terça-feira, 19 de outubro de 2004

Da liberdade - 2

Caro J. P. Coutinho: eu utilizei o conceito de “nominalismo” na acepção da querela dos Universais. Nessa querela, que se prolongou do século XII ao século XIV, a corrente nominalista admitia que apenas as entidades individuais existiam na natureza e, nessa medida, os Universais, ou seja as ideias gerais e abstractas anteriores à experiência humana (de raiz platónica), não se refeririam a nada, sendo considerados como meros nomes (nomina). Esta posição, designada Universalia sunt post res (Universais existem depois das coisas), foi adoptada, entre outros, por Guilherme de Ockham (1285-1349). Há autores que, com certa razão, consideram que o fundo desta polémica continua, ainda de certo modo, viva hoje em dia. A sua abordagem suscitou-me a actualização e a adequação desse ponto de vista. Nessa medida compreendo que haja limites no seu nominalismo, até porque há uma certa ideia (geral e abstracta) de liberdade que pré-existe ao juízo concreto que é exercido em cada acto particular de liberdade. Não direi, portanto, de modo nominalista radical, que não existe liberdade, mas apenas actos de liberdade (como diria o Vinicius a propósito do amor). Seria mais céptico quanto ao universalismo afirmativo com que trata a noção de liberdade, porque penso que ela é filha de um trajecto particularmente ocidental e moderno (Hobbes, Locke, Kant, Rousseau, etc.). Creio que numa cultura como a chinesa não se diz o que nós dizemos, quando dizemos liberdade. Dir-se-á, porventura, o desejo potencial em afirmar e explicitar a expressão, não o nego. Mas não deste modo com que somos falados na proximidade e na compreensão do nosso diálogo que, quer queiramos quer não, tem uma indelével marca que é cultural (podemos chamar-lhe outra coisa).