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No país dos insones
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Na insónia, há uma espécie de túnel obscurecido que se forma. Subitamente. Vindo daquele tipo de surpresa que surge nas paisagens sem fim: praias inóspitas, mares tempestuosos, planícies extensas, estepes quase desertas. E há, por vezes, que saber percorrer esse túnel como se não houvesse tempo no horizonte. Mas apenas um breve instante, uma ínfima travessia, um logro que poderá vir por bem.
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O que se pensa numa insónia não é nunca objectivo. É antes uma súmula indistinta, sem grandes contornos. Uma pintura expressionista à procura de sentido. A insónia é um sarcófago sem múmia, um canal sem Veneza à volta, um Stabat Mater sem Vivaldi. Geralmente, a esperança rareia na insónia. É da praxe. Mas sabe-se, apesar do tom crepuscular, que tudo irá continuar. Para além do muro. É curioso que, na literatura, a insónia é amiúde encarada como tema menor. Por que será, meu caro Marcel?
O que se pensa numa insónia não é nunca objectivo. É antes uma súmula indistinta, sem grandes contornos. Uma pintura expressionista à procura de sentido. A insónia é um sarcófago sem múmia, um canal sem Veneza à volta, um Stabat Mater sem Vivaldi. Geralmente, a esperança rareia na insónia. É da praxe. Mas sabe-se, apesar do tom crepuscular, que tudo irá continuar. Para além do muro. É curioso que, na literatura, a insónia é amiúde encarada como tema menor. Por que será, meu caro Marcel?
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Bem esperei pela resposta, mas Marcel não respondeu. Nem nunca nos responderá. Sabe-se, contudo, que, entre esse silêncio irrespondível, Marques Mendes saiu da sua insónia, enquanto, desprevenido, Menezes nela terá entrado. De fora, a tentar acordar do pesadelo, Santana Lopes esgaravata à sua volta e não gosta nada que o tenham acordado à pressa, sem jeito, para mais num directo nocturno que ostenta uma personagem tão sonhada quanto adulada. Qual sarcófago, qual Veneza, qual Vivaldi!
Bem esperei pela resposta, mas Marcel não respondeu. Nem nunca nos responderá. Sabe-se, contudo, que, entre esse silêncio irrespondível, Marques Mendes saiu da sua insónia, enquanto, desprevenido, Menezes nela terá entrado. De fora, a tentar acordar do pesadelo, Santana Lopes esgaravata à sua volta e não gosta nada que o tenham acordado à pressa, sem jeito, para mais num directo nocturno que ostenta uma personagem tão sonhada quanto adulada. Qual sarcófago, qual Veneza, qual Vivaldi!
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No governo, a tecnologia e os rankings internacionais descansam os espíritos. Para além do mais, até Dezembro, haverá muita Europa e ainda mais dilemas a converter em matéria de crónica (Mugabe é, nessa vasta amálgama, apenas uma gota de orvalho). E se 2009 vai ser terreno fértil de campanha eleitoral, resta a 2008 ser o palco de todas as decisões. Há quem seja apólogo da teoria salvífica que revê em Manuela Ferreira Leite a encarnação sebástica do próximo Outono. Enfim, conjecturas sonolentas, cenas de vigília, mágoas de sabor gótico.
No governo, a tecnologia e os rankings internacionais descansam os espíritos. Para além do mais, até Dezembro, haverá muita Europa e ainda mais dilemas a converter em matéria de crónica (Mugabe é, nessa vasta amálgama, apenas uma gota de orvalho). E se 2009 vai ser terreno fértil de campanha eleitoral, resta a 2008 ser o palco de todas as decisões. Há quem seja apólogo da teoria salvífica que revê em Manuela Ferreira Leite a encarnação sebástica do próximo Outono. Enfim, conjecturas sonolentas, cenas de vigília, mágoas de sabor gótico.
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Certo é que, dez anos após a euforia da Expo, nove anos depois de Timor ter sido um generoso talismã para Guterres e vinte anos após o estado de graça de Cavaco, nos preparamos para um 2008 igualmente eufórico. Portugal gosta de altos e baixos, de carrosséis ondulados e abismados, de nevoeiros densos que alternem com um sol escaldante e porventura hipnótico. Portugal gosta de acordar a meio de um desígnio traçado (neste caso, o tecnológico) e expor-se depois à insónia. Ou seja: ao pequeno debate, às ínfimas travessias e a todo o tipo de logro que venha por bem. Qual sarcófago, qual Veneza, qual Vivaldi!
Certo é que, dez anos após a euforia da Expo, nove anos depois de Timor ter sido um generoso talismã para Guterres e vinte anos após o estado de graça de Cavaco, nos preparamos para um 2008 igualmente eufórico. Portugal gosta de altos e baixos, de carrosséis ondulados e abismados, de nevoeiros densos que alternem com um sol escaldante e porventura hipnótico. Portugal gosta de acordar a meio de um desígnio traçado (neste caso, o tecnológico) e expor-se depois à insónia. Ou seja: ao pequeno debate, às ínfimas travessias e a todo o tipo de logro que venha por bem. Qual sarcófago, qual Veneza, qual Vivaldi!
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O Portugal profundo, mais do que um país de poetas, é - e sempre foi - uma terra de bravos insones.
O Portugal profundo, mais do que um país de poetas, é - e sempre foi - uma terra de bravos insones.