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Há pessoas que quase ignoram a blogosfera e que perguntam: “Por que é que (os bloggers) escrevem, porquê?”. Esta inquirição sobre o sentido de uma escrita é muito interessante. É como se se baseasse no horror ao vazio que não é capaz de desvendar uma realidade de tipo instrumental que fundamentasse a existência da blogosfera. É como se não se conseguisse entender a blogosfera fora de uma esquadria transitiva, ou de uma funcionalidade concreta e estrita. É como se uma escrita processada no éter da rede - e onde qualquer um pode escrever - correspondesse a pressupostos pouco claros. A memória não é imune a tais tentações: a revelação islâmica, quer a tradição (hadíth), quer o Alcorão, também se interrogavam acerca do sentido da escrita, sobretudo da poética, minimizando-a de forma extrema (no fundo, ela punha em causa o ‘Sopro de Deus’ e o valor do “Recitado”, i.e., do al-Qurân). As imagens também foram muitas vezes escritas incompreendidas (não só no Islão, mas também em Bizâncio e na famosa ‘beeldenstorm’ ainda hoje visível na catedral de Utreque - Holanda). A interrogação de uma escrita não é, pois, uma coisa nova: ela tece a ideia de uma tentação que caminharia para a – perigosa e lancinante - falta de sentido.
Uma tal desconfiança aparece amiúde espelhada no modo como os (profissionais dos) média clássicos encaram os blogues. Alguns, felizmente, cruzam ambos os territórios. Há muitos e bons exemplos de jornalistas na blogosfera. Outros preferem diminuir a riqueza criativa que percorre a blogosfera, reduzindo-a a esquemas pejorativos que, ou traduzem uma recusa em interrogar as novas questões que ela mesma sugere (deontologia, escrutínio, edição, etc.), ou que pouco têm a ver com a compreensão da rede (reversibilidade, banalidade, efémero, provisoriedade, etc.). Há ainda outros, muito poucos, que fazem da blogosfera uma espécie de ‘monstro intimidador’.
O caso de Eduardo Prado Coelho é, entre estes últimos, tão intrigante quanto revelador. Atento a tudo o que é metatexto, rede, desconstruções e cultura ‘pós-pós’, Eduardo Prado Coelho vem denotando nas suas crónicas uma aberta e ostensiva demarcação face à blogosfera. Entusiasmado desde sempre com um mundo que perdeu fronteiras estanques, Eduardo Prado Coelho decidiu agora, de modo dir-se-ia paradoxal, embora legítimo (está no seu direito!), traçar uma fronteira entre si e uma das matérias mais criativas onde a linguagem contemporânea se está a redescobrir: a blogosfera.
É verdade que a sua crónica diária, O Fio do Horizonte, é tematicamente previsível (há um mesmo horizonte sobre ou do qual EPC fala) e expressivamente contida nos moldes que a encerra (isto é, fecha-se numa natureza bastante orgânica). Por seu lado, a natureza de um ‘post’ contradita o modelo de Eduardo Prado Coelho, na medida em que se apresenta como tematicamente bastante imponderável e expressivamente (ainda) à procura de uma adequação.
É verdade que a mediação vertical de O Fio do Horizonte nada tem a ver com a mediação horizontal de um post: de um lado, está-se almofadadamente em palco dominando de forma quase imperial a plateia imaginária; do outro lado, está-se ao nível do rosto dos interactores - nesse local difuso e indistinto onde a enunciação e a recepção se confundem.
É verdade que O Fio do Horizonte vive de um contexto altamente codificado (um jornal, públicos direccionados, um leque narrativo diário, etc.), enquanto um post vive de um contexto próprio, na medida em que habita e respira na malha dispersa da rede onde o acesso post mortem é feito por motores de busca e não através do agenciamento em hemerotecas.
Seja como for, este tipo de distanciação ostensiva face à blogosfera significa que a procura expressiva (o “tom”) que é própria da jovem história da blogosfera acaba por ter impactos importantes, quer no seu seio, quer também – e sobretudo - fora dela. Não se trata apenas de uma diferenciação de atributos entre expressões off e on-line. Trata-se, sim, do que Deleuze caracterizou (EPC saberá muito bem do que falo e é por isso – e apenas por isso – que recorro a esta terminologia) como “desterritorialização” entre ambos os campos, i.e.: inevitavelmente andam fundidos um no outro o ‘devir blogosférico dos cronistas’ e o ‘devir cronista da blogosfera’.
Uma coisa é certa: é tão paradoxal e curiosa a posição de Eduardo Prado Coelho quanto é estimulante e desafiadora a questão dos impactos da expressão blogosférica no espaço público (e não apenas no seu próprio universo).
Há pessoas que quase ignoram a blogosfera e que perguntam: “Por que é que (os bloggers) escrevem, porquê?”. Esta inquirição sobre o sentido de uma escrita é muito interessante. É como se se baseasse no horror ao vazio que não é capaz de desvendar uma realidade de tipo instrumental que fundamentasse a existência da blogosfera. É como se não se conseguisse entender a blogosfera fora de uma esquadria transitiva, ou de uma funcionalidade concreta e estrita. É como se uma escrita processada no éter da rede - e onde qualquer um pode escrever - correspondesse a pressupostos pouco claros. A memória não é imune a tais tentações: a revelação islâmica, quer a tradição (hadíth), quer o Alcorão, também se interrogavam acerca do sentido da escrita, sobretudo da poética, minimizando-a de forma extrema (no fundo, ela punha em causa o ‘Sopro de Deus’ e o valor do “Recitado”, i.e., do al-Qurân). As imagens também foram muitas vezes escritas incompreendidas (não só no Islão, mas também em Bizâncio e na famosa ‘beeldenstorm’ ainda hoje visível na catedral de Utreque - Holanda). A interrogação de uma escrita não é, pois, uma coisa nova: ela tece a ideia de uma tentação que caminharia para a – perigosa e lancinante - falta de sentido.
Uma tal desconfiança aparece amiúde espelhada no modo como os (profissionais dos) média clássicos encaram os blogues. Alguns, felizmente, cruzam ambos os territórios. Há muitos e bons exemplos de jornalistas na blogosfera. Outros preferem diminuir a riqueza criativa que percorre a blogosfera, reduzindo-a a esquemas pejorativos que, ou traduzem uma recusa em interrogar as novas questões que ela mesma sugere (deontologia, escrutínio, edição, etc.), ou que pouco têm a ver com a compreensão da rede (reversibilidade, banalidade, efémero, provisoriedade, etc.). Há ainda outros, muito poucos, que fazem da blogosfera uma espécie de ‘monstro intimidador’.
O caso de Eduardo Prado Coelho é, entre estes últimos, tão intrigante quanto revelador. Atento a tudo o que é metatexto, rede, desconstruções e cultura ‘pós-pós’, Eduardo Prado Coelho vem denotando nas suas crónicas uma aberta e ostensiva demarcação face à blogosfera. Entusiasmado desde sempre com um mundo que perdeu fronteiras estanques, Eduardo Prado Coelho decidiu agora, de modo dir-se-ia paradoxal, embora legítimo (está no seu direito!), traçar uma fronteira entre si e uma das matérias mais criativas onde a linguagem contemporânea se está a redescobrir: a blogosfera.
É verdade que a sua crónica diária, O Fio do Horizonte, é tematicamente previsível (há um mesmo horizonte sobre ou do qual EPC fala) e expressivamente contida nos moldes que a encerra (isto é, fecha-se numa natureza bastante orgânica). Por seu lado, a natureza de um ‘post’ contradita o modelo de Eduardo Prado Coelho, na medida em que se apresenta como tematicamente bastante imponderável e expressivamente (ainda) à procura de uma adequação.
É verdade que a mediação vertical de O Fio do Horizonte nada tem a ver com a mediação horizontal de um post: de um lado, está-se almofadadamente em palco dominando de forma quase imperial a plateia imaginária; do outro lado, está-se ao nível do rosto dos interactores - nesse local difuso e indistinto onde a enunciação e a recepção se confundem.
É verdade que O Fio do Horizonte vive de um contexto altamente codificado (um jornal, públicos direccionados, um leque narrativo diário, etc.), enquanto um post vive de um contexto próprio, na medida em que habita e respira na malha dispersa da rede onde o acesso post mortem é feito por motores de busca e não através do agenciamento em hemerotecas.
Seja como for, este tipo de distanciação ostensiva face à blogosfera significa que a procura expressiva (o “tom”) que é própria da jovem história da blogosfera acaba por ter impactos importantes, quer no seu seio, quer também – e sobretudo - fora dela. Não se trata apenas de uma diferenciação de atributos entre expressões off e on-line. Trata-se, sim, do que Deleuze caracterizou (EPC saberá muito bem do que falo e é por isso – e apenas por isso – que recorro a esta terminologia) como “desterritorialização” entre ambos os campos, i.e.: inevitavelmente andam fundidos um no outro o ‘devir blogosférico dos cronistas’ e o ‘devir cronista da blogosfera’.
Uma coisa é certa: é tão paradoxal e curiosa a posição de Eduardo Prado Coelho quanto é estimulante e desafiadora a questão dos impactos da expressão blogosférica no espaço público (e não apenas no seu próprio universo).