Rua anónima
O brilho do sol na grande parede de zinco. Uma imagem rápida, brusca, quase acelerada. Motores ao longe. Por cima, os quatro círculos encantados. E ainda a telha escura a rodopiar o vestígio recente do brilho da chuva.
A luz inclinada a definir o volume do prédio, as varandas fechadas e o inacessível terraço. Por baixo, o telhado perdido entre musgos e a sombra muito lenta do gato. Dois olhos noctívagos a avançarem entre os quatro círculos metálicos que desenham a marca do stand. As montras de vidro espesso e o reflexo da multidão.
A parede de zinco como cenário para uma trama de Méliès, o telhado rasteiro como calhe para um travelling de Wenders. Os círculos da Audi como marketing olímpico a desafiar outros deuses. No cume do paraíso, ao centro, o gato é o imperador da cena. Na montra, de alto a baixo, o folclore das compras de natal.
É assim a rua mais anónima de Lisboa.