sexta-feira, 26 de maio de 2006

O "tom" dos blogues - 17

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Os meus editores costumam dizer que um livro dura um mês. Não será inteiramente verdade, embora no caso do romance a realidade não ande muito longe da prescrição. No caso do ensaio, por razões que se ligam a outras agendas que não apenas as do mercado do livro, a amplitude da vida tem-se alargado algo mais.
Na blogosfera, a figura da actualização vs. desactualização é fulgurante. É por isso que um post vive em diagonal ajustando-se à forma do olhar que a espaços o lê. O olhar cruza-o tal como o sol cruza o crepúsculo africano – é uma leitura pouco linear e nada plena – e apenas dura no espaço de várias passagens que são sempre, cada uma delas, processos, saltos, traços tracejantes e apressados. Na blogosfera, o olhar não vai para lado nenhum, não tem telos, nem meta; ele é sobretudo o movente, o augúrio fugidio e o andarilho que faz da existência um clique que gera e é sempre gerado por outro e outro clique. De alguma maneira, um post já morreu no momento em que se inscreve e é nesse instante-ápice de duração que a enunciação chega a brilhar. O que define a vida de um post é afinal a sua permanente actualização. Esta é a noção-chave da vida blogosférica, pelo menos do ponto de vista da expressão que nela diariamente se agencia.
Actualizar corresponde a uma fórmula, cujo significado recente remete para a ideia de tornar presente: é esse desafio de ‘antecipação’ que está realmente na base da expressão errática, vacilante, descontínua – e rica - da blogosfera. Hoje em dia, na rede, actualizar já não quer dizer ‘fazer passar da potência ao acto’ ou ‘realizar o que é potencial’, mas sim “refrescar”, omnipresentear ou tornar permanentemente visível todo o ilimitado leque de opções que se processam. Actualizar é virtualizar em cadeia, em cascata, em encadeamento ininterrupto. A palavra actualizada na blogosfera deixou de ser um eco de uma presença, ou um jogo de efígies que se propõe, para passar a ser uma espécie de arrebatamento febril que liga ‘presença-ausência’ e ‘ausência-presença’ a um empenho sôfrego e vital, na medida em que a actualização consiste na ‘tentação’ de um presente que está quase, a todo o momento, a chegar ao próprio coração do presente. Este arrebatamento instantanista - ou este novo tipo de tentação - derroga aquilo que exprime e exprime aquilo que derroga, tal como escreveu Peter Sloterdijk: “O que é de ontem é incessantemente desactualizado pela sua mobilidade; é a partir do próprio gesto de desactualização que é lançada a nova actualidade, para cair logo no projecto: uma transitoriedade expulsa a outra”.
Os efeitos deste fenómeno incessante de actualização vs. desactualização na adaptação da linguagem ao novíssimo meio blogosférico são abundantes e óbvios. Citaria os seguintes:
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a) Os posts tendem a condensar informação e a concretizar-se através de um tipo expressivo muitas vezes elíptico.
b) Os posts descomprometem-se face a um texto genericamente orgânico e enunciam-se de modo solto e desagregado (como se desmontassem lógicas indeterminadas, mas consistentes).
c) Os posts compensam a sua brevidade através de remissões e ligações que se projectam (por precedência ou irradiação) noutros lugares da rede.
d) Os posts podem suceder-se ininterruptamente numa espécie de (nada pejorativa) ‘fuga para a frente’ contra a emergência sempre actual da desactualização (às vezes em regime irónico de estimulante count down).
e) Os posts tendem a visar, ao mesmo tempo, ‘targetsmuito variados, rentabilizando assim a compactação de dados que vão actualizando (e fazem-no, às vezes, com toda a piada e sem quaisquer links).
f) Os posts obedecem amiúde a rubricas e séries pré-definidas, de acordo com uma sintaxe de conteúdos que é prévia à própria transitoriedade do meio.
g) Os posts adoptam metalinguagens – textos acerca (da inscrição) de textos no blogger, ou noutros congéneres - tentando relativar a angústia face à derrogação permanente pressuposta pela actualização vs. desactualização.
h) Os posts alimentam-se de um contraditório elementar, mais reactivo e esquemático do que sustentado e argumentativo (mesmo no caso de “micro-causas”).
i) Os posts agenciam a agenda pública, seleccionando, filtrando e interpretando alguns dos seus dados.
j) Os posts recorrem a realidades icónicas, “googlando” imagens ou, mais raramente, criando condensações de natureza poética.
k) Os posts recorrem a realidades indexicais, dirigindo sucinta e regularmente a atenção para outros posts de outros blogues, ou a textos da ‘atmosfera’.
l) Os posts ancoram muitas vezes os ‘topics’ (aquilo de que se fala) a simples marcas adverbiais ou de remissão directa (exemplo : “ver aqui” ou “ver mais”).
m) Os posts subsumem-se amiúde à prática mais coloquial do correio: o convite.
n) Os posts alegorizam a vida de outros blogues.
o) Os posts, por vezes, convidam tão-só a clicar.
p) Os posts tendem a contrastar a síntese produtiva com uma abundante notação de fontes.
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Reagindo à ameaça de contínua desactualização, os posts inscrevem-se assim numa modalidade de micro-narrativas do quotidiano que tornam a blogosfera num ‘pulsar’, cujas sequências visam em última análise a sua própria sobrevivência. Até porque o tempo da blogosfera não é precisamente o tempo da rede. Na rede há bancos de dados passivos, quase fixos, verdadeiras esculturas de webdesign errando entre a sua forma e os laços que, em todas as direcções, os prolongam e acolhem. Neste novo ‘gravitas’, muitos desses ‘sites’ estão imunes aos efeitos mais desgastantes da instantaneidade, na medida em que são parte programada de um processamento impessoal. Nos blogues, ao invés, a inscrição pessoalizada faz a forma e alimenta a substância: o corpo cresce e depura-se com a verocidade do ‘espírito de corpo’ a meio de uma guerra. A intimidade obsessiva da blogosfera é o seu sangue, ou seja: a sua capacidade para saber morrer e nascer ao mesmo tempo, todos os dias, em cada post, em cada ápice.