segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cerveja e literatura - 46

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Vencedor do Prémio Camilo Castelo Branco em 1961 com este romance (Matai-vos uns aos outros), Jorge Reis morreu em Paris em 2005. José Pacheco Pereira fez eco do facto num dos seus blogues. A cena que abaixo se transcreve, com raros recortes dialectais (a reduplicação dos “rr aristocráticos” é realmente paródica), dá a ver um diálogo entre um agente da polícia (Santiago) e um alto funcionário da “Vila Velha” (administrador) acerca da recente morte de um importante proprietário rural, seu amigo. A cerveja interpõe-se à conversa e, ao fim e ao cabo, serve de mote à lentidão do meio, da troca de palavras, das imensas pausas, do mistério e de todo o spleen imobilizado que rodeia a própria cena:
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“– Erra decerrto um homem de baixa extrracção: varrino; mas soube torrnarr-se um dos nossos prroprrietários mais abastados!... Como deve saberr, Vila Velha é terra de lavrradorres... Pois ele erra o único que se dava ao trrabalho de tomarr o barrco e irr à outrra banda correrr a fazenda!...
E cacarejou uma casquinada de mofa, lembrando a Santiago o que o Padre Manuel Bernardes pensava de abegões e feitores!...
– ... Toma uma cerrveja?
Santiago pestanejou como se acordasse: tivera uma ausência. O administrador continuara certamente a discorrer e ele, pegando-lhe de uma frase, deixara de o ouvir...
– Se prreferre outra coisa?
– Muito obrigado: uma cerveja.
– João – dizia já o outro ao contínuo, que passava a cabeça vagamente embrutecida pela abertura da porta. – Vai ao café buscarr uma cerrveja e um copo de água do Luso... Frresquinha, am!”
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(Jorge Reis, Matai-vos uns aos outros, Prelo, Lisboa, 1961/1972, pp. 16/17)