Maria Filomena Mónica toca na ferida
A crónica de Maria Filomena Mónica, hoje publicada no Público (clicar Imprensa), é um dos melhores e mais lúcidos textos sobre a questão do aborto que tenho lido nos últimos tempos. Sucinto, claro e irónico q.b., não só aflora a rotunda falta de iniciativa e de coragem que grassa na sociedade portuguesa como trata por tu o pseudo-espaço público nacional, dominado que continua a ser pelos que vêem na questão do aborto um irredutível campo de batalha onde as certezas mais radicalizadas, de um lado e do outro, são sempre unas, indiscutíveis e impositivas. Deixo aqui dois extractos:
"Curiosamente, a lei em vigor é boa, como se prova pelo caso da Espanha, que tendo-a importado, faz hoje abortos legais, o que só não sucede no nosso país pela razão de não vivermos num Estado de direito. Olhem-se as premissas: num Estado de direito, as leis são cumpridas; existe, em Portugal, uma lei que permite à mulher abortar em determinadas circunstâncias; os hospitais recusam-se a cumpri-la. A classe médica portuguesa não só considera o acto de abortar indigno da sua atenção como teme a reacção dos meios conservadores. É verdade que vivemos numa sociedade atrasada, mas não percebo por que não surgiu, entre nós, um grupo capaz de abrir uma clínica, na qual se façam abortos dentro do que a actual lei estipula." (...) "Reconheço que a retórica usada pelo lobby pró-aborto é quase tão imbecil quanto a usada pelo lobby pró-vida. Quando oiço falar certas mulheres, que partilham a minha opção, apetece-me bater-lhes, mas a fauna do outro lado da barricada, os auto-intitulados "pró-vida", irrita-me muito mais. O aborto é uma escolha difícil, dolorosa e complexa. É por isso que abomino a ideia de que o assunto possa ser usado para fins político-partidários. No entanto, devo declarar que estou contente com o facto de José Sócrates ter tomado uma posição diferente da assumida por António Guterres."