sábado, 17 de novembro de 2007

Episódios e Meteoros - 57

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(crónica publicada desde anteontem no Expresso Online)
(ver também no meu blogue de crónicas)
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A comunicação é a era da galinha
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O ensaísta Mario Perniola criou, há três anos, a noção de “sensologia” que definiu como a “transformação da ideologia numa nova forma de poder que dá por adquirido o consenso plebiscitário baseado em factores afectivos e sensoriais”(1). Trata-se de uma noção interessante, já que nos bate directamente à porta. Não há, de facto, ninguém que não seja testemunha desta transformação da vida, baseada em receitas que nos curariam de todos os males, num espectáculo em que a imaginação salta, sem cessar, entre as suas próprias imagens e as imagens (televisivas, ciberespaciais, etc.) que nos entram, dia-a-dia, no sangue. Sendo este salto, como é, um salto recheado de afectos e emoções à solta, um pouco como a galinha que levanta as asas e corre mitologicamente, através do quintal do espaço público, sem necessitar de capoeira para estar detida.
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Provavelmente, como é normal na tradição judaico-cristã, a noção de sensologia poderá reflectir uma teoria da conspiração: como se fôssemos todos, afinal, marionetas iludidas e controladas nas mãos de um deus maior. Como se a liberdade raramente fosse uma escolha plausível. Como se a iniciativa não fosse matéria para galináceos. Mas a verdade é que o show noticioso dos últimos dias ilustra, no essencial, a sensologia de Perniola.
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Foi a cimeira do Chile, na qual Chavéz desempenhou o papel de palhaço contratado para despertar a “sensorialidade” (e para fazer de futuro Mugabe lisboeta). Foi o debate do orçamento, no qual Santana e Sócrates esvaziaram os números e os temas em nome de denúncias e ressentimentos “afectuosos” (defesas de dama). Foi o anúncio sensível das digitalizações de Portas e foi ainda o appeal das eleições argentinas, a gravata de Shinzo Abe ou o “porreiro” como síntese máxima da última cimeira europeia dos 27.
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Provavelmente quem tem mesmo razão é o alemão Peter Sloterdijk(2), para quem os media, e especialmente a televisão, são a última técnica de “meditação da humanidade”, depois da era das grandes receitas (ideologias) e das “religiões regionais”. Ou seja, para Sloterdijk, a televisão, é o primeiro “redentor” que nos deixa “realmente livres”, porque, ao fim e ao cabo, os “indivíduos” querem é que “os deixem em paz; e esta tranquilidade é uma coisa que agora podem ter de uma vez por todas”.
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Devo-vos dizer que estou bem mais com o alemão, do que com a mera constatação de Perniola. Mas entre os dois, existe um pequeno limbo que, para nos poupar a esforços, passámos a designar por “comunicação”. Já lá vai, pois, o tempo dos infernos em chamas e dos paraísos das doçuras virginais.
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(1) Mario Perniola, Contra a comunicação, Teorema, Lisboa, (2004) 2005, p.12
(2) Peter Sloterdijk, Ensaio sobre a intoxicação voluntária, Fenda, Lisboa, (1999) 2001, p. 132