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Crónica dos professores degolados
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As palavras de ordem são assim: vêm, multiplicam-se e impõem-se a quem as reproduz como sintoma de uma infinita liberdade tão ilusória quanto alarve. Uma espécie de invenção da força da gravidade a sós que leva meio mundo a soletrar “É assim…”, “nesta matéria…”, “alegadamente…”, etc. Nos últimos meses, sempre que a ideia é confirmar qualquer coisa, a frase passou a terminar com “Certo?”.
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Um “Certo?” que corta e remata a sequência anterior.
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No fundo, trata-se de uma interrogação breve que não espera qualquer resposta. Do mesmo modo que um slogan também não espera resposta. Como um dia o meu colega António Fidalgo escreveu, a um slogan responde-se apenas com um outro slogan. Do mesmo modo que a um “Certo?” apenas se responde como um outro “Certo?”.
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Certo?
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É por isso que o “Certo?” se reproduz à moda dos coelhinhos na pradaria da solidão expressiva. E não pára de se fazer ouvir como se o orgulho próprio se resumisse à capacidade de repetir “Certo?”. Mas um “Certo?” dito e reiterado de modo apropriado, sociável e particularmente correcto. Às vezes, chego a perguntar: por que não alterna o indígena o “Certo?” com o “Acerto?”? A alternância sempre dava mais ritmo e samba à doce melopeia.
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Mas a voragem não passa apenas pelo paso doble das palavras. Longe disso. O país assistiu recentemente, sem qualquer admiração, ao frenético ‘vídeo do telemóvel’ do Liceu Carolina Michaelis. Uma repetição que culminou com a fotografia da professora (agredida) na primeira página do Público. Qualquer coisa a meio caminho entre a revolução cultural chinesa de Mao, a especiaria exótica das Índias, ou a exposição (religiosa) da vítima sem possibilidade de redenção.
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Depois do sucesso de audiências do vídeo, a palavra de ordem fez história. E continua a fazer. Tal como acontece com os blogues há já dois anos, o YouTube inundou, subitamente e em jeito de avalanche, o caudal dos media com imagens e mais imagens de “porrada” nas salas de aulas. Como se Portugal se tivesse transformado numa cascata de múltiplos ecrãs, desenterrados do fundo dos mares, onde os peixes se comem uns aos outros com dentes aguçados e finos. Espadas, escamas e sangue. Algas, professores degolados e um som arrastado à moda dos escafandros que não mais voltarão à superfície.
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“É assim:” (…) “Nesta matéria”, nunca digas “desta fonte não beberei!” “Jamais” (aliás, “jamés”). “Certo?”
As palavras de ordem são assim: vêm, multiplicam-se e impõem-se a quem as reproduz como sintoma de uma infinita liberdade tão ilusória quanto alarve. Uma espécie de invenção da força da gravidade a sós que leva meio mundo a soletrar “É assim…”, “nesta matéria…”, “alegadamente…”, etc. Nos últimos meses, sempre que a ideia é confirmar qualquer coisa, a frase passou a terminar com “Certo?”.
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Um “Certo?” que corta e remata a sequência anterior.
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No fundo, trata-se de uma interrogação breve que não espera qualquer resposta. Do mesmo modo que um slogan também não espera resposta. Como um dia o meu colega António Fidalgo escreveu, a um slogan responde-se apenas com um outro slogan. Do mesmo modo que a um “Certo?” apenas se responde como um outro “Certo?”.
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Certo?
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É por isso que o “Certo?” se reproduz à moda dos coelhinhos na pradaria da solidão expressiva. E não pára de se fazer ouvir como se o orgulho próprio se resumisse à capacidade de repetir “Certo?”. Mas um “Certo?” dito e reiterado de modo apropriado, sociável e particularmente correcto. Às vezes, chego a perguntar: por que não alterna o indígena o “Certo?” com o “Acerto?”? A alternância sempre dava mais ritmo e samba à doce melopeia.
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Mas a voragem não passa apenas pelo paso doble das palavras. Longe disso. O país assistiu recentemente, sem qualquer admiração, ao frenético ‘vídeo do telemóvel’ do Liceu Carolina Michaelis. Uma repetição que culminou com a fotografia da professora (agredida) na primeira página do Público. Qualquer coisa a meio caminho entre a revolução cultural chinesa de Mao, a especiaria exótica das Índias, ou a exposição (religiosa) da vítima sem possibilidade de redenção.
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Depois do sucesso de audiências do vídeo, a palavra de ordem fez história. E continua a fazer. Tal como acontece com os blogues há já dois anos, o YouTube inundou, subitamente e em jeito de avalanche, o caudal dos media com imagens e mais imagens de “porrada” nas salas de aulas. Como se Portugal se tivesse transformado numa cascata de múltiplos ecrãs, desenterrados do fundo dos mares, onde os peixes se comem uns aos outros com dentes aguçados e finos. Espadas, escamas e sangue. Algas, professores degolados e um som arrastado à moda dos escafandros que não mais voltarão à superfície.
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“É assim:” (…) “Nesta matéria”, nunca digas “desta fonte não beberei!” “Jamais” (aliás, “jamés”). “Certo?”
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