segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Episódios e Meteoros - 65

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(crónica publicada, desde quinta-feira passada, no Expresso Online;
(ver também no meu blogue de crónicas)
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O ponto mais fraco de José Sócrates
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Quando um ano acaba e outro começa, as televisões gostam de ilustrar o ano findo com imagens. Curiosamente, essas imagens são salteadas e realçam, ou instantes de humor, falhas, gafes e desatenções inusitadas, ou dão a ver momentos de violência gratuita, olhares em estado de choque, pancadaria, numa palavra: fogosidades.
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Sempre adorei voltar a ver este tipo de imagens isoladas do seu contexto. O exercício permite, entre outras coisas, prever o futuro. Quando se revê o nosso PM no parlamento europeu a ser interrompido por vigorosos protestos, o que se revê, em primeiro lugar, é o seu olhar profundamente incomodado. Um olhar que não consegue esconder um mal-estar tão profundo, tão incontido e tão avesso à máscara (ou à elegância) que acaba por pôr a nu o seu ponto mais fraco. Um dia, Sócrates cairá em desgraça por causa deste seu abismo muito particular.
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Falei em abismo? Sim. Vertigens, não do poder, mas da falésia do convencimento. Sócrates adora as sessões em que a encenação e o protocolo impedem a dissenção natural. É uma questão de temperamento e não tanto de agenda política, creio. O que só agrava o diagnóstico. Nada melhor do que um Les Uns et les Autres onde tudo acaba bem, com música morna e anúncios heróicos. Sem falhas, sem gafes e, também, sem fracturas ou olhares desencontrados. Sócrates veio da serra para a capital e gosta de manter a sua democracia metódica. Sem exageros e com um único alarde: o da pose.
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Disdéri foi o fotógrafo francês que, por volta de 1850, inventou a pose. Uma efígie que disfarça os remoques e que recria o sol na gruta mais sombria do olhar. A simulação do tigre na audácia do gato. A pose é um óptimo ponto de partida para levar o mais incauto à falésia do convencimento. Sem pose não há defesa possível, a não ser que a densidade do personagem se imponha à fatalidade. É uma escola como muitas outras. E Sócrates nela estudou e a ela se entregou. Só que um parlamento europeu aos gritos parece muito pouco para destronar e desfazer tanta vertigem.
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Sócrates está de pé, tenso, crispado, carregado e olha para o inferno dos deputados que gritam em uníssono “Referendo, Referendo!”. É um olhar que reflecte o fogo da maçada e o gelo do estorvo. Um aperto que o PM não consegue, de modo nenhum, dissimular. Se há momento em que a acrobacia e a verdade mais concordam uma com a outra é este mesmo. Sem falhas.
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É claro que Sócrates é incapaz de perceber que os sucessos da presidência portuguesa deveriam falar por si próprios. É claro que Sócrates cairá sempre na tentação do auto-elogio desnecessário. Questão de pose. É claro que Sócrates até tem razão em recusar o referendo europeu. Mas, de um momento para o outro, perde toda a razão, perde tudo. Está de pé, a sós, como a areia molhada sob o ímpeto das ondas. Não perdoará nunca que lhe tenham minado a sua falésia do convencimento. Questão de pose. E, um dia, de desgraça.