terça-feira, 23 de outubro de 2007

Cerveja e literatura - 34

e
Como eu adoro os incêndios da imaginação. Para mais, pela pena de Nelson Rodrigues:
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“E a moça não tirava os olhos dele, numa contemplação insaciada. Vi-o alargar o colarinho, afrouxar a gravata, bufando:
- Calor danado!
Mas já o chope lhe incendiava a imaginação. Falou, sem parar e, súbito, fez, de si mesmo, uma biografia portátil: estivera na África, fora legionário. Ela, que só conhecia os legionários de Carnaval, pareceu admirar-se:
- Como legionário?
- Da Legião Estrangeira.
- Aqueles do filme?
Confirmou, numa brusca e desesperadora nostalgia da África e da farda. Lembrava-se, acima de tudo, do sol africano, fixo e alucinante. Com a curiosidade espicaçada, Lourdinha insistiu:
- O negócio lá como é que é, hein?
João riu, alto. E Lourdinha percebeu que o som desse riso a conquistava.”
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(Nelson Rodrigues, O Drama/16 em Pouco Amor Não É Amor, Companhia as Letras, São Paulo, 2002, pp.124/125)