quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Cerveja e literatura - 64

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"Em 0 Cálice havia um único cliente. Era Bretschneider, um polícia da secreta. O proprietário, o Sr. Palivec, enxaguava os pires, e Bretschneider tentava inutilmente encetar conversação.[….]
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- Arranjaram-na bonita. nesse maldito Serajevo! aventurou-se Bretschneider com fraca esperança.
- Em qual Serajevo? -- perguntou Palivec. O estanco de Nusle? Isso não me espantaria mesmo nada, porque todos os dias há lá pancadaria. Toda a gente sabe o que é Nusle.
- Mas eu estou a falar de Serajevo, na Bósnia, meu caro. Acabam de assassinar ali o arquiduque Fernando. Que é que você diz a isto?
- Nesses assuntos não me meto eu. Quem vier chatear-me com tais extravagâncias mando-o à fava – respondeu cortesmente Palivec, acendendo o cachimbo. - Ocupar-se hoje uma pessoa de negócios dessa natureza é o mesmo que quebrar a espinha. Eu sou comerciante, não é verdade? - e, quando alguém me encomenda uma cerveja, eu estou pronto a servi-la. Quanto aos Sarajevos, a politica ou ao nosso defunto arquiduque, nada disso me diz respeito. Só me pode trazer uma estadia em Pankrac.
Iludido na sua expectativa, Bretschneider calou-se e olhou à volta da sala vazia. [….]
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O agente mergulhou definitivamente no silêncio. Tornou-se-lhe sombrio o olhar e só se iluminou na altura da entrada do Sr. Chveik que, ao abrir a porta, encomendou logo uma «preta».
- Em Viena também hoje se está de luto -- acrescentou ele.
Os olhos de Bretschneider acenderam-se de esperança.
- Em Konopista há uma dezena de bandeiras pretas - disse secamente.
- Deveria haver doze - retorquiu Chveik depois de ter bebido a cerveja.
- Porquê justamente doze? -- interrogou Bretschneider.
- Para fazer uma conta redonda: uma dúzia conta-se melhor. E, depois, é sempre mais barato quando se compra à dúzia - replicou Chveik.[….]
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- […]. Mas nessa conjuntura poderemos unir-nos à França, que, desde 1870, está farta dos Alemães. De qualquer dos modos a guerra é certa e segura. Só lhes digo isto!
Bretschneider levantou-se e proferiu num tom solene:
- 0 senhor falou bastante, chegue comigo aqui ao corredor que eu tenho uma coisa para lhe dizer.
Chveik seguiu docilmente o detective até ao corredor, onde o esperava uma pequena surpresa. O companheiro de pinga mostrou-lhe uma aguiazinha no reverso da banda do casaco, anunciando-lhe que estava preso e o ia levar à Directoria da Policia. Chveik tentou explicar que havia certamente um equívoco da parte do cavalheiro, que ele estava inocente, que não pronunciara uma única injúria contra fosse quem fosse.
Mas Bretschneider explicou-lhe que a sua situação era clara, cometera vários delitos qualificados, entre os quais o de alta traição.
Voltaram a sala e Chveik declarou ao Sr. Palivec:
- Devo cinco imperiais e uma salsicha com pão. Serve-me mais uma schnaps, antes de me pisgar. Estou preso."
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(Jaroslav Hasek, O Valente Soldado Chveik, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1971, p. 11; participação: Alberto Magalhães)