sexta-feira, 13 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 14


(Último suspiro, Henry Peach Robinson, 1858)

No fundo, todos morremos nas fotografias. Ficamos lá, nesse outro estar que nos fotografa letal e brutalmente o enigma do lado de cá. Mesmo que uma imagem perdure anos e anos a fio, fechada num livro qual amor-perfeito, nada há que afaste esse feitiço da evidência do olhar que simultaneamente nos aparta e nos religa. A morte paira nessa corrente de ar sem retorno, até porque não é da morte que se roga esclarecimento, mas tão-só do que nela embate ainda em vida. Nesta deslumbrante tomada de Peach Robinson, a menina entrou nesse bate bate de ondas e batéis desconhecidos ainda vestida a rigor. Como se tivesse passado, ao mesmo tempo, pelos dois lados da mesma fotografia: entre lá e cá, entre cá e lá, mas saboreando sempre a terra de ninguém que se modela entre ambos. Talvez cantando sem descansar, sem folgar, sem jamais esmorecer. Até hoje.