terça-feira, 5 de junho de 2007

Escavações Contemporâneas - 23


LC
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O sorriso do arquivo no tempo da rede
(hoje: Fernando Ilharco)
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Somos Todos Soldados (I - 17/08/1998)
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Nada parece ir já tão na frente como as guerras do novo mundo. Quando chegam já é tarde para lhes fazer frente. Quando são ganhas, geralmente não são conhecidas. Por vezes apenas se sabe quem perde. O anonimato, a surpresa, a prevenção e a dimensão planetária imperam nos conflitos que emergem rumo ao século XXI.
Nas situações de tensão os líderes políticos, económicos ou militares multiplicam declarações que visam ganhar ou aumentar o apoio tácito ou o suporte activo da população que representam ou que querem representar. Mas as preocupações democráticas que existem são as que já existiam. Os novos tempos não estão a trazer nada de novo nesse campo. Não há democracia electrónica alguma que não seja a que identifica os que estão nas redes e os que não estão. A motivação pura e simples, o chamado “factor moral” das guerras da era industrial, é também um factor a considerar. No entanto talvez nem a “motivação”, nem a “legitimidade democrática” sejam mais o essencial da história – se é que alguma vez o foram.
Os exércitos convencionais estão em redução drástica. Diz-se que vêm aí os tempos das unidades de elite: pequenas, móveis, ultra-sofisticadas, profissionais até à ponta dos cabelos. Diz-se também que “não há mais linha da frente”. Tudo isto sugere uma conclusão óbvia: se as guerras continuam, mas não há linha da frente, nem exércitos convencionais, então onde estão os soldados?… és tu, caro amigo, Hoje, os soldados somos todos.
Os batalhões e os milhões estão em fragmentação por todo o mundo. Quando a guerra assenta na capacidade de fazer sentido, de detectar movimentações, de seleccionar dados, de monitorizar o pormenor, de surpreender e de esperar o inesperado, os soldados são quaisquer uns. A situação a cada momento determina quem tu és, qual o teu papel, o teu poder, quais as expectativas que os vários lados vão fazer descer sobre ti, qual relâmpago caído dos céus.
Numa sociedade mediatizada, de comunicação instantânea, intensamente interligada e móvel, é difícil ou mesmo impossível vencer conflitos sem a verdadeira rede das redes a funcionar a nosso favor: os olhos e ouvidos de milhões e milhões de civis, espalhados por todo o mundo, e empenhados em defender um estilo de vida que é “o seu”. Sem esta enorme teia estar sensibilizada e familiarizada com mecanismos de alerta fáceis e disponíveis é impossível aguentar confrontos ou vencer conflitos na era pós-industrial.
Vamos a alguns exemplos que são já o dia a dia do cidadão comum. Em Londres, quase todo centro financeiro da cidade está sob vigilância de vídeo, em permanência e em tempo real. Nas paragens de autocarro e no metro uma das mais eficazes armas de prevenção não deixa dúvidas. Lê-se em enormes cartazes: “se és um ladrão, estás tramado!”, “nunca mais vais estar seguro”. Depois explica-se porquê: qualquer um, em qualquer lugar, que veja algo suspeito deve ligar para um número de telefone gratuito, que garante o anonimato do queixoso.
Os queixosos tendem no entanto a prescindir do anonimato quando as policias oferecem fortunas por pistas que levem à prisão de suspeitos. Quase 400.000 contos é quanto os EUA oferecem neste momento no caso das embaixadas em África. Estes prémios mudam a vida de qualquer um: os maus vão dentro; os queixosos vão de férias para o resto da vida; a comunidade local sente-se mais segura e muito mais atenta ao próximo prémio.
Sem este apoio dos espectadores/actores da realidade mediatizada é duvidoso que se consiga ultrapassar situações de conflito ou de guerra. “Numa era em que o armamento se torna intangível algumas das mais potentes armas são protagonizadas pelos media” (Alvin Toffler, “The New Intangibles” em “In Athena’s Camp: Preparing for Conflict in the Information Age”, RAND, EUA, 1997).
A natureza da guerra nos dias de hoje não assenta no embate frontal da força bruta, mas na capacidade de detectar dados potencialmente relevantes e de os comunicar em tempo real para quem pode influenciar o fluir das decisões. Há duas semanas foi o que se sabe nas embaixadas dos Estados Unidos da América na Nigéria e em Dar-Es-Salam. O “Público” na passada semana noticiava-se que em 1997 a CIA tinha impedido pelo menos cinco atentados do género. Essa é a natureza da guerra que corre: prevenir, não deixar acontecer, impedir, evitar, contornar, mudar, ultrapassar. Não foram os mísseis teleguiados, nem os Marines que impediram os atentados. Quem os impede, sabota, manipula, é gente afogada em tecnologia, de telemóvel, ligada às redes de computadores, aos satélites e aos contactos do primeiro ao terceiro mundo, passando por todos os sub-mundos do entretanto.
E as coisas vão ficar mais complicadas. Sem o apoio dos olhos e ouvidos de milhões e milhões não é possível vencer. A força bruta está mais barata do que nunca e a mais barata forma de a derrotar é não a deixar actuar.
Deixando de lado os velhos confrontos de tanques, aviões e metralhadoras, existe uma outra forma de ganhar as guerras do futuro. Uma forma vital e final. Que leva tempo a desenvolver, mas que já está em marcha, é o entendimento do mundo.“Demasiada gente está a ver que ganhámos”, queixava-se um militar de alta patente dos EUA num seminário em Washington no ano passado. Os inimigos já não são os mesmos de sempre: Estados, nações, exércitos. Há por aí gente com outra forma de entender as coisas: “os novos inimigos tem outro entendimento do mundo”, “vivem noutro mundo”, “guerreiam doutra maneira”. Alguns dos novos inimigos e das novas guerras estão em curso: terrorismo internacional, impérios criminosos globais, cartéis da droga, Estados párias. Como enquadrar o que se passa? Quem está contra quem em que confronto? Quais são os conceitos relevantes?
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Segundas - João Pereira Coutinho
Terças - Fernando Ilharco
Quartas - Viriato Soromenho Marques
Quintas - Bragança de Miranda
Sextas - Paulo Tunhas
Sábados – António Quadros (António M. Ferro, Org.)