Special Nothing
Fui ontem ver Special Nothing de João Garcia Miguel, interpretado por Anton Skrzypiciel. É a sexta produção da temporada de dança que tem lugar em Évora, comissariada por Rui Horta (a decorrer entre o Teatro Garcia de Resende e o Palácio de D. Manuel). Tem sido uma série de espectáculos de imensa qualidade e com muito público.
Neste Special Nothing, um actor persegue a paradoxal saga de Andy Warhol (diga-se que o leitmotiv assenta na obra homónima, The philosophy of Andy Warhol, from A to B and Back Again). Sob um fortíssima pressão da estrutura visual, sempre desconjuntada mas omnipresente, o discurso falado - às vezes roçando a paródia do entertainment – sobrepõe-se ao movimento e atravessa uma vasta cartografia: a vacuidade das ideias, os nexos televisivos, os itinerários do nada, as deambulações do sexo, a desnudação do riso e até as fotografias dos próprios espectadores projectadas nos cubos brancos que delimitam o espaço cenográfico.
O poderoso monólogo ajusta-se - na sua a-narratividade - à euforia do corpo, alvo de paródia sempre que a exaltação dos limites é pressentida. Aliás é assim que a peça se inicia, no corte abrupto com o tempo da não ficcionalidade: subitamente as luzes abrem-se e o corpo do actor rola para fora de uma cama, enquanto um grito marca as fronteiras do espectáculo. O público pasma e a alternância de tons (irónico, desconstrutor, manifestatário) inicia o seu jogo.
No final, uma sequência imagética e cromática evoca claramente os artifícios retóricos e nostálgicos da Pop Art e volta a espaçar, ante um crescendo rítmico e musical, o terreno antes entrecortado e fissurado pela saga de Warhol.