É assim o Ulisses.
Ali Alatas: os pactos
O odiado de 09/99 é o agora aprazível convidado das terras de Timor Leste.
São assim todos os pactos, na sua imensa maioria: ninguém os controla, ninguém os prevê e ninguém os acompanha. Mas nem todos os pactos dão a ver tão claramente a sua própria natureza.
É assim também com os livros.
Abrem-se e fecham-se ao menos óbvi,o ao mesmo tempo que convidam ao versosímil. Por isso mesmo, não há livro que avance para uma finalidade prescrita. Não há livro que pactue com quem o queira adivinhar de forma monocórdica, paulatina e previsível. Nem mesmo a Rosinha do Adro.
Nem mesmo o Big Brother, se fosse livro.
Nem mesmo o processo da Casa pia, quando vier a ser livro. Ou livros.
Não é assim Marta ? (Desculpem requerer, neste epílogo de post, um destinário singular. Mas combinação é combinação...)
A crise do ensino
O meu colega Eduardo Esperança enviou-me um artigo da autoria de Pierre Jourde (professor da Universidade Stendhal, Grenoble III) que faz eco da grande crise por que passa a universidade em França, mas não só. Num mundo cada vez mais comprimido não podemos continuar a pensar que "com o mal dos outros podemos bem". Ou seja, se o 11 de Setembro se está a passar em todo o mundo, se a questão do Iraque é obrigatoriamente uma questão do nosso bairro global, também os grandes problemas da justiça planetária ou do ensino têm que necessariamente dizer respeito a todos, em cada momento. Leiamos, pois, alguns extractos do texto de Pierre Jourde para reflexão. Penso que, infelizmente, grandes partes dos males decsritos também se revelam por cá. Às vezes, hiperbolicamente:
A universidade francesa morreu. Morreu como universidade, ou seja, como comunidade científica em que a investigação se associa a um ensino especializado de alto nível. Sobram alguns estabelecimentos pedagógicos pós-ensino secundário. Mas a universidade foi morta pela mediocridade.
Postos de trabalho “secundarizados"
Pensa-se que a universidade emprega os melhores professores. Isso já foi verdade, mas é-o cada vez menos. A especialização desaparece em proveito de uma docência pedagógica ou didáctica. Neste âmbito, o ano de 2003 será memorável: em letras, não foi houve qualquer novo posto de trabalho na área da investigação com a categoria de "maître de conférences" em literatura do século XIX, ao mesmo tempo que houve uma vaga de colocações em "técnicas de expressão". Trocado por miúdos: a universidade não passa de uma espécie de liceu onde os professores têm de esforçar-se por ensinar os alunos a saber construir uma frase. Muitas matérias para as quais não há nenhum docente universitário titular são entregues a professores provisórios pedidos de empréstimo aos liceus. Ou então recrutam-se professores agregados, escravos da universidade que têm de assegurar o dobro de horas pelo mesmo salário, que andam sempre cheios de trabalho e não têm tempo nenhum para se dedicarem à investigação.
Carências do recrutamento
Quando se abre concurso para um verdadeiro posto de trabalho, o "localismo" galopante implica que ele seja atribuído, não à pessoa mais meritória, mas àquela que já lá está e que previamente foi prevista para o ocupar. Os concursos tendem assim a tornar-se falsos concursos. Os candidatos bem podem enviar dossiês volumosos, atravessar o país de lés a lés, cheios de esperança e de angústia, porque acabam por fazer mera figuração democrática num espectáculo em que tudo está antecipadamente decidido. 0 título do posto de trabalho corresponde de modo muito preciso à tese do candidato local. Um reitor formado em electrotécnica pode muito bem meter-se numa comissão de literatura para que o candidato local seja eleito. Um conselho de administração pode perfeitamente anular a eleição de um candidato que não é do sítio. Quem manda pode fazer eleger a mulher, o filho, o cunhado, ou o filho do farmacêutico local, sem ter em conta as qualidades do respectivo currículo - porque, se o candidato não for pessoa conhecida, não poderá ser o melhor aspirante. A reforma do antigo ministro da Educação Claude Allègre facilitou uma tal evolução. Antes disso, todos os professores eram membros de pleno direito das comissões de recrutamento, um sistema simples, eficaz e que limitava os riscos de ruptura. Os serviços da Educação Nacional têm o génio da complicação. Actualmente, estas comissões são eleitas a partir de listas, coisa que as reduz muito e facilita o domínio que uns quantos indivíduos podem exercer sobre os recrutamentos. 0 projecto de descentralização só fará agravar as coisas.
Pobreza das instalações
Qualquer pessoa que tenha frequentado as universidades italianas ou inglesas pode avaliar a que ponto a maioria dos professores e dos estudantes vivem em França num ambiente de fealdade quotidiana. Edifícios hediondos, vetustos, cinzentos; salas de aulas e escritórios em número insuficiente, patibulares e a abarrotar; míseras bibliotecas; campus sinistros, imundos, semelhantes a bairros periféricos, afastados dos centros das cidades, sem vida fora das aulas. Ao que parece, a urgência consistiria em alinharmo-nos pela Europa na organização dos estudos. E se imitássemos a Europa no tocante à qualidade das instalações universitárias?
Mesquinhez financeira
Os colóquios representam um elemento importante da vida universitária e da difusão dos saberes. Mas já não há dinheiro para isso. A organização de tais iniciativas e a publicação das actas tornou-se, para os professores que por isso se responsabilizam, uma esgotante caça ao subsídio, um exercício de preenchimento de quilos de dossiês. Os organismos municipais ainda vão concedendo algumas subvenções, com a condição de o tema ser local. Se alguém quiser organizar um encontro internacional sobre um assunto internacional numa universidade de província, será obrigado a apelar a muita imaginação e esperança. Se o conseguir, terá de receber os congressistas num parque de campismo ou em hotéis manhosos. Deverá, além disso, exigir o pagamento de inscrições aos seus convidados, os quais, por conseguinte, terão de pagar para trabalhar. Para um conferencista, o regulamento prevê um máximo de 38 euros no tocante ao alojamento (incluindo o pequeno almoço) e de 15 euros quanto a despesas de alimentação. A mais simples deslocação, para se participar num júri de tese ou numa comissão, implica o preenchimento de documentos tão variados como numerosos, ficando o interessado à espera do reembolso durante semanas ou meses. Alguns, cansados de tais coisas, acabam por renunciar.
Reformas ininterruptas
A universidade parece-se com uma casa cujas obras nunca acabam. Todos os anos ou de dois em dois anos as obras recomeçam, arranca-se a alcatifa, atira-se uma parede abaixo, acrescenta-se aqui mais uma torre, acolá um anexo, um andar noutro sítio, de tal jeito que em vez de ficarmos com um edifício funcional e habitável, vivemos num inominável mamarracho, sempre perante riscos de desmoronamento, a tropeçar no cascalho das demolições. Cada novo ministro ou cada novo conselheiro de ministro acrescenta uma nova disposição legal, inventa uma comissão suplementar, concebe a sua reformazinha pessoal, tudo coisas que vão implicar mais reuniões, assembleias, circulares, relatórios, resumos, avaliações, interpretações e glosas dos textos sagrados mas anfigúricos publicados no Diário da República. Uma vez tudo isso terminado, desfaz-se o que foi feito e recomeça-se. Ainda mal as pessoas tiveram tempo de compreender os meandros da nova reforma, já outra vai ter de as ocupar, num incessante e monstruoso dispêndio de energias.
Burocratização
Doravante, ser professor universitário significa sobretudo ser um burocrata. Duas coisas obcecam a administração central: o controlo e a invenção de novas estruturas. Com tanto bizantinismo e tantas contorções, a organização dos estudos, dos exames e das notas tornou-se de tal maneira confusa que os estudantes não entendem patavina - e às vezes os próprios docentes só com esforço percebem. Chegamos assim ao seguinte paradoxo: os responsáveis, a pretexto de facilitar os estudos, tornam-nos opacos. Deste modo, os meios substituem quase inteiramente os fins. A organização de tudo pelas normas europeias justifica agora toda a espécie de reformas. Mas na particularidade do sistema francês não se toca, ou seja, no seu triplo ensino superior: Universidade, Grandes Escolas, Instituto Universitário de Formação de Professores do Ensino Básico e Secundário (IUFM). As grandes escolas permitem que as elites fujam da mediocridade universitária; os IUFM caricaturam os defeitos da universidade, tendo-se tornado enormes e ruinosas fábricas burocráticas onde a maior parte da energia se perde em reuniões, processos e relatórios, onde os estudantes se queixam regularmente (mas em vão) de ter de suportar matérias muitas vezes ineptas, demagógicas e sem utilidade real.
Obrigações de trabalho acrescentadas
Desde 1981, quando de uma só pe- nada foram aumentadas 50 por cento as obrigações de ensino, os docentes universitários submeteram-se à vaga das reformas, à multiplicação do número de alunos, à lenta degradação das suas condições de trabalho. Agora, na maior parte dos casos, o docente tem de ensinar, preparar as aulas, corrigir os testes, receber os alunos, participar nos júris de fim de semestre, em toda a espécie de reuniões; tem de se informar sobre a nova reforma em curso e de tentar aplicá-la, de participar em comissões de especialidades (relatórios, dossiês, reuniões), em diversas comissões nacionais (idem), na orientação de teses ou de mestrados (por vezes às dezenas), de participar nos respectivos júris, de preencher processos verbais, relatórios, dossiês a respeito de tudo e de nada, de assumir tarefas administrativas - dirigir o ano lectivo, o departamento, a unidade de formação e investigação, a universidade, os conselhos científicos ou de administração, o conselho de estudos e da vida universitária, fazer peritagem de exames e dossiês, presidir júris de fim do ensino secundário, dirigir centros de investigação, revistas, colecções (e portanto examinar manuscritos), assistir a seminários e colóquios, e talvez ocupar-se da respectiva organização, e enfim, se lhe restar algum tempo, ser investigador, ou seja, ir a bibliotecas, escrever livros ou artigos. 0 professor universitário vê-se assim muitas vezes perante duas hipóteses: ou renuncia a toda e qualquer investigação para se dedicar ao ensino e à burocracia, ou elimina a sua vida privada. O sistema já não concebe que o professor do ensino secundário ou universitário tenha tempo. Já nem sequer concebe o ingrediente necessário à reflexão, a liberdade. Um investigador já não pode fazer investigação sozinho ou com colegas escolhidos, tem de integrar-se em equipas (que são mais umas pequenas máquinas administrativas), bem como nos seus programas de investigação; ou faz isso ou morre. E normal que lho proponham, mas que isso se torne uma obrigação é absurdo. Nada melhor para eliminar radicalmente qualquer possível originalidade. Assim sendo, por falta de tempo livre para dedicar à reflexão e ao trabalho a longo prazo, por falta de simples liberdade, há uma categoria da sociedade francesa que está a desaparecer: o intelectual. Quem poderá fazer aquilo que a administração não previu nem planificou que ele fizesse? Quem poderá ainda dedicar-se à escrita de um grande romance, de um ensaio importante? A proliferação burocrática está a substituir o intelectual ou o criador pelo pedagogo ou pelo funcionário. Vamos ter a vida cultural que as reformas do ensino nos prepararam.
Diplomas desvalorizados
Com o enorme aumento dos seus efectivos, a universidade foi confrontada com o insucesso maciço que ocorre no 1° ano. Os reformadores recusam-se a admitir que este insucesso se deve a lacunas profundas dos estudantes, herdadas do ensino primário e secundário, e que todo o sistema está em causa. Não afirmamos com isto que "o nível baixa" nem que os estudantes são globalmente incompetentes. Mas qualquer professor do ensino superior sabe perfeitamente que as universidades tiveram de receber massas de estudantes incapazes de acompanhar uma aula rudimentar, de redigir um texto simples ou de o compreender. Os responsáveis agiram de maneira a que pudessem terminar o ensino secundário estudantes cujo nível de incultura é de pasmar, que não dominam a sintaxe, a ortografia, o vocabulário. Segundo as autoridades, de que muitos jornalistas especializados se fazem eco, a solução consistiria em reorganizar os exames, as disciplinas e as práticas de ensino. Primeiro exigiu-se que os docentes universitários se mostrassem mais pedagogos. Coisa que corresponde, por obsessão pedagógica de princípio, a ignorar a realidade do ensino. 0 mandarim que debita o seu discurso sem procurar fazer-se entender tornou-se ave rara. Há muito tempo que os universitários explicam e simplificam. Mas ultrapassando-se um certo grau de simplificação, aquilo que se quer ensinar deixa de ter conteúdo e significação. Depois os primeiros ciclos universitários foram desprovidos de quase toda a especialização, sendo os exames organizados de tal forma que as más notas pudessem ser compensadas ao máximo. Actualmente, um estudante de letras que apesar de todos os esforços "pedagógicos" não sabe conjugar um verbo do terceiro grupo, que ignora os rudimentos de qualquer cultura literária, que confunde Victor Hugo e Zola, a Revolução Francesa e o surrealismo, poderá obter um diploma de estudo universitário geral (DEUG) de letras juntamente com informática, desporto, técnicas de expressão e uma opção de cinema. Posteriormente considerou-se - mais uma ideia genial - que o insucesso escolar resultava de uma má orientação. As autoridades tiveram mais uma vez de fazer habilidades com os horários e a organização dos estudos para prever trocas de cursos e passagens de uma faculdade para a outra. Tudo porém evidencia que o insucesso de massas provém das lacunas de base, as quais revelam os mesmos problemas em geografia, filosofia, inglês ou psicologia. Para se conformarem com o molde europeu, os estudos foram "semestrializados" (ou seja, foram duplicados os períodos de exame). Por outras palavras, jovens que saem do secundário, que não sabem nada da universidade, dispõem de doze sessões de aulas, em vez de vinte e quatro, antes de passarem o exame. E fácil imaginar a que ponto pode também semelhante medida reduzir a percentagem de insucesso...
Ilusão Demagógica
O insucesso escolar suscitou em grande parte uma espécie de assistência social. É preciso recomeçar tudo pela base: saber como tomar notas, como utilizar uma biblioteca, como construir uma frase, como fazer concordar um particípio. Multiplicam-se as muletas, os amparos, os exames de recuperação, as aulas de metodologia. Evita-se ao máximo ensinar a disciplina propriamente dita. Todos os anos se inventam novos truques com vista a melhorar as estatísticas. Os resultados destas permanentes contorções para a todo o transe se obterem boas percentagens de êxito escolar consistem na criação duma gigantesca ilusão. Todo o sistema escolar, desde o ensino básico, confunde qualidade e quantidade. As pessoas regozijam-se com um melhoramento puramente estatístico, que não corresponde a competências reais. Cada vez mais jovens prolongam os seus estudos numa universidade que já não tem saídas profissionais a oferecer-lhes. Os diplomas são desvalorizados pela demagogia que tende a excluir toda e qualquer selecção, oferecendo poucas perspectivas profissionais claras, pelo menos nos sectores generalistas. Restam os concursos. Mas nestes a selecção mantém-se, obviamente. E as grandes escolas obtêm a maior parte. De maneira que muitos jovens terão assim sido encaminhados para becos sem saída. Quanto aos referidos IUFM, estes oferecem a muitos estudantes a perspectiva de se tomarem professores de escolas primárias ou do primeiro ciclo do secundário, se tiverem êxito no concurso. Mas nesta instituição de formação acentua-se cada vez mais a teoria do ensino em detrimento dos conteúdos das matérias. Este sistema, portanto, formará professores primários repletos de didáctica e de psicologia infantil. Mas não formará melhores pedagogos; criará docentes aptos a fazer trabalho de animação e a perpetuar o embuste que articula todo o sistema, mas que serão desgraçadamente incultos. E tudo recomeçará, desde o princípio.
De facto, a reflectir...
O meu colega Eduardo Esperança enviou-me um artigo da autoria de Pierre Jourde (professor da Universidade Stendhal, Grenoble III) que faz eco da grande crise por que passa a universidade em França, mas não só. Num mundo cada vez mais comprimido não podemos continuar a pensar que "com o mal dos outros podemos bem". Ou seja, se o 11 de Setembro se está a passar em todo o mundo, se a questão do Iraque é obrigatoriamente uma questão do nosso bairro global, também os grandes problemas da justiça planetária ou do ensino têm que necessariamente dizer respeito a todos, em cada momento. Leiamos, pois, alguns extractos do texto de Pierre Jourde para reflexão. Penso que, infelizmente, grandes partes dos males decsritos também se revelam por cá. Às vezes, hiperbolicamente:
A universidade francesa morreu. Morreu como universidade, ou seja, como comunidade científica em que a investigação se associa a um ensino especializado de alto nível. Sobram alguns estabelecimentos pedagógicos pós-ensino secundário. Mas a universidade foi morta pela mediocridade.
Postos de trabalho “secundarizados"
Pensa-se que a universidade emprega os melhores professores. Isso já foi verdade, mas é-o cada vez menos. A especialização desaparece em proveito de uma docência pedagógica ou didáctica. Neste âmbito, o ano de 2003 será memorável: em letras, não foi houve qualquer novo posto de trabalho na área da investigação com a categoria de "maître de conférences" em literatura do século XIX, ao mesmo tempo que houve uma vaga de colocações em "técnicas de expressão". Trocado por miúdos: a universidade não passa de uma espécie de liceu onde os professores têm de esforçar-se por ensinar os alunos a saber construir uma frase. Muitas matérias para as quais não há nenhum docente universitário titular são entregues a professores provisórios pedidos de empréstimo aos liceus. Ou então recrutam-se professores agregados, escravos da universidade que têm de assegurar o dobro de horas pelo mesmo salário, que andam sempre cheios de trabalho e não têm tempo nenhum para se dedicarem à investigação.
Carências do recrutamento
Quando se abre concurso para um verdadeiro posto de trabalho, o "localismo" galopante implica que ele seja atribuído, não à pessoa mais meritória, mas àquela que já lá está e que previamente foi prevista para o ocupar. Os concursos tendem assim a tornar-se falsos concursos. Os candidatos bem podem enviar dossiês volumosos, atravessar o país de lés a lés, cheios de esperança e de angústia, porque acabam por fazer mera figuração democrática num espectáculo em que tudo está antecipadamente decidido. 0 título do posto de trabalho corresponde de modo muito preciso à tese do candidato local. Um reitor formado em electrotécnica pode muito bem meter-se numa comissão de literatura para que o candidato local seja eleito. Um conselho de administração pode perfeitamente anular a eleição de um candidato que não é do sítio. Quem manda pode fazer eleger a mulher, o filho, o cunhado, ou o filho do farmacêutico local, sem ter em conta as qualidades do respectivo currículo - porque, se o candidato não for pessoa conhecida, não poderá ser o melhor aspirante. A reforma do antigo ministro da Educação Claude Allègre facilitou uma tal evolução. Antes disso, todos os professores eram membros de pleno direito das comissões de recrutamento, um sistema simples, eficaz e que limitava os riscos de ruptura. Os serviços da Educação Nacional têm o génio da complicação. Actualmente, estas comissões são eleitas a partir de listas, coisa que as reduz muito e facilita o domínio que uns quantos indivíduos podem exercer sobre os recrutamentos. 0 projecto de descentralização só fará agravar as coisas.
Pobreza das instalações
Qualquer pessoa que tenha frequentado as universidades italianas ou inglesas pode avaliar a que ponto a maioria dos professores e dos estudantes vivem em França num ambiente de fealdade quotidiana. Edifícios hediondos, vetustos, cinzentos; salas de aulas e escritórios em número insuficiente, patibulares e a abarrotar; míseras bibliotecas; campus sinistros, imundos, semelhantes a bairros periféricos, afastados dos centros das cidades, sem vida fora das aulas. Ao que parece, a urgência consistiria em alinharmo-nos pela Europa na organização dos estudos. E se imitássemos a Europa no tocante à qualidade das instalações universitárias?
Mesquinhez financeira
Os colóquios representam um elemento importante da vida universitária e da difusão dos saberes. Mas já não há dinheiro para isso. A organização de tais iniciativas e a publicação das actas tornou-se, para os professores que por isso se responsabilizam, uma esgotante caça ao subsídio, um exercício de preenchimento de quilos de dossiês. Os organismos municipais ainda vão concedendo algumas subvenções, com a condição de o tema ser local. Se alguém quiser organizar um encontro internacional sobre um assunto internacional numa universidade de província, será obrigado a apelar a muita imaginação e esperança. Se o conseguir, terá de receber os congressistas num parque de campismo ou em hotéis manhosos. Deverá, além disso, exigir o pagamento de inscrições aos seus convidados, os quais, por conseguinte, terão de pagar para trabalhar. Para um conferencista, o regulamento prevê um máximo de 38 euros no tocante ao alojamento (incluindo o pequeno almoço) e de 15 euros quanto a despesas de alimentação. A mais simples deslocação, para se participar num júri de tese ou numa comissão, implica o preenchimento de documentos tão variados como numerosos, ficando o interessado à espera do reembolso durante semanas ou meses. Alguns, cansados de tais coisas, acabam por renunciar.
Reformas ininterruptas
A universidade parece-se com uma casa cujas obras nunca acabam. Todos os anos ou de dois em dois anos as obras recomeçam, arranca-se a alcatifa, atira-se uma parede abaixo, acrescenta-se aqui mais uma torre, acolá um anexo, um andar noutro sítio, de tal jeito que em vez de ficarmos com um edifício funcional e habitável, vivemos num inominável mamarracho, sempre perante riscos de desmoronamento, a tropeçar no cascalho das demolições. Cada novo ministro ou cada novo conselheiro de ministro acrescenta uma nova disposição legal, inventa uma comissão suplementar, concebe a sua reformazinha pessoal, tudo coisas que vão implicar mais reuniões, assembleias, circulares, relatórios, resumos, avaliações, interpretações e glosas dos textos sagrados mas anfigúricos publicados no Diário da República. Uma vez tudo isso terminado, desfaz-se o que foi feito e recomeça-se. Ainda mal as pessoas tiveram tempo de compreender os meandros da nova reforma, já outra vai ter de as ocupar, num incessante e monstruoso dispêndio de energias.
Burocratização
Doravante, ser professor universitário significa sobretudo ser um burocrata. Duas coisas obcecam a administração central: o controlo e a invenção de novas estruturas. Com tanto bizantinismo e tantas contorções, a organização dos estudos, dos exames e das notas tornou-se de tal maneira confusa que os estudantes não entendem patavina - e às vezes os próprios docentes só com esforço percebem. Chegamos assim ao seguinte paradoxo: os responsáveis, a pretexto de facilitar os estudos, tornam-nos opacos. Deste modo, os meios substituem quase inteiramente os fins. A organização de tudo pelas normas europeias justifica agora toda a espécie de reformas. Mas na particularidade do sistema francês não se toca, ou seja, no seu triplo ensino superior: Universidade, Grandes Escolas, Instituto Universitário de Formação de Professores do Ensino Básico e Secundário (IUFM). As grandes escolas permitem que as elites fujam da mediocridade universitária; os IUFM caricaturam os defeitos da universidade, tendo-se tornado enormes e ruinosas fábricas burocráticas onde a maior parte da energia se perde em reuniões, processos e relatórios, onde os estudantes se queixam regularmente (mas em vão) de ter de suportar matérias muitas vezes ineptas, demagógicas e sem utilidade real.
Obrigações de trabalho acrescentadas
Desde 1981, quando de uma só pe- nada foram aumentadas 50 por cento as obrigações de ensino, os docentes universitários submeteram-se à vaga das reformas, à multiplicação do número de alunos, à lenta degradação das suas condições de trabalho. Agora, na maior parte dos casos, o docente tem de ensinar, preparar as aulas, corrigir os testes, receber os alunos, participar nos júris de fim de semestre, em toda a espécie de reuniões; tem de se informar sobre a nova reforma em curso e de tentar aplicá-la, de participar em comissões de especialidades (relatórios, dossiês, reuniões), em diversas comissões nacionais (idem), na orientação de teses ou de mestrados (por vezes às dezenas), de participar nos respectivos júris, de preencher processos verbais, relatórios, dossiês a respeito de tudo e de nada, de assumir tarefas administrativas - dirigir o ano lectivo, o departamento, a unidade de formação e investigação, a universidade, os conselhos científicos ou de administração, o conselho de estudos e da vida universitária, fazer peritagem de exames e dossiês, presidir júris de fim do ensino secundário, dirigir centros de investigação, revistas, colecções (e portanto examinar manuscritos), assistir a seminários e colóquios, e talvez ocupar-se da respectiva organização, e enfim, se lhe restar algum tempo, ser investigador, ou seja, ir a bibliotecas, escrever livros ou artigos. 0 professor universitário vê-se assim muitas vezes perante duas hipóteses: ou renuncia a toda e qualquer investigação para se dedicar ao ensino e à burocracia, ou elimina a sua vida privada. O sistema já não concebe que o professor do ensino secundário ou universitário tenha tempo. Já nem sequer concebe o ingrediente necessário à reflexão, a liberdade. Um investigador já não pode fazer investigação sozinho ou com colegas escolhidos, tem de integrar-se em equipas (que são mais umas pequenas máquinas administrativas), bem como nos seus programas de investigação; ou faz isso ou morre. E normal que lho proponham, mas que isso se torne uma obrigação é absurdo. Nada melhor para eliminar radicalmente qualquer possível originalidade. Assim sendo, por falta de tempo livre para dedicar à reflexão e ao trabalho a longo prazo, por falta de simples liberdade, há uma categoria da sociedade francesa que está a desaparecer: o intelectual. Quem poderá fazer aquilo que a administração não previu nem planificou que ele fizesse? Quem poderá ainda dedicar-se à escrita de um grande romance, de um ensaio importante? A proliferação burocrática está a substituir o intelectual ou o criador pelo pedagogo ou pelo funcionário. Vamos ter a vida cultural que as reformas do ensino nos prepararam.
Diplomas desvalorizados
Com o enorme aumento dos seus efectivos, a universidade foi confrontada com o insucesso maciço que ocorre no 1° ano. Os reformadores recusam-se a admitir que este insucesso se deve a lacunas profundas dos estudantes, herdadas do ensino primário e secundário, e que todo o sistema está em causa. Não afirmamos com isto que "o nível baixa" nem que os estudantes são globalmente incompetentes. Mas qualquer professor do ensino superior sabe perfeitamente que as universidades tiveram de receber massas de estudantes incapazes de acompanhar uma aula rudimentar, de redigir um texto simples ou de o compreender. Os responsáveis agiram de maneira a que pudessem terminar o ensino secundário estudantes cujo nível de incultura é de pasmar, que não dominam a sintaxe, a ortografia, o vocabulário. Segundo as autoridades, de que muitos jornalistas especializados se fazem eco, a solução consistiria em reorganizar os exames, as disciplinas e as práticas de ensino. Primeiro exigiu-se que os docentes universitários se mostrassem mais pedagogos. Coisa que corresponde, por obsessão pedagógica de princípio, a ignorar a realidade do ensino. 0 mandarim que debita o seu discurso sem procurar fazer-se entender tornou-se ave rara. Há muito tempo que os universitários explicam e simplificam. Mas ultrapassando-se um certo grau de simplificação, aquilo que se quer ensinar deixa de ter conteúdo e significação. Depois os primeiros ciclos universitários foram desprovidos de quase toda a especialização, sendo os exames organizados de tal forma que as más notas pudessem ser compensadas ao máximo. Actualmente, um estudante de letras que apesar de todos os esforços "pedagógicos" não sabe conjugar um verbo do terceiro grupo, que ignora os rudimentos de qualquer cultura literária, que confunde Victor Hugo e Zola, a Revolução Francesa e o surrealismo, poderá obter um diploma de estudo universitário geral (DEUG) de letras juntamente com informática, desporto, técnicas de expressão e uma opção de cinema. Posteriormente considerou-se - mais uma ideia genial - que o insucesso escolar resultava de uma má orientação. As autoridades tiveram mais uma vez de fazer habilidades com os horários e a organização dos estudos para prever trocas de cursos e passagens de uma faculdade para a outra. Tudo porém evidencia que o insucesso de massas provém das lacunas de base, as quais revelam os mesmos problemas em geografia, filosofia, inglês ou psicologia. Para se conformarem com o molde europeu, os estudos foram "semestrializados" (ou seja, foram duplicados os períodos de exame). Por outras palavras, jovens que saem do secundário, que não sabem nada da universidade, dispõem de doze sessões de aulas, em vez de vinte e quatro, antes de passarem o exame. E fácil imaginar a que ponto pode também semelhante medida reduzir a percentagem de insucesso...
Ilusão Demagógica
O insucesso escolar suscitou em grande parte uma espécie de assistência social. É preciso recomeçar tudo pela base: saber como tomar notas, como utilizar uma biblioteca, como construir uma frase, como fazer concordar um particípio. Multiplicam-se as muletas, os amparos, os exames de recuperação, as aulas de metodologia. Evita-se ao máximo ensinar a disciplina propriamente dita. Todos os anos se inventam novos truques com vista a melhorar as estatísticas. Os resultados destas permanentes contorções para a todo o transe se obterem boas percentagens de êxito escolar consistem na criação duma gigantesca ilusão. Todo o sistema escolar, desde o ensino básico, confunde qualidade e quantidade. As pessoas regozijam-se com um melhoramento puramente estatístico, que não corresponde a competências reais. Cada vez mais jovens prolongam os seus estudos numa universidade que já não tem saídas profissionais a oferecer-lhes. Os diplomas são desvalorizados pela demagogia que tende a excluir toda e qualquer selecção, oferecendo poucas perspectivas profissionais claras, pelo menos nos sectores generalistas. Restam os concursos. Mas nestes a selecção mantém-se, obviamente. E as grandes escolas obtêm a maior parte. De maneira que muitos jovens terão assim sido encaminhados para becos sem saída. Quanto aos referidos IUFM, estes oferecem a muitos estudantes a perspectiva de se tomarem professores de escolas primárias ou do primeiro ciclo do secundário, se tiverem êxito no concurso. Mas nesta instituição de formação acentua-se cada vez mais a teoria do ensino em detrimento dos conteúdos das matérias. Este sistema, portanto, formará professores primários repletos de didáctica e de psicologia infantil. Mas não formará melhores pedagogos; criará docentes aptos a fazer trabalho de animação e a perpetuar o embuste que articula todo o sistema, mas que serão desgraçadamente incultos. E tudo recomeçará, desde o princípio.
De facto, a reflectir...
O 11 de Setembro revisitado - 4
Vem mesmo a calhar nos nossos apontamentos sobre o 09/11 o excelente post dos jaquinzinhos:
O epíteto anti-americano começa a cansar. Os visados reagem. Agora, sempre que se pretende fazer uma crítica eivada de anti-americanismo primário, começa-se por dizer "Já sei que me vão chamar anti-americano..." o que desarma qualquer um! Para um anti-anti-americano, chamar anti-americano ao anti-americano que diz que lhe vão chamar anti-americano é dar razão ao anti-americano. Complicado. Nenhum anti-anti-americano deseja dar razão a um anti-americano, principalmente se o seu anti-americanismo é primário.
Este fenómeno já sucedeu anteriormente com os activistas anti-globalização. Quando se cansaram do epíteto, mudaram-se de armas e bagagens da luta anti-globalização para a defesa de uma alter-globalização. Como quase todos os anti-globalizantes primários que se mudaram para a alter-globalização são também anti-americanos primários, extrapolemos a ideia. Acabemos com os anti-americanos. Daqui para a frente, um bom anti-anti-americano pode epitetar um anti-americano de alter-americano. E o anti-alter-americano pode ser chamado de alter-alter-americano em vez de anti-alter-americano. Para os casos mais básicos (tipo Sepúlveda) podemos manter o anti-anti-americano, ou, em alternativa, o alter-anti-americano.
Há sintonias crescentes, creio.
Vem mesmo a calhar nos nossos apontamentos sobre o 09/11 o excelente post dos jaquinzinhos:
O epíteto anti-americano começa a cansar. Os visados reagem. Agora, sempre que se pretende fazer uma crítica eivada de anti-americanismo primário, começa-se por dizer "Já sei que me vão chamar anti-americano..." o que desarma qualquer um! Para um anti-anti-americano, chamar anti-americano ao anti-americano que diz que lhe vão chamar anti-americano é dar razão ao anti-americano. Complicado. Nenhum anti-anti-americano deseja dar razão a um anti-americano, principalmente se o seu anti-americanismo é primário.
Este fenómeno já sucedeu anteriormente com os activistas anti-globalização. Quando se cansaram do epíteto, mudaram-se de armas e bagagens da luta anti-globalização para a defesa de uma alter-globalização. Como quase todos os anti-globalizantes primários que se mudaram para a alter-globalização são também anti-americanos primários, extrapolemos a ideia. Acabemos com os anti-americanos. Daqui para a frente, um bom anti-anti-americano pode epitetar um anti-americano de alter-americano. E o anti-alter-americano pode ser chamado de alter-alter-americano em vez de anti-alter-americano. Para os casos mais básicos (tipo Sepúlveda) podemos manter o anti-anti-americano, ou, em alternativa, o alter-anti-americano.
Há sintonias crescentes, creio.
domingo, 7 de setembro de 2003
O 11 de Setembro revisitado - 3
Diz-se nas páginas do Valete Fratres e é verdade:
"Twenty years ago, liberal or conservative outlooks had little bearing on one's views of Israel or other Middle East issues. During the Cold War, Middle Eastern problems stood largely outside the great debate of that era - policy toward the Soviet Union - so views of the Arab-Israeli conflict, Iraq, militant Islam and other topics were formed in isolation from larger principles.
Today, all that has changed. The Middle East has replaced the Soviet Union as the touchstone of politics and ideology. With increasing clarity, conservatives stand on one side of its issues and liberals on the other".
O eixo da guerra fria transpôs-se de facto, na última década, para o Médio-Oriente. De tal modo que, a par dos lentos e exíguos caminhos que tentam apontar para a democracia e para a coexistência possível na região, também o terror passou a utilizar na sua legenda de imagens de morte (não ouso chamar-lhe retórica) o pretexto, os factos e alguma ficcionalidade mediática ligada ao médio-oriente. Após o 11 de Setembro de 2001, a luta suicidária do lado palestiniano tornou-se uma constante. Como dantes não acontecia. Factos são factos. Sharon também não é um líder que tenha um eclectismo e uma versatilidade para lidar com o fenómeno.
Seja como for, o 11 de Setembro fez com que o mundo não voltasse a ser o mesmo. Nem mesmo no local para onde se viram todos os olhares e todas as tentações. E não haverá qualquer solução exclusiva para o Médio-Oriente fora deste processo muito mais vasto que é o próprio 11 de Setembro. Repito: o 11/09 não foi um dia, um evento, um facto. Foi a mais recente fissura que se abriu no planeta e que extremou posições entre os vários rostos da cultura da morte e os caminhos da democracia. Num mundo dominado pela hiper-realidade e pelo instantanismo tecnológico global, esta nova fissura não é apenas o simulacro de mais uma guerra. É sobretuo a tentativa de anulação de uma parte pela outra (é esse o desígnio dos terrorismos).
Daí que o 11/09 seja o prenúncio e seja também a actualidade de uma radicalização para a qual as democracias - parece-me - ainda não começaram a defender-se convenientemente.
Há muitos cegos, há muitos que não querem ver e há ainda mais que, vendo, dizem nada ver.
Diz-se nas páginas do Valete Fratres e é verdade:
"Twenty years ago, liberal or conservative outlooks had little bearing on one's views of Israel or other Middle East issues. During the Cold War, Middle Eastern problems stood largely outside the great debate of that era - policy toward the Soviet Union - so views of the Arab-Israeli conflict, Iraq, militant Islam and other topics were formed in isolation from larger principles.
Today, all that has changed. The Middle East has replaced the Soviet Union as the touchstone of politics and ideology. With increasing clarity, conservatives stand on one side of its issues and liberals on the other".
O eixo da guerra fria transpôs-se de facto, na última década, para o Médio-Oriente. De tal modo que, a par dos lentos e exíguos caminhos que tentam apontar para a democracia e para a coexistência possível na região, também o terror passou a utilizar na sua legenda de imagens de morte (não ouso chamar-lhe retórica) o pretexto, os factos e alguma ficcionalidade mediática ligada ao médio-oriente. Após o 11 de Setembro de 2001, a luta suicidária do lado palestiniano tornou-se uma constante. Como dantes não acontecia. Factos são factos. Sharon também não é um líder que tenha um eclectismo e uma versatilidade para lidar com o fenómeno.
Seja como for, o 11 de Setembro fez com que o mundo não voltasse a ser o mesmo. Nem mesmo no local para onde se viram todos os olhares e todas as tentações. E não haverá qualquer solução exclusiva para o Médio-Oriente fora deste processo muito mais vasto que é o próprio 11 de Setembro. Repito: o 11/09 não foi um dia, um evento, um facto. Foi a mais recente fissura que se abriu no planeta e que extremou posições entre os vários rostos da cultura da morte e os caminhos da democracia. Num mundo dominado pela hiper-realidade e pelo instantanismo tecnológico global, esta nova fissura não é apenas o simulacro de mais uma guerra. É sobretuo a tentativa de anulação de uma parte pela outra (é esse o desígnio dos terrorismos).
Daí que o 11/09 seja o prenúncio e seja também a actualidade de uma radicalização para a qual as democracias - parece-me - ainda não começaram a defender-se convenientemente.
Há muitos cegos, há muitos que não querem ver e há ainda mais que, vendo, dizem nada ver.
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