Pierre, le fou
Nado, abro muito os braços, chego a fundir-me com a água e lembro-me subitamente que posso encontrar a Ofélia, ou, melhor ainda, a Inês que ontem vi dançada pela CNB, com encenação de Olga Roriz. Um segundo quadro plasticamente portentoso apresenta-nos a cena da flagelação e uma outra, erótica e pré-rafaelita, dançada dentro de um lago instalado no palco, encaminha-nos para o Olimpo dos amores perfeitos. Um reencontro com o mito do amor perpétuo, uma água invisível, cativante e catártica. Pedro, o nosso rei da loucura normal.
quinta-feira, 30 de setembro de 2004
quarta-feira, 29 de setembro de 2004
Evasão
Este fim-de-semana vou com mais umas vinte pessoas para o Pulo do Lobo em acampamento estilo Idade do Ferro. Depois trata-se de subir (ou descer, não sei ainda) o Guadiana. Boa saída pós-escrita e pré-ano lectivo. Espero que, durante o ano todo, daqui para a frente e até à eternidade, a temperatura máxima continue pelos trinta e tal graus. Sabe bem saborear os marmelos e cheirar o halo das castanhas com um silvo solar que é coisa dos deuses. Quanto às coisas do mundo, continuam no guindaste esbranquiçado do dasein. Estão aí. Para que haja discurso a viver com elas, sonhando-as, delirando-as, filtrando-as. Vejo cabeças a mais dentro desse aquário intoxicado. Pensando, falando. O gerúndio é circular, às vezes oval, mas tem um metabolismo colorido e recheadinho de humor. Gosto muito de fontes, de vestidos brancos, de magnólias e do cheiro da relva depois de cortadinha. Gosto de regar o quintal já de madrugada. Gosto de ver a imobilidade dos muros. Gosto de sopa de abóbora (traduza-se "mogango") com coentros.
Este fim-de-semana vou com mais umas vinte pessoas para o Pulo do Lobo em acampamento estilo Idade do Ferro. Depois trata-se de subir (ou descer, não sei ainda) o Guadiana. Boa saída pós-escrita e pré-ano lectivo. Espero que, durante o ano todo, daqui para a frente e até à eternidade, a temperatura máxima continue pelos trinta e tal graus. Sabe bem saborear os marmelos e cheirar o halo das castanhas com um silvo solar que é coisa dos deuses. Quanto às coisas do mundo, continuam no guindaste esbranquiçado do dasein. Estão aí. Para que haja discurso a viver com elas, sonhando-as, delirando-as, filtrando-as. Vejo cabeças a mais dentro desse aquário intoxicado. Pensando, falando. O gerúndio é circular, às vezes oval, mas tem um metabolismo colorido e recheadinho de humor. Gosto muito de fontes, de vestidos brancos, de magnólias e do cheiro da relva depois de cortadinha. Gosto de regar o quintal já de madrugada. Gosto de ver a imobilidade dos muros. Gosto de sopa de abóbora (traduza-se "mogango") com coentros.
terça-feira, 28 de setembro de 2004
Turning Point
Fecha-se a escrita, mas não o estaleiro. Agora é tempo de reparações, de acabamentos e releituras várias. Afagar as letras. Passear, sair de casa, ver o sol, encantar as pedras, redescobrir a voz, encarar o Outono, olhar a praça, percorrer as ruas. Sonhar, desviar atenções, relembrar as estrelas, libertar relatos silenciosos, medir a temperatura do mundo e passar mais vezes pelo blogue. Ponto assente.
Seja como for, encontro-me agora ao leme do turning point: breve passagem, transição, travessia ou interface da alma: mas... existirá uma coisa dessas?
Fecha-se a escrita, mas não o estaleiro. Agora é tempo de reparações, de acabamentos e releituras várias. Afagar as letras. Passear, sair de casa, ver o sol, encantar as pedras, redescobrir a voz, encarar o Outono, olhar a praça, percorrer as ruas. Sonhar, desviar atenções, relembrar as estrelas, libertar relatos silenciosos, medir a temperatura do mundo e passar mais vezes pelo blogue. Ponto assente.
Seja como for, encontro-me agora ao leme do turning point: breve passagem, transição, travessia ou interface da alma: mas... existirá uma coisa dessas?
segunda-feira, 27 de setembro de 2004
sexta-feira, 24 de setembro de 2004
Zás
Às vezes, acontece. Zás. A matéria impõe-se à forma. O texto mergulha no texto, cria ondas de choque, adquire modos de montagem totalmente imprevistos e rema para a frente, em várias direcções, completamente alheio ao teor da manipulação griffithiana. De repente, tal como em alguma arquitectura nórdica onde o encaixe dos materiais gera por si a robustez das linhas de força, também na escrita o sentido resulta mais do ímpeto com que o texto força e penetra o plano, a investigação, a agenda e a sucessão do que outra coisa qualquer. O sentido torna-se então numa rebentação que se desfaz e que volta depois a reencontrar-se. Às vezes, gostava de não fazer outra coisa. Deixar universidades, ensaios, arguições e tudo o mais. Apenas escrever. De braço dado com aquele epicurismo que salva o olhar da miopia quotidiana.
Às vezes, acontece. Zás. A matéria impõe-se à forma. O texto mergulha no texto, cria ondas de choque, adquire modos de montagem totalmente imprevistos e rema para a frente, em várias direcções, completamente alheio ao teor da manipulação griffithiana. De repente, tal como em alguma arquitectura nórdica onde o encaixe dos materiais gera por si a robustez das linhas de força, também na escrita o sentido resulta mais do ímpeto com que o texto força e penetra o plano, a investigação, a agenda e a sucessão do que outra coisa qualquer. O sentido torna-se então numa rebentação que se desfaz e que volta depois a reencontrar-se. Às vezes, gostava de não fazer outra coisa. Deixar universidades, ensaios, arguições e tudo o mais. Apenas escrever. De braço dado com aquele epicurismo que salva o olhar da miopia quotidiana.
quinta-feira, 23 de setembro de 2004
segunda-feira, 20 de setembro de 2004
Writing
Nos últimos quinze dias, pelo menos, e enquanto não começa o ano lectivo e outras arguições e tempestades de muitas naturezas, estou a aproveitar um hiato do tempo comum para escrever. Só para escrever. A coisa promete, prometo eu que até nem sou muito para esses avisos. Mas a prosa só sairá lá para inícios de 2006. Para já, que se dê tempo de vida ao Inventor de Lágrimas (Editorial Notícias) que deve estar, por estes dias, a chegar às bancas (e que foi escrito ao longo do ano de 2003). É por isso que a minha participação no blogue tem sido excepcionalmente baixa. O tempo degela o que o esforço tende a congelar e a compor. Eterna luta. Haja paz neste otium fulminante e repousante de que era tão amigo o veronês Caio Valério Catulo.
Nos últimos quinze dias, pelo menos, e enquanto não começa o ano lectivo e outras arguições e tempestades de muitas naturezas, estou a aproveitar um hiato do tempo comum para escrever. Só para escrever. A coisa promete, prometo eu que até nem sou muito para esses avisos. Mas a prosa só sairá lá para inícios de 2006. Para já, que se dê tempo de vida ao Inventor de Lágrimas (Editorial Notícias) que deve estar, por estes dias, a chegar às bancas (e que foi escrito ao longo do ano de 2003). É por isso que a minha participação no blogue tem sido excepcionalmente baixa. O tempo degela o que o esforço tende a congelar e a compor. Eterna luta. Haja paz neste otium fulminante e repousante de que era tão amigo o veronês Caio Valério Catulo.
sexta-feira, 17 de setembro de 2004
quarta-feira, 15 de setembro de 2004
terça-feira, 14 de setembro de 2004
domingo, 12 de setembro de 2004
Profecia domingueira
Se Jesus nasceu entre o ano 6 e 7 A.C., ou seja, antes da sua própria era, assim também se entende a razão pela qual o 11 de Setembro ocorreu alguns anos ainda antes da sua era. Que hora estará para vir?
Procurar relações e implicações decisivas entre eventos que queremos e achamos nodais ou decisivos sempre foi um modo de entendermos a fissura que nos liga ao vivido. Mas ao domingo, garanto, está-se melhor dentro da piscina. Pausa às escritas, pois então!
Se Jesus nasceu entre o ano 6 e 7 A.C., ou seja, antes da sua própria era, assim também se entende a razão pela qual o 11 de Setembro ocorreu alguns anos ainda antes da sua era. Que hora estará para vir?
Procurar relações e implicações decisivas entre eventos que queremos e achamos nodais ou decisivos sempre foi um modo de entendermos a fissura que nos liga ao vivido. Mas ao domingo, garanto, está-se melhor dentro da piscina. Pausa às escritas, pois então!
sábado, 11 de setembro de 2004
Evocando o 9/11
1
É verdade que o pós-Segunda Grande Guerra Mundial criou uma nova disposição legal para aquilo que, à época, ainda era uma noção centrada e quase geométrica, o Estado-nação. A Carta das Nações Unidas foi, desde esse reatar da mais recente história da humanidade, uma espécie de Magna-Carta ou de Constituição reguladora do que passou a designar-se por Comunidade Internacional. Os vetos, os membros efectivos do Conselho de Segurança, os diferendos e as crises mundiais, as dissuasões e as desmedidas hipocrisias da guerra-fria, tudo isso se passou a basear nesse instrumento que, há cerca de meio século, assumiu a tentação de reordenamento do planeta. A partir dessa altura, pode também afirmar-se que o mundo nunca mais foi o mesmo.A queda do muro de Berlim é um facto simbólico que conduziu ao colapso das traves mestras onde todo este edifício assentava. Tal facto libertador, ou, mais geralmente, o facto de as ideologias e outras referências pesadas terem deixado de mobilizar as sociedades contribuiu para um mundo subitamente mais aberto, mais plural e com apetências para a reinvenção democrática. A estas alterações juntou-se uma outra que se traduziu pela entrada em cena de novas tecnologias, através das quais o mundo passou a ser codificado de um modo meteórico e sem precedentes. A legalidade de pós-1945 nunca mais foi a mesma durante esta fase que fez da década passada uma arena em que surgiram novos tipos de conflito (Golfo, Chechénia, Guerra civil da ex-Jugoslávia, Guerra do Kosovo) e de desafios (a mundialização das instituições, a nova economia, as inquietações ambientais globalizadas).O 11 de Setembro, aceite-se ou não, é um acontecimento ainda a decorrer que veio alterar profundamente a já frágil legalidade criada no pós-1945 e que, entre 1989 e 2001, hibernou em atmosfera pouco estável. Subitamente, o espectro do hiperterrorismo, a ameaça do terrorismo nuclear e a sistematização de novíssimos tipos de violência (mormente suicidário e ligado a fundamentalismos religiosos) vieram preencher o quadro incipiente onde uma nova ordem mundial tentava edificar-se. É no seio desta turbulência, própria dos períodos de transição entre duas legalidades duradouras, que a guerra iraquiana ainda acontece, que Madrid aconteceu, que Beslan aconteceu, que Jakarta aconteceu e que o próprio conflito milenar do Médio-Oriente está a acontecer.
2
Portugal é parte integrante da NATO há muito tempo. Esta vertente Atlântica da defesa faz sempre mal a muita gente. Para muitos é uma alergia ainda dos tempos da guerra fria, para outros é um vírus anti-americano que prefere ver na Europa uma grande Suíça sem compromissos e submete a sua defesa e a da democracia a uma retórica sobretudo autofágica. Ter o privilégio de viver em democracia é, para esses pacifistas de conveniência, um dado adquirido e acabado, como se a defesa da democracia e a sua permanente construção não fosse um processo e um percurso complexos, tantas vezes reversível. Não aceitar uma defesa efectiva da liberdade e da democracia, cedendo aos que ao diálogo preferem a cultura do terror e da morte, poderá ser trágico. O prenúncio criado pelo 11 de Setembro de 2001 demonstra-o cabalmente. Viver em democracia para a denunciar permanentemente, recorrendo aos expedientes e fait divers anti-americanos, aos truques hipocritamente legalistas e à apologia de uma neutralidade suicidária, continua a ser o apanágio de muitos. Entendo-o como um luxo que o Ocidente se dá a si próprio. Um luxo que é próprio da liberdade e das democracias criadas nesta área do globo em que nos encontramos, isto é, neste intercontinente Euro-americano. No mundo de hoje, baseado na logotecnia, no instantanismo tecnológico e na actualidade global, a democracia está, no dia a dia, a inventar-se a si própria com uma celeridade sem predecentes nos últimos dois séculos e meio. E vai ter que fazê-lo, cada vez mais, não só contra a cultura do terror e da morte que grassa no planeta, mas também contra todo o tipo de apaniguados da desconstrução democrática que habitam e respiram no privilégio da própria democracia. Essa é, em última análse, a maior lição que o 11 de Setembro nos lega ainda hoje, passados que são já três anos do seu prenúncio. Até porque o 11 de Setembro não foi apenas um facto, uma ocorrência, ou um evento. Ele foi e é um o encetar de um novo quadro em que estamos compelidos a viver. Nele se esbatem tipos de vida, modos de agir, definições de valores e parâmetros civilizacionais. Esquerda e direita são tradições (respeitáveis) que já não se bastam para traduzir este novo arquétipo de separação de águas. Porque, ou se sentiu o 11 de Setembro como algo efémero, localizado e contextualizado historicamente, ou se viu nele um ataque corrosivo a uma forma de vida com que nos identificamos desde o pós-Iluminismo: a democracia. Confesso que estou claramente deste último lado. Ao contrário do que ocorreu na dácada de noventa (pós-dicotomias USA-URSS), altura em que as posições ainda se relativavam com amplitudes significativas, dando corpo a teorias pós-modernas e descontrutoras dominantes na época, hoje em dia tornou-se insuportável não tomar claramente uma posição e ocupar um campo. Não de forma rígida, estriada ou emocional; mas sim de forma convicta, decidida e argumentada. Continuar a assobiar ao sabor do vento, procurando na brisa o confortável e dominantemente correcto é posição que, no dia a dia, mais desvalorizo. Infelizmente, basta abrir muitos jornais mais prestigiados da nossa pequena praça para ler e reler esse intertexto sem fim.
(a partir de um post do Miniscente escrito há um ano)
1
É verdade que o pós-Segunda Grande Guerra Mundial criou uma nova disposição legal para aquilo que, à época, ainda era uma noção centrada e quase geométrica, o Estado-nação. A Carta das Nações Unidas foi, desde esse reatar da mais recente história da humanidade, uma espécie de Magna-Carta ou de Constituição reguladora do que passou a designar-se por Comunidade Internacional. Os vetos, os membros efectivos do Conselho de Segurança, os diferendos e as crises mundiais, as dissuasões e as desmedidas hipocrisias da guerra-fria, tudo isso se passou a basear nesse instrumento que, há cerca de meio século, assumiu a tentação de reordenamento do planeta. A partir dessa altura, pode também afirmar-se que o mundo nunca mais foi o mesmo.A queda do muro de Berlim é um facto simbólico que conduziu ao colapso das traves mestras onde todo este edifício assentava. Tal facto libertador, ou, mais geralmente, o facto de as ideologias e outras referências pesadas terem deixado de mobilizar as sociedades contribuiu para um mundo subitamente mais aberto, mais plural e com apetências para a reinvenção democrática. A estas alterações juntou-se uma outra que se traduziu pela entrada em cena de novas tecnologias, através das quais o mundo passou a ser codificado de um modo meteórico e sem precedentes. A legalidade de pós-1945 nunca mais foi a mesma durante esta fase que fez da década passada uma arena em que surgiram novos tipos de conflito (Golfo, Chechénia, Guerra civil da ex-Jugoslávia, Guerra do Kosovo) e de desafios (a mundialização das instituições, a nova economia, as inquietações ambientais globalizadas).O 11 de Setembro, aceite-se ou não, é um acontecimento ainda a decorrer que veio alterar profundamente a já frágil legalidade criada no pós-1945 e que, entre 1989 e 2001, hibernou em atmosfera pouco estável. Subitamente, o espectro do hiperterrorismo, a ameaça do terrorismo nuclear e a sistematização de novíssimos tipos de violência (mormente suicidário e ligado a fundamentalismos religiosos) vieram preencher o quadro incipiente onde uma nova ordem mundial tentava edificar-se. É no seio desta turbulência, própria dos períodos de transição entre duas legalidades duradouras, que a guerra iraquiana ainda acontece, que Madrid aconteceu, que Beslan aconteceu, que Jakarta aconteceu e que o próprio conflito milenar do Médio-Oriente está a acontecer.
2
Portugal é parte integrante da NATO há muito tempo. Esta vertente Atlântica da defesa faz sempre mal a muita gente. Para muitos é uma alergia ainda dos tempos da guerra fria, para outros é um vírus anti-americano que prefere ver na Europa uma grande Suíça sem compromissos e submete a sua defesa e a da democracia a uma retórica sobretudo autofágica. Ter o privilégio de viver em democracia é, para esses pacifistas de conveniência, um dado adquirido e acabado, como se a defesa da democracia e a sua permanente construção não fosse um processo e um percurso complexos, tantas vezes reversível. Não aceitar uma defesa efectiva da liberdade e da democracia, cedendo aos que ao diálogo preferem a cultura do terror e da morte, poderá ser trágico. O prenúncio criado pelo 11 de Setembro de 2001 demonstra-o cabalmente. Viver em democracia para a denunciar permanentemente, recorrendo aos expedientes e fait divers anti-americanos, aos truques hipocritamente legalistas e à apologia de uma neutralidade suicidária, continua a ser o apanágio de muitos. Entendo-o como um luxo que o Ocidente se dá a si próprio. Um luxo que é próprio da liberdade e das democracias criadas nesta área do globo em que nos encontramos, isto é, neste intercontinente Euro-americano. No mundo de hoje, baseado na logotecnia, no instantanismo tecnológico e na actualidade global, a democracia está, no dia a dia, a inventar-se a si própria com uma celeridade sem predecentes nos últimos dois séculos e meio. E vai ter que fazê-lo, cada vez mais, não só contra a cultura do terror e da morte que grassa no planeta, mas também contra todo o tipo de apaniguados da desconstrução democrática que habitam e respiram no privilégio da própria democracia. Essa é, em última análse, a maior lição que o 11 de Setembro nos lega ainda hoje, passados que são já três anos do seu prenúncio. Até porque o 11 de Setembro não foi apenas um facto, uma ocorrência, ou um evento. Ele foi e é um o encetar de um novo quadro em que estamos compelidos a viver. Nele se esbatem tipos de vida, modos de agir, definições de valores e parâmetros civilizacionais. Esquerda e direita são tradições (respeitáveis) que já não se bastam para traduzir este novo arquétipo de separação de águas. Porque, ou se sentiu o 11 de Setembro como algo efémero, localizado e contextualizado historicamente, ou se viu nele um ataque corrosivo a uma forma de vida com que nos identificamos desde o pós-Iluminismo: a democracia. Confesso que estou claramente deste último lado. Ao contrário do que ocorreu na dácada de noventa (pós-dicotomias USA-URSS), altura em que as posições ainda se relativavam com amplitudes significativas, dando corpo a teorias pós-modernas e descontrutoras dominantes na época, hoje em dia tornou-se insuportável não tomar claramente uma posição e ocupar um campo. Não de forma rígida, estriada ou emocional; mas sim de forma convicta, decidida e argumentada. Continuar a assobiar ao sabor do vento, procurando na brisa o confortável e dominantemente correcto é posição que, no dia a dia, mais desvalorizo. Infelizmente, basta abrir muitos jornais mais prestigiados da nossa pequena praça para ler e reler esse intertexto sem fim.
(a partir de um post do Miniscente escrito há um ano)
quinta-feira, 9 de setembro de 2004
Assimetrias interessantes
Ao contrário do que possa parecer, a autonomia da ficcionalidade ainda não é tácita hoje em dia. No ocidente, desde Hume a Kant que a imaginação se foi tornando num caminho fudamental, inquiridor e postulador da era moderna, no seio da qual o revelado se torna, a pouco e pouco, num jogo aberto e plural entre ditames. Só que no, nosso mundo moderno, aqueles que vivem fechados em torno de um texto e de uma história única (religiosa ou ideológica, ainda os há e muitos - e com todo o direito que lhes assiste) podem dar-se ao luxo de intertextualizar ou parodiar (no sentido teórico-literário) qualquer outra narrativa, enquanto que aqueles que se recusam com naturalidade a viverem fechados no casulo de um texto e de uma história únicos já são mal vistos, se se derem a esse mesmíssimo direito. Como se a fé, a crença, ou a convicção não fossem, também elas, motivos repartidos, variados, abertos e caleidoscopicamente possíveis e cruzados! Que nome merece esta tão pouco simétrica e realista ilustração dos nossos dias, digam lá?
Ao contrário do que possa parecer, a autonomia da ficcionalidade ainda não é tácita hoje em dia. No ocidente, desde Hume a Kant que a imaginação se foi tornando num caminho fudamental, inquiridor e postulador da era moderna, no seio da qual o revelado se torna, a pouco e pouco, num jogo aberto e plural entre ditames. Só que no, nosso mundo moderno, aqueles que vivem fechados em torno de um texto e de uma história única (religiosa ou ideológica, ainda os há e muitos - e com todo o direito que lhes assiste) podem dar-se ao luxo de intertextualizar ou parodiar (no sentido teórico-literário) qualquer outra narrativa, enquanto que aqueles que se recusam com naturalidade a viverem fechados no casulo de um texto e de uma história únicos já são mal vistos, se se derem a esse mesmíssimo direito. Como se a fé, a crença, ou a convicção não fossem, também elas, motivos repartidos, variados, abertos e caleidoscopicamente possíveis e cruzados! Que nome merece esta tão pouco simétrica e realista ilustração dos nossos dias, digam lá?
Iminências contemporâneas
O reconhecimento tardio (Penélope vs. Ulisses, Maria Madalena vs. Cristo ressuscitado de Jn 20,14) é, porventura, uma prova mítica de amor. Nessa medida, a espera é um desígnio tão ideal quanto a paixão ao implicar a deformação do objecto observado. Depois de a imagem lentamente refluir, acede então aos sentidos a real voragem da entrega total. Só Godot não foi reconhecido por ninguém, nem terá chegado até hoje ao nosso convívio, mas esse é também o rosto do fantasma que sucumbiu em nós ao halo da lenda, à experiência do arquétipo, ou à memória mais involuntária. Depois das provas de paixão, passámos apenas a receber anti-heróis, cuja demanda é reconhecível de imediato, sem reservas, sem esperas, sem quase nenhuma idealidade. Infelizmente assim é. Apenas o hiperterrorismo e a iminência metafórica das crises com que respiramos o quotidiano parece, aqui e ali, subtrair-se a uma tal banalização do mito. Ser contemporâneo é estar na disforia e na previsibilidade do actual, mas sempre com a retaguarda do mito entre mãos.
O reconhecimento tardio (Penélope vs. Ulisses, Maria Madalena vs. Cristo ressuscitado de Jn 20,14) é, porventura, uma prova mítica de amor. Nessa medida, a espera é um desígnio tão ideal quanto a paixão ao implicar a deformação do objecto observado. Depois de a imagem lentamente refluir, acede então aos sentidos a real voragem da entrega total. Só Godot não foi reconhecido por ninguém, nem terá chegado até hoje ao nosso convívio, mas esse é também o rosto do fantasma que sucumbiu em nós ao halo da lenda, à experiência do arquétipo, ou à memória mais involuntária. Depois das provas de paixão, passámos apenas a receber anti-heróis, cuja demanda é reconhecível de imediato, sem reservas, sem esperas, sem quase nenhuma idealidade. Infelizmente assim é. Apenas o hiperterrorismo e a iminência metafórica das crises com que respiramos o quotidiano parece, aqui e ali, subtrair-se a uma tal banalização do mito. Ser contemporâneo é estar na disforia e na previsibilidade do actual, mas sempre com a retaguarda do mito entre mãos.
quarta-feira, 8 de setembro de 2004
Changing
via Posthuman Blues
Quando as mudanças dos ecossistemas se tornaram num efeito e simultaneamente numa visão (étimo de apocalipse) de nós próprios, assistimos todos ao apogeu das teorias em que os efeitos passaram a ser apenas uma película muito ligeira do que está à nossa volta. Até porque as simulações entraram em cena e as aceleradas mudanças passaram a ser parte do novo cenário natural. Death is real.
via Posthuman Blues
Quando as mudanças dos ecossistemas se tornaram num efeito e simultaneamente numa visão (étimo de apocalipse) de nós próprios, assistimos todos ao apogeu das teorias em que os efeitos passaram a ser apenas uma película muito ligeira do que está à nossa volta. Até porque as simulações entraram em cena e as aceleradas mudanças passaram a ser parte do novo cenário natural. Death is real.
terça-feira, 7 de setembro de 2004
E agora algo completamente diferente
Antes de me ligar às arguições e outras gestas e metas da academia outonal, vou ainda tentar resvalar para as invenções bruxuleantes (embora esta palavra só tenha cabimento num certo poema do Jorge de Sena). Um romance começa-se como quem sobe à árvore para colher um fruto e acaba por encontrar no caminho um ramo que nem sobe nem desce, nem tão-pouco pertence seja a que árvore for. Esvoaça, erra, vegeta, paira, sei lá que vida faz o inesperado ramo que se suspende diante da admiração geral. Mas, num esforço hercúleo, fala-se com ele, galho no galho, olhos nos olhos, e percebe-se, por fim, que existem fatias de mundo que não pertencem aos alicerces deste que nos arrasta pelo tédio anímico e às vezes morno do quotidiano. Nessa altura, o autor, este mesmo que aqui escreve, transforma-se em ramo suspenso e parte para outra. Longe de todas as árvores, mas perto da seiva de cada uma. Expliquei-me bem?
Antes de me ligar às arguições e outras gestas e metas da academia outonal, vou ainda tentar resvalar para as invenções bruxuleantes (embora esta palavra só tenha cabimento num certo poema do Jorge de Sena). Um romance começa-se como quem sobe à árvore para colher um fruto e acaba por encontrar no caminho um ramo que nem sobe nem desce, nem tão-pouco pertence seja a que árvore for. Esvoaça, erra, vegeta, paira, sei lá que vida faz o inesperado ramo que se suspende diante da admiração geral. Mas, num esforço hercúleo, fala-se com ele, galho no galho, olhos nos olhos, e percebe-se, por fim, que existem fatias de mundo que não pertencem aos alicerces deste que nos arrasta pelo tédio anímico e às vezes morno do quotidiano. Nessa altura, o autor, este mesmo que aqui escreve, transforma-se em ramo suspenso e parte para outra. Longe de todas as árvores, mas perto da seiva de cada uma. Expliquei-me bem?
Bimba
A agenda: para além da novíssima e terrível guerra pós-09/11, que muitos ainda persistem em ignorar quando falam do mundo, será um blogue obrigado a referir-se ao que faz história nas histórias veraneantes dos média? Eu prefiro desenhar cidades de papel. Cada vez mais. Mas a maior parte dos blogues, pela visita que agora acabei de fazer, continua a embarcar, à direita e à esquerda, no vórtice das corporações jornalísticas. Lá fora, do outro lado das janelas, já quase nem há brisa. A macieira e a ameixoiera aparecem encostadas como se a lua e o céu fossem histórias da mesma agenda e do mesmo sudário sem dono.
A agenda: para além da novíssima e terrível guerra pós-09/11, que muitos ainda persistem em ignorar quando falam do mundo, será um blogue obrigado a referir-se ao que faz história nas histórias veraneantes dos média? Eu prefiro desenhar cidades de papel. Cada vez mais. Mas a maior parte dos blogues, pela visita que agora acabei de fazer, continua a embarcar, à direita e à esquerda, no vórtice das corporações jornalísticas. Lá fora, do outro lado das janelas, já quase nem há brisa. A macieira e a ameixoiera aparecem encostadas como se a lua e o céu fossem histórias da mesma agenda e do mesmo sudário sem dono.
Primárias
Sabem qual é a minha posição? Pois fica só aqui entre nós que ninguém nos ouve: Sócrates: a redenção kitsch (já o havia escrito), embora, pela certa, futuro Primeiro e senhor crente dum invejável pacto tecnológico (Rah Rah Rah!). Alegre: um caçador em reservas alentejanas, um poeta chato, um indignado de atrites políticas do século XIV (Ruh Ruh Ruh!). Soares: é tão mau que prefiro dizer em Neerlandês: een klein beetje van nieks gemaakt (Rih Rih Rih!). Por que perde um Carmelo a paciência? Gooie vraag (boa pergunta).
Sabem qual é a minha posição? Pois fica só aqui entre nós que ninguém nos ouve: Sócrates: a redenção kitsch (já o havia escrito), embora, pela certa, futuro Primeiro e senhor crente dum invejável pacto tecnológico (Rah Rah Rah!). Alegre: um caçador em reservas alentejanas, um poeta chato, um indignado de atrites políticas do século XIV (Ruh Ruh Ruh!). Soares: é tão mau que prefiro dizer em Neerlandês: een klein beetje van nieks gemaakt (Rih Rih Rih!). Por que perde um Carmelo a paciência? Gooie vraag (boa pergunta).
segunda-feira, 6 de setembro de 2004
Músicas do fogo
O Site Meloteca.com incluiu o meu livro Músicas da Consciência (2001) entre as demais animações da sua mediateca. O curioso é que esse meu livro nada tem a ver com música, não sendo o seu autor, moi même (infelizmente, quem sabe?), um cantor, um compositor, um DJ, ou um ensaísta concentrado no intra-muros da urbe estritamente musical. A música surge no livro em causa como uma espécie de metáfora do cruzamento entre perspectivas da obra neurobiológica de António Damásio e alguma tradição daquilo que, no final do século XIX, se veio a designar por semiótica (e não pela posterior e datada semiologia franco-estruturalóide). Aliás, no prefácio ao livro, António Damásio precisava:
E qual é, afinal, o objectivo desejado ? De modo simples, trata-se de um juízo acerca da compreensão dos sentidos do ser de cada um em termos mentais, enquanto seres vivos que somos a habitar a casa do universo, sem esquecer o juízo correspondente acerca da fábrica biológica que não apenas estabelece um correlato com as ocorrências da mente, mas que acabará, um dia, quando a fusão entre as descrições de ordem mental e biológica estiverem devidamente realizadas, por ser revelada como constituindo, ela mesma, o próprio conjunto das ocorrências da mente.
Como se vê, a música dizia respeito aos sentidos do ser, ou ao modo como o filme da mente - amiúde pouco explícito ou visível na consciência - está sempre pronto a significar, se se quiser, a própria musicalidade múltipla de que é feita a vida.
Há confusões extraordinárias. É com elas que, aqui e ali, ainda nasce o fogo.
O Site Meloteca.com incluiu o meu livro Músicas da Consciência (2001) entre as demais animações da sua mediateca. O curioso é que esse meu livro nada tem a ver com música, não sendo o seu autor, moi même (infelizmente, quem sabe?), um cantor, um compositor, um DJ, ou um ensaísta concentrado no intra-muros da urbe estritamente musical. A música surge no livro em causa como uma espécie de metáfora do cruzamento entre perspectivas da obra neurobiológica de António Damásio e alguma tradição daquilo que, no final do século XIX, se veio a designar por semiótica (e não pela posterior e datada semiologia franco-estruturalóide). Aliás, no prefácio ao livro, António Damásio precisava:
E qual é, afinal, o objectivo desejado ? De modo simples, trata-se de um juízo acerca da compreensão dos sentidos do ser de cada um em termos mentais, enquanto seres vivos que somos a habitar a casa do universo, sem esquecer o juízo correspondente acerca da fábrica biológica que não apenas estabelece um correlato com as ocorrências da mente, mas que acabará, um dia, quando a fusão entre as descrições de ordem mental e biológica estiverem devidamente realizadas, por ser revelada como constituindo, ela mesma, o próprio conjunto das ocorrências da mente.
Como se vê, a música dizia respeito aos sentidos do ser, ou ao modo como o filme da mente - amiúde pouco explícito ou visível na consciência - está sempre pronto a significar, se se quiser, a própria musicalidade múltipla de que é feita a vida.
Há confusões extraordinárias. É com elas que, aqui e ali, ainda nasce o fogo.
Mais prata
E eis que o meu amigo Luís Coelho criou o seu photoblog. Assim é que é, abrir-se à injunção e à interacção da blogosfera. Parabéns!
E eis que o meu amigo Luís Coelho criou o seu photoblog. Assim é que é, abrir-se à injunção e à interacção da blogosfera. Parabéns!
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