Ficcionalidades de prata - 13
(Auto-retrato como afogado, Hippolyte Bayard, 1840)
O que terá levado Hippolyte Bayard a simular a máscara da morte, sob a forma de um presumido afogamento, neste lancinante auto-retrato? perguntar-se-á. Levado decerto pela ira ofeliana e antecipando-se no tempo aos Pré-Rafaelitas, que pretexto haveria para esta encenação quase fotográfica, nos idos de 1840, sobretudo quando a fotografia ainda era uma clara desconhecida de si própria? Eu creio que, nesta chapa aquática, o que emerge é o prazer de ver e remover o outro lado, seja ele qual for. Onda sobre onda, torrente sobre torrente, luz sobre luz para que se entendesse o simples fluxo, o caudal, a enigmática lógica da apresentação. Como se o enunciador do retrato brincasse com o fogo que o novo brinquedo exalaria pelos poros. Como se o enunciador do retrato agitasse a mágica película que fixaria a luz. Como se o enunciador do retrato pensasse a adivinhação que irradiaria sem fim pelos anos a vir. E conseguiu-o, devolvendo-nos a pergunta sem resposta, a pose sem conjura e a cena sem qualquer mediação para a própria cena. Um ultraje discreto, numa palavra.