O país da Expo foi um país frondoso, pelo menos por cima do tapete. Toda a década de noventa, a primeira que vivi em Portugal depois de um longa estada no estrangeiro, significou crescimento, recuperação e sobretudo mentalidade positiva. A "geração rasca", a crise da ponte 25 Abril, já no final do cavaquismo, e as diversões em torno do Padre Frederico em nada se comparam com o que realmente havia de ficar para a história: a Expo, a descoberta das TVs privadas (e de um novo tipo de pluralismo) e a importância crescente da tecnologia no dia-a-dia.
O nosso 09/11 foi prenunciado pelo pântano de Guterres que, depois, mergulharia nas águas paradas do Caso Casa Pia. Era a primeira vez que o país se via (massificada e mediaticamente) ao espelho, como se o precipício se abrisse e concordasse em género e número com a governação. Um apocalipse lento. Em 2004, Sampaio cortou a direito e, fora da formatação dos media clássicos, os blogues desenhavam uma nova contracorrente da afirmação pública. Provavelmente, foi esse o esteio mais sadio e livre da década.
A segunda metade destes últimos dez anos trouxe até nós o hábito socrático. A "História" tornou-se repentinamente num dia-a-dia conhecido, a que não faltou a maioria absoluta de 2005 - em muito esculpida pela deserção de Durão e pelo animatógrafo de Santana - e a psicanálise tecnológica. Mas o "Subprime" e a crise dos mercados acabariam por fragilizar e fazer ruir o trabalho de casa desse governo (em 2007, o défice descera realmente abaixo dos 3%). Os muitos falsetes e sombras da personalidade de Sócrates (licenciatura, projectos, Freeport, etc.) contracenaram, de repente, com casos como os do BCP e BPN. À esquerda e à direita, passe a ligeireza do esquematismo, o dedo acusador cruzou direcções e sulcou destinos pouco saudáveis. Era a entrada em cena da fase em que estamos a viver e que é caracterizada pelo profundo "mau hálito político".
E assim chegámos, no ano passado, a um novo parlamento a clamar por equilíbrio num país que o havia, entretanto, perdido. De repente, aquilo que o caso Casa Pia significara para o pasmo dos portugueses passou a ser revestido pelo tom judicioso (e de alguma vingança mútua) das comissões de inquérito do nosso Parlamento. Ética, TVI e outros tópicos congregam hoje grande parte do que se diz e do que se fala. Tal como aconteceu em 2003-2004, regressámos agora às águas paradas dos novos casos Casa Pia e às governações liofilizadas que folgam - fazem questão disso! - em acompanhá-las. Será esta a nossa sina?
(hoje no Expresso)