Está decidido:
Hoje, após uma frequência que irei vigiar (verbo insuspeito de sedução) entre as sete e meia e as nove da noite, espero deixar Lisboa completamente vazia e atravessar depois a ponte com o relato no ar e a indiferença na alma. Não digo "pobre país", mas penso-o. Até porque a pobreza é um atributo dos deuses sem voz.
quarta-feira, 30 de junho de 2004
Electricidade estética
Após o calor tórrido de ontem, lá surgiu a subtil nave dos sete ventos. Na capital, além da folia dos apaniguados de Bosch, paira uma aragem que subtrai a leveza ao trânsito normal dos corpos. É o tempo sem movente, é a perdição sem sentido, é o cortejo de formas sem desígnio. E no entanto passa, gira, roda.
Após o calor tórrido de ontem, lá surgiu a subtil nave dos sete ventos. Na capital, além da folia dos apaniguados de Bosch, paira uma aragem que subtrai a leveza ao trânsito normal dos corpos. É o tempo sem movente, é a perdição sem sentido, é o cortejo de formas sem desígnio. E no entanto passa, gira, roda.
Rrnnnnh...
Mas há mais: não é por ter dormido mal, mas estou farto das bandeirinhas, da pacovice, das mensagens das manifs e do canto do cisne do Durão. Apetecia-me entrar num país sem Euro-2004 e sem a reiterada enfadonhice politiqueira da nossa pequena praça pública. Poder-se-á designar este singelo apetite por desejo de férias? Talvez.
Mas há mais: não é por ter dormido mal, mas estou farto das bandeirinhas, da pacovice, das mensagens das manifs e do canto do cisne do Durão. Apetecia-me entrar num país sem Euro-2004 e sem a reiterada enfadonhice politiqueira da nossa pequena praça pública. Poder-se-á designar este singelo apetite por desejo de férias? Talvez.
quarta-feira, 23 de junho de 2004
terça-feira, 22 de junho de 2004
Impasse de bola ao centro
Chamar-lhe-ia exclusão de partes e não passaria do método mais primário para definir o mérito. Mas é assim mesmo que as negociações europeias tecem hábitos (e miragens de hábitos) de seda pura, cujo sentido último se resume a dotar a presidência seja com quem for.
Chamar-lhe-ia exclusão de partes e não passaria do método mais primário para definir o mérito. Mas é assim mesmo que as negociações europeias tecem hábitos (e miragens de hábitos) de seda pura, cujo sentido último se resume a dotar a presidência seja com quem for.
segunda-feira, 21 de junho de 2004
Passar por quem passou por cá - 4 (breve decalinque)
O Olho do Girino está cada vez melhor. Escala pelos murmúrios e afina o olhar filigrânico com rara suavidade.
A Charlotte tem um espelho mágico onde revê a elegância própria, i.e., o "Estado em que se encontra este blogue". Sigo sempre. Compassadamente.
O Babugem alerta para Alicia Keys.
O Azenhas do mar vela pelo "top" das mais ínvias arribas.
O Quartzo, feldspato & mica regressa ao cheiro do papel do velhinho Diário Popular. Sinais dos tempos.
O Melga já tomou partido por Kerry. E bem.
O Incursões noticia as velas dos sete mares em incontroversa fúria.
O Francisco explica como age um "escritor de eleição". A reler. A aplicar.
O Bota Acima enaltece o poder da avestruz (da magnitude chamada liberdade de votar ou não voltar. That´s the point).
Por fim, o Mood Swing distribui os merecidos prémios aos gladiadores. E eu fico subitamente com vontade de comer pão de rala.
O Olho do Girino está cada vez melhor. Escala pelos murmúrios e afina o olhar filigrânico com rara suavidade.
A Charlotte tem um espelho mágico onde revê a elegância própria, i.e., o "Estado em que se encontra este blogue". Sigo sempre. Compassadamente.
O Babugem alerta para Alicia Keys.
O Azenhas do mar vela pelo "top" das mais ínvias arribas.
O Quartzo, feldspato & mica regressa ao cheiro do papel do velhinho Diário Popular. Sinais dos tempos.
O Melga já tomou partido por Kerry. E bem.
O Incursões noticia as velas dos sete mares em incontroversa fúria.
O Francisco explica como age um "escritor de eleição". A reler. A aplicar.
O Bota Acima enaltece o poder da avestruz (da magnitude chamada liberdade de votar ou não voltar. That´s the point).
Por fim, o Mood Swing distribui os merecidos prémios aos gladiadores. E eu fico subitamente com vontade de comer pão de rala.
Fleuma em Junho de 2004
Escapar à agenda: o meu cão (o Ulisses) olha para a televisão e não vê nada do que eu vejo. Sinceramente. Fica admoestado com o silêncio, admira-se com os tons menos feéricos e não aplaude apenas por aplaudir. Cheira primeiro. Gosto dessa pose desinteressada e desinibidamente intelectual.
Escapar à agenda: o meu cão (o Ulisses) olha para a televisão e não vê nada do que eu vejo. Sinceramente. Fica admoestado com o silêncio, admira-se com os tons menos feéricos e não aplaude apenas por aplaudir. Cheira primeiro. Gosto dessa pose desinteressada e desinibidamente intelectual.
Mudar de casa - 7
Tenho vindo a desenvolver uma possível poética da mudança (de casa). Com algum sucesso. Desse lado (de quem lê) e do lado de cá (atenuando e dissimulando o sufoco natural da situação). Entre uma casa que se deixa (e um número razoável de anos que nela se comungou) e uma nova casa que se (re)construiu de raiz em dez meses de obra vai uma espécie de brecha por onde passa uma luz ténue e sem direcção. Luz dispersa e indefinida, espalhando-se entre o ter sido, o porvir e o acontecimento puro e duro de cada momento, de cada dia. O inesperado a pactuar com a ansiedade adormecida no desejo. O encanto a navegar sobre asas que escondem o imobilismo desencantado dos embrulhos e dos pacotes sem fim. As referências hipotecadas e sem proporção justa de espaço a habitar este estado fluido entre dois continentes, entre dois mares, entre dois céus. Um milagre de metamorfoses absolutamente naturais.
Tenho vindo a desenvolver uma possível poética da mudança (de casa). Com algum sucesso. Desse lado (de quem lê) e do lado de cá (atenuando e dissimulando o sufoco natural da situação). Entre uma casa que se deixa (e um número razoável de anos que nela se comungou) e uma nova casa que se (re)construiu de raiz em dez meses de obra vai uma espécie de brecha por onde passa uma luz ténue e sem direcção. Luz dispersa e indefinida, espalhando-se entre o ter sido, o porvir e o acontecimento puro e duro de cada momento, de cada dia. O inesperado a pactuar com a ansiedade adormecida no desejo. O encanto a navegar sobre asas que escondem o imobilismo desencantado dos embrulhos e dos pacotes sem fim. As referências hipotecadas e sem proporção justa de espaço a habitar este estado fluido entre dois continentes, entre dois mares, entre dois céus. Um milagre de metamorfoses absolutamente naturais.
domingo, 20 de junho de 2004
Mudar de casa - 6
O tempo a ver passar a espera em que piso o solo de dois planetas sem a nenhum pertencer. É isto que se sente a uns cinco dias de mudança de casa. De um lado: obras ainda a tramar a conjugação das formas, paraíso inacabado, sombras sem projecção e olhares admirados pela súbita inocência. Do outro lado: a casa antiga a despovoar-se, a nutrir-se dos volumes originais e a antecipar-se à despedida.
O tempo a ver passar a espera em que piso o solo de dois planetas sem a nenhum pertencer. É isto que se sente a uns cinco dias de mudança de casa. De um lado: obras ainda a tramar a conjugação das formas, paraíso inacabado, sombras sem projecção e olhares admirados pela súbita inocência. Do outro lado: a casa antiga a despovoar-se, a nutrir-se dos volumes originais e a antecipar-se à despedida.
sexta-feira, 18 de junho de 2004
O pêndulo e a catástrofe
Veio o vento. Não é de levante, nem é atlântico. É antes um remoinho que se dissolve no ar entre poeiras e a memória nem sempre recôndita da devoração. O sublime vive e respira em diversas escalas. O micro-mundo é um ensaio geral da nossa obstinação pelo grande acontecimento que aniquilaria as proporções com que pensamos o tempo. Fecho as cortinas e revejo ainda os minúsculos tornados a ondear entre ervas e as copas quase rasteiras. Os limões oscilam nos ramos e dão-me a ver a gravidade de um fio-de-prumo. Poética pendular.
Veio o vento. Não é de levante, nem é atlântico. É antes um remoinho que se dissolve no ar entre poeiras e a memória nem sempre recôndita da devoração. O sublime vive e respira em diversas escalas. O micro-mundo é um ensaio geral da nossa obstinação pelo grande acontecimento que aniquilaria as proporções com que pensamos o tempo. Fecho as cortinas e revejo ainda os minúsculos tornados a ondear entre ervas e as copas quase rasteiras. Os limões oscilam nos ramos e dão-me a ver a gravidade de um fio-de-prumo. Poética pendular.
Atrasados,
mas sentidos. Parabéns Francisco. Não se trata de mera formalidade, não. Trata-se de um, talvez imprevisível, processo de conjugação positiva.
mas sentidos. Parabéns Francisco. Não se trata de mera formalidade, não. Trata-se de um, talvez imprevisível, processo de conjugação positiva.
Prece
Serve este milésimo centésimo quadragésimo oitavo post para pedir aos deuses que não voltem a atiçar os pequenos diabos que, na passada noite, ousaram transformar o oniro sereno numa insónia tempestuosa. O ano passado, creio que no verão, discutia-se aqui na blogosfera a aparição do diabo nos pequenos detalhes da vida, lembram-se?
Serve este milésimo centésimo quadragésimo oitavo post para pedir aos deuses que não voltem a atiçar os pequenos diabos que, na passada noite, ousaram transformar o oniro sereno numa insónia tempestuosa. O ano passado, creio que no verão, discutia-se aqui na blogosfera a aparição do diabo nos pequenos detalhes da vida, lembram-se?
quinta-feira, 17 de junho de 2004
Estranheza
Referindo-se à sua nomeação para a missão permanente na Unesco - que aproveito sinceramente para saudar -, afirma José Pacheco Pereira no seu Abrupto:
Como é óbvio, depois de tomar posse, e dada a natureza do cargo, não tem qualquer sentido continuar a ter um papel activo no comentário político. Já de há algum tempo tenho estado a preparar essa situação nos órgãos de comunicação social onde colaboro. Escreverei sobre outras coisas, sempre que tenha oportunidade, e continuarei o Abrupto dentro desses condicionalismos. É um silêncio que desejei e escolhi, após anos e anos de voz muitas vezes solitária. Haverá outros caminhos e certamente outros tempos.
Respeito, como é natural. A cada um a expressão da sua própria liberdade. Contudo, este carácter estanque entre cultura e não cultura perturba-me. Não entendo a razão que leva José Pacheco Pereira, sempre disponível para um saudável agir pouco politicamente correcto, a separar de modo estriado o auto-imposto silêncio de cariz político das chamadas "outras coisas". Não será um atributo do nosso tempo misturar os silêncios e os não silêncios de todos os temas possíveis, incluindo os políticos, no espaço público que é comum a todos? Eu creio que sim. Não entendo essas clivagens artificiosas que continuam a desvendar na cultura um qualquer rasgo salvífico que, por isso mesmo, a impediria de conviver com o mais desassombrado ou discreto comentário de ordem política. Este tipo de fronteiras marcadas por conjugações forçadas faz-me lembrar o mito revolucionário dos idos de setenta que levava a separar quem gostava de futebol de quem se dizia ser intelectual. Vou sentir a falta dos comentários políticos de José Pacheco Pereira. E devo confessar que só a entenderei em função do desgaste normal de uma voz que se vê a si própria como (talvez excessivamente) "solitária".
Referindo-se à sua nomeação para a missão permanente na Unesco - que aproveito sinceramente para saudar -, afirma José Pacheco Pereira no seu Abrupto:
Como é óbvio, depois de tomar posse, e dada a natureza do cargo, não tem qualquer sentido continuar a ter um papel activo no comentário político. Já de há algum tempo tenho estado a preparar essa situação nos órgãos de comunicação social onde colaboro. Escreverei sobre outras coisas, sempre que tenha oportunidade, e continuarei o Abrupto dentro desses condicionalismos. É um silêncio que desejei e escolhi, após anos e anos de voz muitas vezes solitária. Haverá outros caminhos e certamente outros tempos.
Respeito, como é natural. A cada um a expressão da sua própria liberdade. Contudo, este carácter estanque entre cultura e não cultura perturba-me. Não entendo a razão que leva José Pacheco Pereira, sempre disponível para um saudável agir pouco politicamente correcto, a separar de modo estriado o auto-imposto silêncio de cariz político das chamadas "outras coisas". Não será um atributo do nosso tempo misturar os silêncios e os não silêncios de todos os temas possíveis, incluindo os políticos, no espaço público que é comum a todos? Eu creio que sim. Não entendo essas clivagens artificiosas que continuam a desvendar na cultura um qualquer rasgo salvífico que, por isso mesmo, a impediria de conviver com o mais desassombrado ou discreto comentário de ordem política. Este tipo de fronteiras marcadas por conjugações forçadas faz-me lembrar o mito revolucionário dos idos de setenta que levava a separar quem gostava de futebol de quem se dizia ser intelectual. Vou sentir a falta dos comentários políticos de José Pacheco Pereira. E devo confessar que só a entenderei em função do desgaste normal de uma voz que se vê a si própria como (talvez excessivamente) "solitária".
O nono
Em Setembro o meu próximo romance estará nas bancas. Blogueadores e amigos: poupem uns euros do vosso orçamento estival! E já agora, com esta antecedência toda, preparem-se para comprar dois, um para leitura outonal e outro para amigo ver no Natal. Preferia que fosse o décimo, sempre era conta certa. Fica para 2006.
Em Setembro o meu próximo romance estará nas bancas. Blogueadores e amigos: poupem uns euros do vosso orçamento estival! E já agora, com esta antecedência toda, preparem-se para comprar dois, um para leitura outonal e outro para amigo ver no Natal. Preferia que fosse o décimo, sempre era conta certa. Fica para 2006.
Mudar de casa - 5
Ver as estantes reduzidas ao esqueleto, entender a crispação com que se desvivem da sua função primeira, imaginar a náusea com que reinventam a sua forma subitamente solitária. No fundo, é como olhar para uma cidade e voltar a vê-la como se não passasse de um amontoado de estruturas e gaiolas sem habitabilidade, sem paredes, sem janelas, sem reminiscências da redenção quotidiana. Há na mudança de casa um entreposto de loucura, ou seja, um real desapossar das ficcionalidades habituais. De repente, a montagem entra em cena sem qualquer projecto e toda a vida à nossa volta se reduz à riqueza de uma fita inocente e exuberante à George Méliès. Podem crer.
Ver as estantes reduzidas ao esqueleto, entender a crispação com que se desvivem da sua função primeira, imaginar a náusea com que reinventam a sua forma subitamente solitária. No fundo, é como olhar para uma cidade e voltar a vê-la como se não passasse de um amontoado de estruturas e gaiolas sem habitabilidade, sem paredes, sem janelas, sem reminiscências da redenção quotidiana. Há na mudança de casa um entreposto de loucura, ou seja, um real desapossar das ficcionalidades habituais. De repente, a montagem entra em cena sem qualquer projecto e toda a vida à nossa volta se reduz à riqueza de uma fita inocente e exuberante à George Méliès. Podem crer.
Tentação
Raramente me deito antes das duas da manhã. Adoro pisar a hora limite como se houvesse um perímetro qualquer a desafiar. Olho então para a fixidez dos objectos e para o rigor filigrânico das arquitecturas e da paisagem. Tudo imóvel e a vontade de perpetuar a instalar-se no olhar como tentação irresistível. É por isso que as imagens que fazem aparecer a consciência nunca chegam a tempo. Precisamente porque erram entre o ter sido em que vivemos - chamemos-lhe memória alargada - e a descoberta admirada do que possam representar agora e aqui. O porvir é o reino que liga este condensado de tentações e aquilo que está por vir diante de nós, diante da vida. Neste momento, apenas sei que existe a noite ainda por vir (esta divagação faz-me lembrar o romance do Christian Bobin, La femme à venir).
Raramente me deito antes das duas da manhã. Adoro pisar a hora limite como se houvesse um perímetro qualquer a desafiar. Olho então para a fixidez dos objectos e para o rigor filigrânico das arquitecturas e da paisagem. Tudo imóvel e a vontade de perpetuar a instalar-se no olhar como tentação irresistível. É por isso que as imagens que fazem aparecer a consciência nunca chegam a tempo. Precisamente porque erram entre o ter sido em que vivemos - chamemos-lhe memória alargada - e a descoberta admirada do que possam representar agora e aqui. O porvir é o reino que liga este condensado de tentações e aquilo que está por vir diante de nós, diante da vida. Neste momento, apenas sei que existe a noite ainda por vir (esta divagação faz-me lembrar o romance do Christian Bobin, La femme à venir).
quarta-feira, 16 de junho de 2004
No coração do kitsch
No Fórum-TSF continua a discussão sobre os pontas de lança. A euforia em que o país anda mergulhado é de um kitsch tão acentuado como eram há duas décadas as manifestações do 1º de maio da Praça do Kremlin. Fazer do futebol o papel de cenário ilusório de onde sairia a nossa própria salvação (identitária, económica, mediática, pulicitária, nacionalista e relativa à auto-estima, etc., etc.) é tão ridículo e paradoxal quanto imaginar Eugénio de Andrade a declamar poemas seus dentro de um carro de fórmula 1 em plena competição. Desfasamentos radicais. Eu até gosto de futebol e tenho as minhas paixões clubísticas, mas sei antes de tudo que o futebol é um espaço de entusiasmo e de saudável delírio que dura noventa minutos, that´s it. E fiquemos por aí. O resto é para sorrir e não levar muito a sério (debates na TV, polémicas nos jornais desportivos, parangonas de directores de clube e coisas dessas). De vez em quando, ele é Timor, ele é Expo, ele é coisas dessas para encher o olho e o gáudio do indígena. Mas utilizar o futebol como móbil e miragem do auto-cumprimento profético é um verdadeiro regresso à loucura daqueles cenários coloridos dominados pela comédia trágica de Brejnev (escrevia-se assim?).
No Fórum-TSF continua a discussão sobre os pontas de lança. A euforia em que o país anda mergulhado é de um kitsch tão acentuado como eram há duas décadas as manifestações do 1º de maio da Praça do Kremlin. Fazer do futebol o papel de cenário ilusório de onde sairia a nossa própria salvação (identitária, económica, mediática, pulicitária, nacionalista e relativa à auto-estima, etc., etc.) é tão ridículo e paradoxal quanto imaginar Eugénio de Andrade a declamar poemas seus dentro de um carro de fórmula 1 em plena competição. Desfasamentos radicais. Eu até gosto de futebol e tenho as minhas paixões clubísticas, mas sei antes de tudo que o futebol é um espaço de entusiasmo e de saudável delírio que dura noventa minutos, that´s it. E fiquemos por aí. O resto é para sorrir e não levar muito a sério (debates na TV, polémicas nos jornais desportivos, parangonas de directores de clube e coisas dessas). De vez em quando, ele é Timor, ele é Expo, ele é coisas dessas para encher o olho e o gáudio do indígena. Mas utilizar o futebol como móbil e miragem do auto-cumprimento profético é um verdadeiro regresso à loucura daqueles cenários coloridos dominados pela comédia trágica de Brejnev (escrevia-se assim?).
Compulsão natural
O que mais nos mobiliza é a lógica do porvir, a súmula de expectativas e o horizonte das finalidades mais próximas. É a partir desse movimento que desliza do presente para o futuro imediato, dessa antecipação involuntária e desse enunciar de acenos sempre possíveis que ordenamos as ficcionalidades do passado e que postulamos a compreensão comum do presente.
O que mais nos mobiliza é a lógica do porvir, a súmula de expectativas e o horizonte das finalidades mais próximas. É a partir desse movimento que desliza do presente para o futuro imediato, dessa antecipação involuntária e desse enunciar de acenos sempre possíveis que ordenamos as ficcionalidades do passado e que postulamos a compreensão comum do presente.
terça-feira, 15 de junho de 2004
Rua com eles!
Acho que já há razões mais do que suficientes para expurgar os ingleses do Euro e de todas as competições onde a civilidade deve ser um valor mínimo. O currículo já inclui o Rossio lisboeta na noite das marchas populares, os desacatos no Parque das Nações (no Domingo) e os incidentes de ontem em Albufeira. Vão passear!
Acho que já há razões mais do que suficientes para expurgar os ingleses do Euro e de todas as competições onde a civilidade deve ser um valor mínimo. O currículo já inclui o Rossio lisboeta na noite das marchas populares, os desacatos no Parque das Nações (no Domingo) e os incidentes de ontem em Albufeira. Vão passear!
Penúltimas aulas
O suor. A possibilidade do pasmo. A guarida cheia de imagens involuntárias. E ainda a brisa que aparece a intrometer-se na noite. Como eu gostava de saber dançar o tango. Nem que fosse a deambular no laranjal agora desfigurado pelo ardil das sombras. Hoje dou a última aula teórica deste ano lectivo. Sim, sim: já chega.
O suor. A possibilidade do pasmo. A guarida cheia de imagens involuntárias. E ainda a brisa que aparece a intrometer-se na noite. Como eu gostava de saber dançar o tango. Nem que fosse a deambular no laranjal agora desfigurado pelo ardil das sombras. Hoje dou a última aula teórica deste ano lectivo. Sim, sim: já chega.
segunda-feira, 14 de junho de 2004
Olhar movediço - 2
Despertar o nome que habita na frescura nocturna das buganvílias: foi esse o leme que me guiou noite fora. Os ralos no centro da constelação. Depois a Segunda-feira surgiu a ameaçar trovoada para os lados de Espanha. Quando a vida se embala deste modo sagaz, acende-se uma vaga penumbra onde crepitam vontades opostas. Talvez seja uma espécie de limbo, ainda que prematuro, para ter a sensação de que os pés estarão assentes na terra.
Olhar movediço - 1
Faz bem sorrir ao observar a concordância forçada que muitos conjugam para forjar a sensação de que a vida se subsume às suas máximas de conduta, aos seus princípios irreparáveis e aos seus dogmas inabaláveis.
Despertar o nome que habita na frescura nocturna das buganvílias: foi esse o leme que me guiou noite fora. Os ralos no centro da constelação. Depois a Segunda-feira surgiu a ameaçar trovoada para os lados de Espanha. Quando a vida se embala deste modo sagaz, acende-se uma vaga penumbra onde crepitam vontades opostas. Talvez seja uma espécie de limbo, ainda que prematuro, para ter a sensação de que os pés estarão assentes na terra.
Olhar movediço - 1
Faz bem sorrir ao observar a concordância forçada que muitos conjugam para forjar a sensação de que a vida se subsume às suas máximas de conduta, aos seus princípios irreparáveis e aos seus dogmas inabaláveis.
domingo, 13 de junho de 2004
Mudar de casa - 4
Dialogo com os enigmas do tempo neste domingo em que o tempo parece ter parado dentro das paredes da minha casa. Tudo ou quase tudo está neste momento embalado em caixas e caixotes ou coberto por panos brancos. A arrumação torna-se em memória, enquanto a partida se converte numa espécie de nome redentor. Pulula por aqui um alheamento nostálgico a florir entre breves manchas de esquecimento e o ardor que faz o movimento do espírito abrir-se à plena suspensão do tempo.
A verdade é que o presente é um aquário adiado dos grandes oceanos, uma fugaz intromissão dos eventos neste líquido mais vasto onde o canto de fundo se confunde com a ilusão dos vidros que delimitam o olhar imemorial das algas. No presente há factos, fendas, imolações interpretativas, catarses emocionais, prenúncios vários, paixões secretas, fantasmas imaginados, contendas verosímeis, olhares rotineiros, reacções em cadeia, simulações intencionais e flutuações incontroladas. O presente pertence ao desenlace da vaga, ao ritmo do vento na copa das árvores, ao olhar incandescente para o muro branquíssimo do quintal. Mas no diálogo com o tempo imobilizado deste domingo, o que sobressai é a neutralização desse ímpeto da contingência, dessa nora ininterrupta, desse poema emergente sem início nem fim.
Hoje o dia pertence aos ecos.
No fundo o eco é o que sobra ao agir do quotidiano. É o que suspira para além da comoção ínfima dos dias. É o que contém as formas que deslizam na montagem errante dos instantes. É o que se espalha em toda a apoteose mundana do vivido. É o que basta ao contínuo imperceptível da respiração. É o que perdura do antigo coro grego a fundir o aparecer concatenado das imagens. É o que rumina de modo ocluso nas malhas desdobradas da consciência. É o que se espraia no silêncio mais inerte, esse ardil e móbil do entreacto.
Hoje, de facto, o tempo surgiu para ser o artífice de uma incalculável represa de Verão. Águas paradas. Miragens perfeitas. Limiar adiado. Uma árvore carregada de ameixas a curvar-se sob a desmedida suspensão solar.
É isto o que se sente num breve segundo interpelado subitamente pela melancolia. Mudar de casa pode chegar a ser mudar de pele. Até já.
Dialogo com os enigmas do tempo neste domingo em que o tempo parece ter parado dentro das paredes da minha casa. Tudo ou quase tudo está neste momento embalado em caixas e caixotes ou coberto por panos brancos. A arrumação torna-se em memória, enquanto a partida se converte numa espécie de nome redentor. Pulula por aqui um alheamento nostálgico a florir entre breves manchas de esquecimento e o ardor que faz o movimento do espírito abrir-se à plena suspensão do tempo.
A verdade é que o presente é um aquário adiado dos grandes oceanos, uma fugaz intromissão dos eventos neste líquido mais vasto onde o canto de fundo se confunde com a ilusão dos vidros que delimitam o olhar imemorial das algas. No presente há factos, fendas, imolações interpretativas, catarses emocionais, prenúncios vários, paixões secretas, fantasmas imaginados, contendas verosímeis, olhares rotineiros, reacções em cadeia, simulações intencionais e flutuações incontroladas. O presente pertence ao desenlace da vaga, ao ritmo do vento na copa das árvores, ao olhar incandescente para o muro branquíssimo do quintal. Mas no diálogo com o tempo imobilizado deste domingo, o que sobressai é a neutralização desse ímpeto da contingência, dessa nora ininterrupta, desse poema emergente sem início nem fim.
Hoje o dia pertence aos ecos.
No fundo o eco é o que sobra ao agir do quotidiano. É o que suspira para além da comoção ínfima dos dias. É o que contém as formas que deslizam na montagem errante dos instantes. É o que se espalha em toda a apoteose mundana do vivido. É o que basta ao contínuo imperceptível da respiração. É o que perdura do antigo coro grego a fundir o aparecer concatenado das imagens. É o que rumina de modo ocluso nas malhas desdobradas da consciência. É o que se espraia no silêncio mais inerte, esse ardil e móbil do entreacto.
Hoje, de facto, o tempo surgiu para ser o artífice de uma incalculável represa de Verão. Águas paradas. Miragens perfeitas. Limiar adiado. Uma árvore carregada de ameixas a curvar-se sob a desmedida suspensão solar.
É isto o que se sente num breve segundo interpelado subitamente pela melancolia. Mudar de casa pode chegar a ser mudar de pele. Até já.
sexta-feira, 11 de junho de 2004
Passar por quem passou por cá
(seleccionando onze) - 3
Começo por um visitante mais habitual nos últimos tempos, o Causa Nossa. Hoje, Vital Moreira assina um post sobre um tema que me é caro: as topografias afectivas que cada um de nós recorta na sua experiência dos espaços e da paisagem. Um território acaba sempre por ser um habitat que fazemos descolar do contínuo espacial e que inscrevemos como lugar ou percurso no quadro do nosso próprio agenciamento. O Rossio, seja ele qual for, não é o mesmo para todos. Somos seres e agentes territoriais, pois então.
O Cruzes meteu férias.
O Jaquinzinhos escreve sobre o terceiromundismo de Almada (que quer dizer, em Árabe, o metal - al- Ma´ada - e tem a sua raiz em minas hoje já inexistentes). E escreve muito bem. Não queria viver num sítio assim (com respeito por quem lá vive, é evidente). Sempre achei muita piada ao marketing da senhora presidenta da Câmara: “Almada tem vida própria!” (Uh, uh, uh !)
Desde que está no frio do Brasil, o Aviz pouco passou por cá. Mas agora revigorou e tem aparecido bastante mais. Dava sinceramente ao Francisco um pouco do calor que atravessa estas terras até ao coração do Maranhão alentejano (e a esta hora, não sei se já sabe desta boa notícia). Além do mais, devo dizer que, desde os tempos holandeses, que me converti ao múltiplo e rico império da cerveja. Para que conste.
Ainda sobre a natureza do calor: A Charlotte tem o blogue a “saunas e banhos turcos”. Imagine-se aqui, entre estevas e incandescências turvas. Ou de como o Tejo separa a natureza críptica das rimas.
Sigo o Super Bock Super Rock na Batukada. Belo serviço público e não só (há muito que queria dizê-lo). Durante o Rock in Rio segui quase tudo pela Sic-Radical.
Já agora, estou com o Miguel Cardina e com o Cenas da Lua na recusa em embandeirar os arcos da janela doméstica.
Passando para um registo muito a sério, devo dizer que concordo totalmente com o MacGuffin. Só podíamos estar de acordo. Apesar de, apesar de, apesar. Só podíamos estar mesmo de acordo. A vida é a vida e depois dela é ou será (?) ainda a vida. E antes e agora e sei lá quando. Mas sempre a vida, em primeiro e único lugar, não é?
E se se quiser saber o que pensa Abel Barros Baptista acerca da vida após a escrita, basta ligar a sintonia fina na direcção do leme do Babugem.
Gosto sempre muito das peregrinações paralelas do sensível e apurado Digitalis. Estou sempre lá. Nesse local onde a luz sabe ao emaravilhamento dos fenos. Madressilvas, talvez.
Para terminar, um último aceno amigável. Sandra e Cláudia: gostei de ler a palavra “imagia”. Continuem.
(seleccionando onze) - 3
Começo por um visitante mais habitual nos últimos tempos, o Causa Nossa. Hoje, Vital Moreira assina um post sobre um tema que me é caro: as topografias afectivas que cada um de nós recorta na sua experiência dos espaços e da paisagem. Um território acaba sempre por ser um habitat que fazemos descolar do contínuo espacial e que inscrevemos como lugar ou percurso no quadro do nosso próprio agenciamento. O Rossio, seja ele qual for, não é o mesmo para todos. Somos seres e agentes territoriais, pois então.
O Cruzes meteu férias.
O Jaquinzinhos escreve sobre o terceiromundismo de Almada (que quer dizer, em Árabe, o metal - al- Ma´ada - e tem a sua raiz em minas hoje já inexistentes). E escreve muito bem. Não queria viver num sítio assim (com respeito por quem lá vive, é evidente). Sempre achei muita piada ao marketing da senhora presidenta da Câmara: “Almada tem vida própria!” (Uh, uh, uh !)
Desde que está no frio do Brasil, o Aviz pouco passou por cá. Mas agora revigorou e tem aparecido bastante mais. Dava sinceramente ao Francisco um pouco do calor que atravessa estas terras até ao coração do Maranhão alentejano (e a esta hora, não sei se já sabe desta boa notícia). Além do mais, devo dizer que, desde os tempos holandeses, que me converti ao múltiplo e rico império da cerveja. Para que conste.
Ainda sobre a natureza do calor: A Charlotte tem o blogue a “saunas e banhos turcos”. Imagine-se aqui, entre estevas e incandescências turvas. Ou de como o Tejo separa a natureza críptica das rimas.
Sigo o Super Bock Super Rock na Batukada. Belo serviço público e não só (há muito que queria dizê-lo). Durante o Rock in Rio segui quase tudo pela Sic-Radical.
Já agora, estou com o Miguel Cardina e com o Cenas da Lua na recusa em embandeirar os arcos da janela doméstica.
Passando para um registo muito a sério, devo dizer que concordo totalmente com o MacGuffin. Só podíamos estar de acordo. Apesar de, apesar de, apesar. Só podíamos estar mesmo de acordo. A vida é a vida e depois dela é ou será (?) ainda a vida. E antes e agora e sei lá quando. Mas sempre a vida, em primeiro e único lugar, não é?
E se se quiser saber o que pensa Abel Barros Baptista acerca da vida após a escrita, basta ligar a sintonia fina na direcção do leme do Babugem.
Gosto sempre muito das peregrinações paralelas do sensível e apurado Digitalis. Estou sempre lá. Nesse local onde a luz sabe ao emaravilhamento dos fenos. Madressilvas, talvez.
Para terminar, um último aceno amigável. Sandra e Cláudia: gostei de ler a palavra “imagia”. Continuem.
Portugal pioneiro
Para além das bandeirinhas à janela, veja-se como funciona o nosso real pioneirismo!
Para além das bandeirinhas à janela, veja-se como funciona o nosso real pioneirismo!
terça-feira, 8 de junho de 2004
A China e o Ocidente: três tópicos
1 - Foi já há década e meia e parece que foi hoje. Estava quase a regressar a Portugal (fi-lo em 1990) e a China transbordava então o campo noticioso. A esperança de uma mudança no comunismo parecia possível. Mas não foi. Quando o ritmo alucinante do actual crescimento económico determinar o aparecimento de uma classe média, então sim, será possível. E inevitável.
Nessa altura, não apenas o comunismo tenderá a ruir como o capitalismo sem regras de algumas cidades do sul tenderá a equilibrar-se com valores progressivamente democráticos (a mão-de-obra escrava e uma total ausência de mediações democráticas nos mega-investimentos em curso não são coisas que durem para sempre).
Provavelmente, sendo realista, a transição demorará mais uma década e meia, embora, já hoje, a China lance cartas no mundo nomeadamente na procura de petróleo e no desmedido recurso ao aço (a crise planetária do aço deve-se ao nível exponencial da construção civil na China).
2 - Seja como for, a transformação democrática da China virá a constituir-se, a prazo, como um factor fundamental do equilíbrio estratégico do planeta. A própria noção histórica de Ocidente precisa de se reenquadrar gradativamente com novos pilares sólidos e consistentes que recusem a via do hiper-terrorismo e da cultura da morte.
A curva democrática e a redistribuição dos fluxos de poder globais (incluindo a nível do know how tecnológico) obrigam a um reenquadramento mais activo do Ocidente no mundo. Nesse âmbito, na era actual pós-09/11 e pós-11/03, o papel da Europa parece-me muito importante. Sobretudo se entender o quadro de motivações que conduziu os EUA a um certo isolamento e unilateralidade (o qual, historicamente, acabará por aparecer enquadrado no campo da necessidade conjuntural).
Não consigo, pois, isolar um julgamento sobre esse mega-continente que é a China de um processo altamente dinâmico que, a curto ou médio prazo, poderá ser de relevância maior para a humanidade. E isto apesar da denúncia permanente que um regime feroz deve merecer por parte dos democratas de todo o mundo.
3 - O caso da China não deixa de ser emblemático, sobretudo se o contrastarmos com os desígnios que vigoraram em grande parte do século passado. Ou seja, o caso chinês permite-nos compreender o pior de modo muito nítido: de um lado, a opressão e a miséria em nome de uma pretensa igualdade futura (no presente, o homem surge aí sempre hipotecado na sua felicidade e iniciativa); do outro lado, o aproveitamento do capitalismo mundializado, mas desligado das matizes que ligam a crença na liberdade e na expressão do mercado à paridade democrática das regras, à responsabilidade social e à concorrência justa.
A recusa terminante destes dois flancos em nome da articulação entre a liberdade, a iniciativa e um figurino social (cuja matriz inicial se situou na Europa do norte no pós-Segunda Grande Guerra Mundial), no quadro de uma sociedade aberta, transnacional e em guerra aberta com o hiper-terrorismo, definem o parâmetro da contemporaneidade e da nova sociedade da comunicação.
É aí que claramente me situo.
1 - Foi já há década e meia e parece que foi hoje. Estava quase a regressar a Portugal (fi-lo em 1990) e a China transbordava então o campo noticioso. A esperança de uma mudança no comunismo parecia possível. Mas não foi. Quando o ritmo alucinante do actual crescimento económico determinar o aparecimento de uma classe média, então sim, será possível. E inevitável.
Nessa altura, não apenas o comunismo tenderá a ruir como o capitalismo sem regras de algumas cidades do sul tenderá a equilibrar-se com valores progressivamente democráticos (a mão-de-obra escrava e uma total ausência de mediações democráticas nos mega-investimentos em curso não são coisas que durem para sempre).
Provavelmente, sendo realista, a transição demorará mais uma década e meia, embora, já hoje, a China lance cartas no mundo nomeadamente na procura de petróleo e no desmedido recurso ao aço (a crise planetária do aço deve-se ao nível exponencial da construção civil na China).
2 - Seja como for, a transformação democrática da China virá a constituir-se, a prazo, como um factor fundamental do equilíbrio estratégico do planeta. A própria noção histórica de Ocidente precisa de se reenquadrar gradativamente com novos pilares sólidos e consistentes que recusem a via do hiper-terrorismo e da cultura da morte.
A curva democrática e a redistribuição dos fluxos de poder globais (incluindo a nível do know how tecnológico) obrigam a um reenquadramento mais activo do Ocidente no mundo. Nesse âmbito, na era actual pós-09/11 e pós-11/03, o papel da Europa parece-me muito importante. Sobretudo se entender o quadro de motivações que conduziu os EUA a um certo isolamento e unilateralidade (o qual, historicamente, acabará por aparecer enquadrado no campo da necessidade conjuntural).
Não consigo, pois, isolar um julgamento sobre esse mega-continente que é a China de um processo altamente dinâmico que, a curto ou médio prazo, poderá ser de relevância maior para a humanidade. E isto apesar da denúncia permanente que um regime feroz deve merecer por parte dos democratas de todo o mundo.
3 - O caso da China não deixa de ser emblemático, sobretudo se o contrastarmos com os desígnios que vigoraram em grande parte do século passado. Ou seja, o caso chinês permite-nos compreender o pior de modo muito nítido: de um lado, a opressão e a miséria em nome de uma pretensa igualdade futura (no presente, o homem surge aí sempre hipotecado na sua felicidade e iniciativa); do outro lado, o aproveitamento do capitalismo mundializado, mas desligado das matizes que ligam a crença na liberdade e na expressão do mercado à paridade democrática das regras, à responsabilidade social e à concorrência justa.
A recusa terminante destes dois flancos em nome da articulação entre a liberdade, a iniciativa e um figurino social (cuja matriz inicial se situou na Europa do norte no pós-Segunda Grande Guerra Mundial), no quadro de uma sociedade aberta, transnacional e em guerra aberta com o hiper-terrorismo, definem o parâmetro da contemporaneidade e da nova sociedade da comunicação.
É aí que claramente me situo.
segunda-feira, 7 de junho de 2004
Mudar de casa - 2
Acomodar os livros fora dos seu sítios, encontrar imprevisíveis sinais, reatar o fio perdido pela arrumação dos anos. Rever a ordem em busca de nexo na casa que se deixa e desvendar a desordem prometida na casa ainda despida que nos espera. Travessia, diria Guimarães Rosa.
P.S. - Nas próximas semanas irei por estes motivos escrever menos do que o habitual.
Acomodar os livros fora dos seu sítios, encontrar imprevisíveis sinais, reatar o fio perdido pela arrumação dos anos. Rever a ordem em busca de nexo na casa que se deixa e desvendar a desordem prometida na casa ainda despida que nos espera. Travessia, diria Guimarães Rosa.
P.S. - Nas próximas semanas irei por estes motivos escrever menos do que o habitual.
sábado, 5 de junho de 2004
Mérida - 2
Episodio con lluvia y ventana
Antes que ella misma
fue el olor de la lluvia.
Llegaba antiguo y frágil, despistado
y se agolpaba
tras los cristales, y su presencia
se hacia acaso deseable,
cobijo aquel sedoso estruendo
en el sagrado, intangible centro
de la nada.
La lluvia, se dijo, es siempre
una forma de exilio.
Lamidos fueron
al instante los amplios ventanales,
el corazón
emitió un sonido similar
al de la nieve al derretirse
mientras ella miraba
las perfectas hojas del césped
mutiladas por el agua.
Abrázame
oyó decirse en voz baja.
Abrázame.
Después fue la lluvia
borrándolo todo, deshaciendo
cristal y ramas,
labios y ventana,
automóviles, casas, y al cabo
a ella misma.
Tendido,
sobre un único trozo de pizarra
quedó el corazón anegado,
sin olor.
Daniel Casado (El viento y las brasas, 2003)
Episodio con lluvia y ventana
Antes que ella misma
fue el olor de la lluvia.
Llegaba antiguo y frágil, despistado
y se agolpaba
tras los cristales, y su presencia
se hacia acaso deseable,
cobijo aquel sedoso estruendo
en el sagrado, intangible centro
de la nada.
La lluvia, se dijo, es siempre
una forma de exilio.
Lamidos fueron
al instante los amplios ventanales,
el corazón
emitió un sonido similar
al de la nieve al derretirse
mientras ella miraba
las perfectas hojas del césped
mutiladas por el agua.
Abrázame
oyó decirse en voz baja.
Abrázame.
Después fue la lluvia
borrándolo todo, deshaciendo
cristal y ramas,
labios y ventana,
automóviles, casas, y al cabo
a ella misma.
Tendido,
sobre un único trozo de pizarra
quedó el corazón anegado,
sin olor.
Daniel Casado (El viento y las brasas, 2003)
Mérida - 1
Estive em Mérida como jurado de um prémio literário. Magníficos os verdes sobre o Guadiana e a arquitectura que os envolve sobretudo na margem poente. Deixei futuros amigos, o Francisco Rangel e o Daniel Casado, ambos poetas. Deste último deixo-vos o site pessoal, dotado de um fórum múltiplo de discussão além de outras surpresas. Voltarei a falar-vos destes recuerdos ainda próximos.
Renasce el corazón de entre pavesas
a pesar de encontrarse ya transido,
cual grano en la besana
aguardando el estío.
Francisco Rangel (Breves son tus pasos)
Estive em Mérida como jurado de um prémio literário. Magníficos os verdes sobre o Guadiana e a arquitectura que os envolve sobretudo na margem poente. Deixei futuros amigos, o Francisco Rangel e o Daniel Casado, ambos poetas. Deste último deixo-vos o site pessoal, dotado de um fórum múltiplo de discussão além de outras surpresas. Voltarei a falar-vos destes recuerdos ainda próximos.
Renasce el corazón de entre pavesas
a pesar de encontrarse ya transido,
cual grano en la besana
aguardando el estío.
Francisco Rangel (Breves son tus pasos)
sexta-feira, 4 de junho de 2004
Nacionalismos
1 - Sou um bocado alérgico a este nacionalismo que começa a desenhar-se apenas e só por causa do Euro.
Parece um espectro meio invisível que se ressuscita à pressa de um limbo distante e que agora aflora sob a forma de pequenas bandeiras nos táxis, de hinos à Hendrix na Antena 1 e de publicidade atónita e espalhafatosa (sem esquecer a campanha eleitoral que parece ter contraído empréstimo ao kitsch dominante). É coisa estriada, pouco natural e tão sazonal quanto limitada pelo curto prazo de validade.
2 - O outro nacionalismo que anda aí em voga é tão desconcertante quanto apatetado. Se viesse de meios que a si próprios se revêem como conservadores ou tradicionais, a coisa mereceria um dado olhar crítico e pela certa mordaz. Mas vindo do PCP - mascarado de inócua CDU por vergonha do nome “comunista” - o nacionalismo apenas pode explicar-se como tampão para um inevitável e perturbador vazio. Há menos de duas décadas foram sérios adversários da entrada de Portugal na então CEE. Hoje, após outras hecatombes, pouco lhes resta do que pronunciar o desacertado verbo da nação.
1 - Sou um bocado alérgico a este nacionalismo que começa a desenhar-se apenas e só por causa do Euro.
Parece um espectro meio invisível que se ressuscita à pressa de um limbo distante e que agora aflora sob a forma de pequenas bandeiras nos táxis, de hinos à Hendrix na Antena 1 e de publicidade atónita e espalhafatosa (sem esquecer a campanha eleitoral que parece ter contraído empréstimo ao kitsch dominante). É coisa estriada, pouco natural e tão sazonal quanto limitada pelo curto prazo de validade.
2 - O outro nacionalismo que anda aí em voga é tão desconcertante quanto apatetado. Se viesse de meios que a si próprios se revêem como conservadores ou tradicionais, a coisa mereceria um dado olhar crítico e pela certa mordaz. Mas vindo do PCP - mascarado de inócua CDU por vergonha do nome “comunista” - o nacionalismo apenas pode explicar-se como tampão para um inevitável e perturbador vazio. Há menos de duas décadas foram sérios adversários da entrada de Portugal na então CEE. Hoje, após outras hecatombes, pouco lhes resta do que pronunciar o desacertado verbo da nação.
Com uma mangueira na mão!
“Sané”, de seu nome próprio e futebolístico, reatou a mais nobre tradição da luta sindical à antiga portuguesa. É ver para crer: ainda por cima aqui mesmo, entre nós, a norte dos Jerónimos e com ampla vista para o Tejo (que hoje ia tão azul quanto dissipado pela humedecida névoa de calor).
“Sané”, de seu nome próprio e futebolístico, reatou a mais nobre tradição da luta sindical à antiga portuguesa. É ver para crer: ainda por cima aqui mesmo, entre nós, a norte dos Jerónimos e com ampla vista para o Tejo (que hoje ia tão azul quanto dissipado pela humedecida névoa de calor).
Gostos
O portal do governo não tem mau gosto. De um lado um famoso Pessoa, do outro lado o fado. E sempre, sempre em fragmento. Um verdadeiro clip institucional. Poucos o conhecem, mas vale a pena entrar no hall de entrada e ver os frescos. Pelo menos.
O portal do governo não tem mau gosto. De um lado um famoso Pessoa, do outro lado o fado. E sempre, sempre em fragmento. Um verdadeiro clip institucional. Poucos o conhecem, mas vale a pena entrar no hall de entrada e ver os frescos. Pelo menos.
Atentos à comédia Ramonet
Os Jaquizinhos andam atentos. Como sempre. E escreveram uma deliciosa prosa sobre os furacões que ardem na imaginação autista de Ignacio Ramonet. Vale a pena ler e sorrir. Com este calor, até sabe bem. A propósito, não renovei a assinatura do Courrier International.
Os Jaquizinhos andam atentos. Como sempre. E escreveram uma deliciosa prosa sobre os furacões que ardem na imaginação autista de Ignacio Ramonet. Vale a pena ler e sorrir. Com este calor, até sabe bem. A propósito, não renovei a assinatura do Courrier International.
quinta-feira, 3 de junho de 2004
Estrela cadente
EWG, J. Miró
Veio o calor. Finalmente um dia por cima dos trinta graus. Os corpos a vaguear pela liquidez que os faz tão leves como as folhas do limoeiro. Depois do meteoróide de ontem, a lua apareceu hoje em prata, gigante e quase a querer pousar no mirante onde continuo sentado como se caído na redentora tentação das esfinges.
EWG, J. Miró
Veio o calor. Finalmente um dia por cima dos trinta graus. Os corpos a vaguear pela liquidez que os faz tão leves como as folhas do limoeiro. Depois do meteoróide de ontem, a lua apareceu hoje em prata, gigante e quase a querer pousar no mirante onde continuo sentado como se caído na redentora tentação das esfinges.
quarta-feira, 2 de junho de 2004
Pragmatismos
Numa carta publicada pelo Causa Nossa e assinada por Henrique Jorge, C. Peirce (com o nome de Pierce que, como se sabe, é outras coisa) e W. James aparecem citados como mentores de um certo pragmatismo (mais o segundo do que o primeiro) que ilibaria os aspectos e "conjecturas morais" em benefício do que tão-só "funciona bem". Não me parece muito justo, sobretudo porque aquilo que o pragmatismo recusa à partida é a explicação imanente do mundo, valorizando a verificação prática e tácita da relação entre os fenómenos que constituem a vida (no seu desdobrar-se categorial entre o nível potencial, o agora-aqui e o nível das previsões racionais). E creio que este princípio (processual e dinâmico) se aplica quer aos eventos e suas redes circunstanciais, quer à espessura do dever-ser ético (apesar de uma certa erosão do segundo, mais por causa daquilo que Lipowetski tão bem explicou no seu Crepúsculo do Dever do que por razões propriamente de ordem pragmática).
Numa carta publicada pelo Causa Nossa e assinada por Henrique Jorge, C. Peirce (com o nome de Pierce que, como se sabe, é outras coisa) e W. James aparecem citados como mentores de um certo pragmatismo (mais o segundo do que o primeiro) que ilibaria os aspectos e "conjecturas morais" em benefício do que tão-só "funciona bem". Não me parece muito justo, sobretudo porque aquilo que o pragmatismo recusa à partida é a explicação imanente do mundo, valorizando a verificação prática e tácita da relação entre os fenómenos que constituem a vida (no seu desdobrar-se categorial entre o nível potencial, o agora-aqui e o nível das previsões racionais). E creio que este princípio (processual e dinâmico) se aplica quer aos eventos e suas redes circunstanciais, quer à espessura do dever-ser ético (apesar de uma certa erosão do segundo, mais por causa daquilo que Lipowetski tão bem explicou no seu Crepúsculo do Dever do que por razões propriamente de ordem pragmática).
Mudar de casa - 1
Os anos e as histórias mais silenciosas envolvem o contorno impreciso dos objectos e em cada embrulho, peças de um alinhamento caótico, reaparece o brilho que parecia perdido ainda a dialogar com o esvaziamento súbito dos espaços. O que se deixa e o que nos espera. Seguir-se-ão outros episódios.
Os anos e as histórias mais silenciosas envolvem o contorno impreciso dos objectos e em cada embrulho, peças de um alinhamento caótico, reaparece o brilho que parecia perdido ainda a dialogar com o esvaziamento súbito dos espaços. O que se deixa e o que nos espera. Seguir-se-ão outros episódios.
Homónimo
O Daedalus deixou escrito em comentário que eu iria estar presente na bela cidade de Coimbra, no próximo dia 3, no Ateneu. De facto, esse Luís Carmelo é outro. Conheço-o bem: integra o Trimagisto (grupo de teatro que dedica muito do seu tempo a relatar a tradição oral, nomeadamene contos) e veio do Brasil para Portugal há uns anos. Não há laços familiares entre nós, mas passámo-nos a habituar a algumas convocações falaciosas. Muitas vezes, sou tido como encenador, actor e contador, outras vezes (mais, devido à idade), é ele que é tido como escrevinhador de romances, ensaios e outras coisas. Homónimos, já se vê.
O Daedalus deixou escrito em comentário que eu iria estar presente na bela cidade de Coimbra, no próximo dia 3, no Ateneu. De facto, esse Luís Carmelo é outro. Conheço-o bem: integra o Trimagisto (grupo de teatro que dedica muito do seu tempo a relatar a tradição oral, nomeadamene contos) e veio do Brasil para Portugal há uns anos. Não há laços familiares entre nós, mas passámo-nos a habituar a algumas convocações falaciosas. Muitas vezes, sou tido como encenador, actor e contador, outras vezes (mais, devido à idade), é ele que é tido como escrevinhador de romances, ensaios e outras coisas. Homónimos, já se vê.
terça-feira, 1 de junho de 2004
Haja alguma moralidade
Agora está na moda escrever-se e dizer-se "Case-study". Entrou na moda como o "Trust me!" há não muito tempo utilizado para prenunciar as presidenciais. Um destes dias ainda vamos ouvir alguém dizer que o Sousa Franco tem uns óculos esquisitos e defeitos físicos. Haja algum nível, porra!
Agora está na moda escrever-se e dizer-se "Case-study". Entrou na moda como o "Trust me!" há não muito tempo utilizado para prenunciar as presidenciais. Um destes dias ainda vamos ouvir alguém dizer que o Sousa Franco tem uns óculos esquisitos e defeitos físicos. Haja algum nível, porra!
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