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E hoje, o Instituto Nacional da Aviação Civil sentiu-se obrigado a responder a um jornal francês.
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Tomamos o café na esplanada com o cão. De repente, um casal desconhecido está à nossa frente. Ar simpático, traços anafados, compostura dócil.
O marido diz, a certa altura, na direcção da mulher: "Carlota dá um beijo ao cão". A senhora quase se ajoelha e o Ulisses lambe intensamente a cara à senhora.
Seguem depois o seu caminho, sem pressas, como se escutassem a voz de Jacques (le fataliste et son maître): "Et qui est ce qui m'apprendra à moi, pauvre ignorant, si la doctrine du faiseur de miracles est bonne ou mauvaise?"
Sobre a estratégia americana para o século XXI, por Henrique Raposo. O texto tem imenso interesse e fala de coisas reais. O que são coisas reais? Edward Hopper definiu-as como poucos: "The man's the work. Something doesn't come out of nothing".
Sobre inusitados fractais, por Filipe Moura.
Ontem li no Público (no links) as declarações de um responsável do grupo de teatro, Fatias de Cá. Dizia o artista, a propósito da peça do grupo que entra agora em cena (uma adaptação ilícita, ao que parece, de um romance do Miguel Sousa Tavares), que não queria "chatices do isso dos direitos de autor". Cito a frase tal e qual, pois ela demonstra, por si só, um explícito e assumido desprezo por algo que é precioso para um escritor decente; leia-se: um escritor que não vive à custa de subsídios do estado.
P.S. Segundo consta na imprensa de hoje, o caso (legal) estaria já resolvido. Mas isso não retira qualquer peso ao peso das declarações. Quanto à "decência", trata-se de uma consideração que faço sem presunções judicativas; quer dizer: eu não me sentiria com um mínimo de decência, se vivesse, enquanto escritor, às custas do estado. Mas quem se quiser sentir visado com o que ontem escrevi... que se sinta à vontade!
No meio do campo profundo a olhar para o céu. Foi nos arredores da aldeia de Nossa Senhora de Machede e as perseides, confesso, deram-se realmente a ver. Nem sempre a norte. A mais rasgada e avermelhada apareceu a sul. E muitas outras entraram em cena no lado mais ocidental (onde se via pior devido ao clarão eborense). O pescoço é que pagou pelo sortilégio. Ainda hoje.
Sigo a reentrada do vaivém na atmosfera como se eu fosse também parte do vaivém. À fragilidade soma-se agora a ordem do sublime: é um momento raríssimo em que o tempo real do directo se associa a um risco francamente real.
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O alívio é, por fim, o nome da aterragem. Terra: o lugar do ouro.
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A cobertura mediática dos incêndios tem-se assemelhado, entre nós, a um genérico para grandes audiências: todos o vêem, mas ninguém o lê.
Adenda
Só quem nunca a viu, ou sentiu como sua, é que se admira com a desertificação. Há factos de que nos apropriamos apenas através do pasmo, do espanto e da súbita e impotente contemplação das consequências. Em boa verdade, a recente vaga de incêndios começou a ser preparada há algumas décadas e, agora, necessitamos de outras tantas para a travar. Há fenómenos, cuja escala e amplitude não se compadecem com a capacidade humana de controlo. Borges escreveu-o há mais de sessenta anos: “Las ruinas del santuario del dios del fuego fureon destruidas por el fuego” (Las Ruinas Circulares, Ficciones, 1944).
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Discordo, caro Avatar!
O intelectual é já, felizmente, uma obra de caridade em extinção. Hoje em dia, o intelectual é coisa que já não significa o mesmo que significou entre o iluminado fim de setecentos e os anos sessenta mais ou menos sartreanos. Os antigos silêncios dos antigos intelectuais já não são os silêncios dos que hoje cintilam com o vestígio do que foi ser intelectual. É por isso que "não dizer" (ocultar, omitir), nos dias de hoje, remete sobretudo para aquilo que não pertence ao fluxo ininterrupto e mundializado de imagens. Por outro lado,"dizer" (explicitar, enunciar), nos dias de hoje, é uma verdadeira corrente que atravessa público e privado, comércios infindos, nichos e patéticas redomas.
Pôr um carro - ou o coração - à venda nos blogues só não é já um facto por razões de pura eficácia. Espero que cheguemos lá (apenas porque é bom somar potencialidades às potencialidades, ou não é esse o caminho da virtualidade?)!
Não o perceber é navegar ainda com as estriadas velas da embarcação analógica, nesse mar de mitos onde os segredos e tabus ainda têm centro, limites e narrativas que se alimentam da pretensa veia libertina e contracultural dos "intelectuais".
P.S. - Discussão parecida já tinha andado por aqui, em finais de Novembro de 2003, entre o bom Avatar e o desilusionismo Miniscente. Na altura, em sintonia quase perfeita, rebatemos e comentámos a definição de "intelectual" do Eduardo Prado Coelho ("os tradutores de códigos culturais"). Não foi?
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Raramente compro o saco (leia-se o Expresso).
Saco ao sábado é rotina a que nunca, e felizmente, me habituei. Mas hoje, fim-de-semana entre férias, lá revejo e leio tudo de ponta a ponta: intermináveis cadernos de cor anafada, tópicos de intriga menor, editorial sobre confissões de dirigentes políticos jamais nomeados, um humor pobre e requentado, relatos sobre a festa da Caras, o 1812 moscovita dos manos Maniche, a palavra "amesamento" (ou coisa parecida) na gastronomia, a tinta sem sentido em torno do triângulo Soares-Alegre-Cavaco e muitas crónicas pouco motivadoras, radicalmente chãs e sobretudo previsíveis (há sempre excepções: a história da adolescente enunciada pelo João é interessante e a presença da Charlotte é novidade para mim - que ando sempre atrasado nestes densos eclipses da alma).
Voltarei a comprar o saco daqui a seis meses para ver se mantém o nível.
P.S. - Ainda uma singularidade, após a segunda leitura do jornal. Então não é que António Ramos Rosa termina a sua entrevista/excurso - bastante truncada, aliás - com a seguinte frase lapidar: "A vida não me ensinou nada"? Espantoso.
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Já se pode ler aqui o meu conto que saiu na revista Atlântico (nº 5). Por acaso - e isto é revelação do Miniscente em primeira mão -, o dito é parte do meu futuro romance que sairá algures em 2006.
"(...)Laurentino lembrava-se das águas escurecidas da barragem, desse verde vago de correntes brevíssimas onde o ofício dos remos e os braços abertos dos remadores limavam a sede do tempo. Visto do alto do precipício, era um movimento lento, vagaroso, bastante sincopado. Era como a miniatura de um limbo que progredia do paraíso esquecido até à sombria mansidão que rodeava o pequeno cais da aldeia. Aí, sobre o que sobrava do velho coreto, estava perfilada a banda de uniformes brancos como se fosse um insecto minúsculo cheio de tentáculos esponjosos e envolvido pela espessa poeira avermelhada do fundo da terra.(...)"
É evidente que também considero normal, e não excepcional, que as instâncias do estado devam colocar os seus projectos on-line para que a desejável discussão pública se torne objectiva, informada e ponderada.
Este tipo de procedimentos deveria mesmo constituir uma rotina, já que, independentemente da natureza dos compromissos eleitorais, o que está em jogo é sempre o dinheiro dos contribuintes.
Estamos, pois, face a uma exigência óbvia e necessária que deveria visar todo o tipo de projectos de iniciativa estatal e não apenas aqueles mega-projectos que têm o condão de inflamar a opinião pública e o jogo político (caso da Ota).
É, pois, de estranhar que o estado não tenha criado, há já muito tempo - e em várias escalas -, um sistema de portais adequado a este fim. A gestão desse tipo de plataformas é leve, como se sabe. Basta ter vontade política para as criar e para as integrar de modo eficaz.
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Aqui segue, por fim, a solicitação que corre na blogosfera e com a qual naturalmente concordo:
PODE O GOVERNO SFF COLOCAR EM LINHA OS ESTUDOS SOBRE O AEROPORTO DA OTA PARA QUE NA SOCIEDADE PORTUGUESA SE VALORIZE MAIS A “BUSCA DE SOLUÇÕES” EM DETRIMENTO DA “ESPECULAÇÃO”?
O fumo e um intenso cheiro a queimado a sobrevoar a cidade.
(fotografia enviada propositadamente por Tiago Valente. Obrigado!)