sexta-feira, 4 de maio de 2007

Folhetim - 9

VANITAS
51, AVENUE D´IÉNA
por Almeida Faria
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O meu anfitrião pareceu perder-se por instantes na distância dessas ilhas, de onde pouco depois regressaria: "Já que o senhor é dado à leitura, se quer conhecer Perse sugiro que comece por Exil, um dos livros que ele me enviou em mão para Portugal, por um amigo, e onde encontrei ecos do que eu mesmo vivi, longe das minhas origens, da minha primeira língua. Nem para mim nem para ele o exílio foi só uma experiência, não, o exílio foi a nossa experiência, uma via sacra com paragens precárias, provisórias, na nossa condição de nómadas. Ele gostava de disfarces, recorreu a vários pseudónimos e, na correspondência de meia dúzia de anos entre nós, inventou outro _ Douglas _ que depois ambos usámos. Por amor ao secretismo nenhum de nós concedia entrevistas, ser falados não fazia parte dos nossos objectivos. A mim faltava-me paciência para conversar com jornalistas e eles vingavam-se indo de propósito a Lisboa buscar informações irrelevantes junto do pessoal do Avis, ou ao Ritz em Paris ou a outros hotéis por onde passei. O caso de Perse era diverso, e acredito que a discrição lhe trazia vantagens libertinas. Casou tardíssimo, aos setenta e um, idade em que só poetas ou milionários se atrevem a casar. Consta contudo que, antes da americana com quem veio a casar, foi homem de longas ligações amorosas. O seu fascínio pelo feminino nota-se em poemas que resistem a ser classificados, pequenas epopeias, elegias ou odes com algo de bíblico, de erótico:
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_ Jeunes femmes! et la nature d´un pays s´en trouve toute parfumée...
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e eu sou sensível a versos desses porque também dediquei ao feminino um culto que muitos dos meus quadros denunciam: além da cunhada do Fantin-Latour de que já lhe falei, há um Retrato de Rapariga, do Ghirlandaio; uma Dona Leonor, irmã de Carlos V e duas vezes rainha, primeiro de Portugal, depois de França, retratada por Van Cleve; a Helena Fourment, do Rubens, a Madame Claude Monet, do Renoir; e outras, como a tristonha infanta Dona Mariana do Velasquez ou a Santa Catarina atribuída a Cranach. Lutei anos a fio por uma dama do Goya que não obtive e considero uma derrota esse insucesso.
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(continua)
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Próximo episódio: “Inclino-me para esta última tese, agrada-me que a cabeça seja de mulher, ou melhor, de deusa. Custou-me tanto esforço e dinheiro e deu-me tal prazer, que chegava a adoecer ao pensar na hipótese de que algo lhe acontecesse.”