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O sorriso do arquivo no tempo da rede
(hoje: Fernando Ilharco)
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Somos Todos Soldados (I - 17/08/1998)
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Nada parece ir já tão na frente como as guerras do novo mundo. Quando chegam já é tarde para lhes fazer frente. Quando são ganhas, geralmente não são conhecidas. Por vezes apenas se sabe quem perde. O anonimato, a surpresa, a prevenção e a dimensão planetária imperam nos conflitos que emergem rumo ao século XXI.
Nas situações de tensão os líderes políticos, económicos ou militares multiplicam declarações que visam ganhar ou aumentar o apoio tácito ou o suporte activo da população que representam ou que querem representar. Mas as preocupações democráticas que existem são as que já existiam. Os novos tempos não estão a trazer nada de novo nesse campo. Não há democracia electrónica alguma que não seja a que identifica os que estão nas redes e os que não estão. A motivação pura e simples, o chamado “factor moral” das guerras da era industrial, é também um factor a considerar. No entanto talvez nem a “motivação”, nem a “legitimidade democrática” sejam mais o essencial da história – se é que alguma vez o foram.
Os exércitos convencionais estão em redução drástica. Diz-se que vêm aí os tempos das unidades de elite: pequenas, móveis, ultra-sofisticadas, profissionais até à ponta dos cabelos. Diz-se também que “não há mais linha da frente”. Tudo isto sugere uma conclusão óbvia: se as guerras continuam, mas não há linha da frente, nem exércitos convencionais, então onde estão os soldados?… és tu, caro amigo, Hoje, os soldados somos todos.
Os batalhões e os milhões estão em fragmentação por todo o mundo. Quando a guerra assenta na capacidade de fazer sentido, de detectar movimentações, de seleccionar dados, de monitorizar o pormenor, de surpreender e de esperar o inesperado, os soldados são quaisquer uns. A situação a cada momento determina quem tu és, qual o teu papel, o teu poder, quais as expectativas que os vários lados vão fazer descer sobre ti, qual relâmpago caído dos céus.
Numa sociedade mediatizada, de comunicação instantânea, intensamente interligada e móvel, é difícil ou mesmo impossível vencer conflitos sem a verdadeira rede das redes a funcionar a nosso favor: os olhos e ouvidos de milhões e milhões de civis, espalhados por todo o mundo, e empenhados em defender um estilo de vida que é “o seu”. Sem esta enorme teia estar sensibilizada e familiarizada com mecanismos de alerta fáceis e disponíveis é impossível aguentar confrontos ou vencer conflitos na era pós-industrial.
Vamos a alguns exemplos que são já o dia a dia do cidadão comum. Em Londres, quase todo centro financeiro da cidade está sob vigilância de vídeo, em permanência e em tempo real. Nas paragens de autocarro e no metro uma das mais eficazes armas de prevenção não deixa dúvidas. Lê-se em enormes cartazes: “se és um ladrão, estás tramado!”, “nunca mais vais estar seguro”. Depois explica-se porquê: qualquer um, em qualquer lugar, que veja algo suspeito deve ligar para um número de telefone gratuito, que garante o anonimato do queixoso.
Os queixosos tendem no entanto a prescindir do anonimato quando as policias oferecem fortunas por pistas que levem à prisão de suspeitos. Quase 400.000 contos é quanto os EUA oferecem neste momento no caso das embaixadas em África. Estes prémios mudam a vida de qualquer um: os maus vão dentro; os queixosos vão de férias para o resto da vida; a comunidade local sente-se mais segura e muito mais atenta ao próximo prémio.
Sem este apoio dos espectadores/actores da realidade mediatizada é duvidoso que se consiga ultrapassar situações de conflito ou de guerra. “Numa era em que o armamento se torna intangível algumas das mais potentes armas são protagonizadas pelos media” (Alvin Toffler, “The New Intangibles” em “In Athena’s Camp: Preparing for Conflict in the Information Age”, RAND, EUA, 1997).
A natureza da guerra nos dias de hoje não assenta no embate frontal da força bruta, mas na capacidade de detectar dados potencialmente relevantes e de os comunicar em tempo real para quem pode influenciar o fluir das decisões. Há duas semanas foi o que se sabe nas embaixadas dos Estados Unidos da América na Nigéria e em Dar-Es-Salam. O “Público” na passada semana noticiava-se que em 1997 a CIA tinha impedido pelo menos cinco atentados do género. Essa é a natureza da guerra que corre: prevenir, não deixar acontecer, impedir, evitar, contornar, mudar, ultrapassar. Não foram os mísseis teleguiados, nem os Marines que impediram os atentados. Quem os impede, sabota, manipula, é gente afogada em tecnologia, de telemóvel, ligada às redes de computadores, aos satélites e aos contactos do primeiro ao terceiro mundo, passando por todos os sub-mundos do entretanto.
E as coisas vão ficar mais complicadas. Sem o apoio dos olhos e ouvidos de milhões e milhões não é possível vencer. A força bruta está mais barata do que nunca e a mais barata forma de a derrotar é não a deixar actuar.
Deixando de lado os velhos confrontos de tanques, aviões e metralhadoras, existe uma outra forma de ganhar as guerras do futuro. Uma forma vital e final. Que leva tempo a desenvolver, mas que já está em marcha, é o entendimento do mundo.“Demasiada gente está a ver que ganhámos”, queixava-se um militar de alta patente dos EUA num seminário em Washington no ano passado. Os inimigos já não são os mesmos de sempre: Estados, nações, exércitos. Há por aí gente com outra forma de entender as coisas: “os novos inimigos tem outro entendimento do mundo”, “vivem noutro mundo”, “guerreiam doutra maneira”. Alguns dos novos inimigos e das novas guerras estão em curso: terrorismo internacional, impérios criminosos globais, cartéis da droga, Estados párias. Como enquadrar o que se passa? Quem está contra quem em que confronto? Quais são os conceitos relevantes?
Nada parece ir já tão na frente como as guerras do novo mundo. Quando chegam já é tarde para lhes fazer frente. Quando são ganhas, geralmente não são conhecidas. Por vezes apenas se sabe quem perde. O anonimato, a surpresa, a prevenção e a dimensão planetária imperam nos conflitos que emergem rumo ao século XXI.
Nas situações de tensão os líderes políticos, económicos ou militares multiplicam declarações que visam ganhar ou aumentar o apoio tácito ou o suporte activo da população que representam ou que querem representar. Mas as preocupações democráticas que existem são as que já existiam. Os novos tempos não estão a trazer nada de novo nesse campo. Não há democracia electrónica alguma que não seja a que identifica os que estão nas redes e os que não estão. A motivação pura e simples, o chamado “factor moral” das guerras da era industrial, é também um factor a considerar. No entanto talvez nem a “motivação”, nem a “legitimidade democrática” sejam mais o essencial da história – se é que alguma vez o foram.
Os exércitos convencionais estão em redução drástica. Diz-se que vêm aí os tempos das unidades de elite: pequenas, móveis, ultra-sofisticadas, profissionais até à ponta dos cabelos. Diz-se também que “não há mais linha da frente”. Tudo isto sugere uma conclusão óbvia: se as guerras continuam, mas não há linha da frente, nem exércitos convencionais, então onde estão os soldados?… és tu, caro amigo, Hoje, os soldados somos todos.
Os batalhões e os milhões estão em fragmentação por todo o mundo. Quando a guerra assenta na capacidade de fazer sentido, de detectar movimentações, de seleccionar dados, de monitorizar o pormenor, de surpreender e de esperar o inesperado, os soldados são quaisquer uns. A situação a cada momento determina quem tu és, qual o teu papel, o teu poder, quais as expectativas que os vários lados vão fazer descer sobre ti, qual relâmpago caído dos céus.
Numa sociedade mediatizada, de comunicação instantânea, intensamente interligada e móvel, é difícil ou mesmo impossível vencer conflitos sem a verdadeira rede das redes a funcionar a nosso favor: os olhos e ouvidos de milhões e milhões de civis, espalhados por todo o mundo, e empenhados em defender um estilo de vida que é “o seu”. Sem esta enorme teia estar sensibilizada e familiarizada com mecanismos de alerta fáceis e disponíveis é impossível aguentar confrontos ou vencer conflitos na era pós-industrial.
Vamos a alguns exemplos que são já o dia a dia do cidadão comum. Em Londres, quase todo centro financeiro da cidade está sob vigilância de vídeo, em permanência e em tempo real. Nas paragens de autocarro e no metro uma das mais eficazes armas de prevenção não deixa dúvidas. Lê-se em enormes cartazes: “se és um ladrão, estás tramado!”, “nunca mais vais estar seguro”. Depois explica-se porquê: qualquer um, em qualquer lugar, que veja algo suspeito deve ligar para um número de telefone gratuito, que garante o anonimato do queixoso.
Os queixosos tendem no entanto a prescindir do anonimato quando as policias oferecem fortunas por pistas que levem à prisão de suspeitos. Quase 400.000 contos é quanto os EUA oferecem neste momento no caso das embaixadas em África. Estes prémios mudam a vida de qualquer um: os maus vão dentro; os queixosos vão de férias para o resto da vida; a comunidade local sente-se mais segura e muito mais atenta ao próximo prémio.
Sem este apoio dos espectadores/actores da realidade mediatizada é duvidoso que se consiga ultrapassar situações de conflito ou de guerra. “Numa era em que o armamento se torna intangível algumas das mais potentes armas são protagonizadas pelos media” (Alvin Toffler, “The New Intangibles” em “In Athena’s Camp: Preparing for Conflict in the Information Age”, RAND, EUA, 1997).
A natureza da guerra nos dias de hoje não assenta no embate frontal da força bruta, mas na capacidade de detectar dados potencialmente relevantes e de os comunicar em tempo real para quem pode influenciar o fluir das decisões. Há duas semanas foi o que se sabe nas embaixadas dos Estados Unidos da América na Nigéria e em Dar-Es-Salam. O “Público” na passada semana noticiava-se que em 1997 a CIA tinha impedido pelo menos cinco atentados do género. Essa é a natureza da guerra que corre: prevenir, não deixar acontecer, impedir, evitar, contornar, mudar, ultrapassar. Não foram os mísseis teleguiados, nem os Marines que impediram os atentados. Quem os impede, sabota, manipula, é gente afogada em tecnologia, de telemóvel, ligada às redes de computadores, aos satélites e aos contactos do primeiro ao terceiro mundo, passando por todos os sub-mundos do entretanto.
E as coisas vão ficar mais complicadas. Sem o apoio dos olhos e ouvidos de milhões e milhões não é possível vencer. A força bruta está mais barata do que nunca e a mais barata forma de a derrotar é não a deixar actuar.
Deixando de lado os velhos confrontos de tanques, aviões e metralhadoras, existe uma outra forma de ganhar as guerras do futuro. Uma forma vital e final. Que leva tempo a desenvolver, mas que já está em marcha, é o entendimento do mundo.“Demasiada gente está a ver que ganhámos”, queixava-se um militar de alta patente dos EUA num seminário em Washington no ano passado. Os inimigos já não são os mesmos de sempre: Estados, nações, exércitos. Há por aí gente com outra forma de entender as coisas: “os novos inimigos tem outro entendimento do mundo”, “vivem noutro mundo”, “guerreiam doutra maneira”. Alguns dos novos inimigos e das novas guerras estão em curso: terrorismo internacional, impérios criminosos globais, cartéis da droga, Estados párias. Como enquadrar o que se passa? Quem está contra quem em que confronto? Quais são os conceitos relevantes?
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Segundas - João Pereira Coutinho
Terças - Fernando Ilharco
Quartas - Viriato Soromenho Marques
Quintas - Bragança de Miranda
Sextas - Paulo Tunhas
Sábados – António Quadros (António M. Ferro, Org.)
Terças - Fernando Ilharco
Quartas - Viriato Soromenho Marques
Quintas - Bragança de Miranda
Sextas - Paulo Tunhas
Sábados – António Quadros (António M. Ferro, Org.)