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(crónica publicada, desde quinta-feira passada, no Expresso Online)
(ver também no meu blogue de crónicas)
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(ver também no meu blogue de crónicas)
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Uma apologia de Miguel Esteves Cardoso
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Houve um tempo português em que a crónica quis libertar a sina do sinal. Por outras palavras: retirar o telhado pesadão a uma escrita que exagerava em verosimilhança e em pessoana seriedade. Foi nos anos oitenta, vivia eu na Holanda e era assinante do Expresso.
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Miguel Esteves Cardoso foi o papa angélico da feliz cenografia que acabou por ter imensa influência na geração que se seguiu ao demiúrgico Turn. Década e meia depois, a blogosfera lusitana herdaria parte da emboscada expressiva em muitos dos seus melhores cultores. Este é um campo ainda virgem, por estudar, por auscultar. Por desbravar.
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Nessa lenta peregrinação, que ajudou a desmontar o binário a diesel da ideologia (isto é: da escrita baseada na prova, na farpa previsível ou no bate-bate pimba dos receituários), a crónica ganhou novos sabores e saberes. Ao fim e ao cabo, entre a imagem escrita e o que ela sugeriria, deixou de haver um casamento perfeito e monolítico. As palavras passaram subitamente a reinventar-se ao jeito de um jogo de damas sem fim. Um cachalote a escalar a montanha ou Luís Filipe Menezes a falar sobre Sísifo seriam assim – e não serão? – coisas parecidas. E não tanto pelo facto de os habitantes de Creta serem cretinos ou os de Malta serem apenas malteses.
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Diga o que disser Kundera, a leveza sempre foi matéria cinematográfica. Imagens fortes, pois então. E já o era séculos antes de haver cinema, sob a forma de sombra e luz projectadas num quarto escuro em tudo parecido às circunvalações neurais. No fundo, é este tipo de leveza que permite a uma boa escrita não depender apenas do que diz (ou do que refere). A crónica é sempre uma síntese, um simples electrão, ou melhor: a própria electricidade mais estética do que estática. E é por isso mesmo uma bênção e um hiato que se recolhe na boca que a lê e digere – à moda das pastilhas elásticas – com humor e leveza (se possível).
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Nunca conheci pessoalmente Miguel Esteves Cardoso, embora na minha pré-história universitária ele tenha frequentado a mesma escola de jesuítas que eu frequentei. E na mesma época, segredam-me os botões de punho. Na altura em que o MEC passa uma fase difícil, queria aqui relembrar a Causa destas Coisas todas. Ainda que por vezes o personagem me tenha entaliscasdo o juízo (e me cheirasse a redundância), nada ofusca os deleites que vivi na Palmstraat Nº 90, quando, pelo correio, me chegava o Expresso fresquinho entre discursos do Gorbatchov, romances de Sollers e o saudoso cata-vento televisivo chamado VPRO. Foi aí que percebi que algo estava a mudar na arte lusa da crónica. E percebi bem.
Houve um tempo português em que a crónica quis libertar a sina do sinal. Por outras palavras: retirar o telhado pesadão a uma escrita que exagerava em verosimilhança e em pessoana seriedade. Foi nos anos oitenta, vivia eu na Holanda e era assinante do Expresso.
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Miguel Esteves Cardoso foi o papa angélico da feliz cenografia que acabou por ter imensa influência na geração que se seguiu ao demiúrgico Turn. Década e meia depois, a blogosfera lusitana herdaria parte da emboscada expressiva em muitos dos seus melhores cultores. Este é um campo ainda virgem, por estudar, por auscultar. Por desbravar.
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Nessa lenta peregrinação, que ajudou a desmontar o binário a diesel da ideologia (isto é: da escrita baseada na prova, na farpa previsível ou no bate-bate pimba dos receituários), a crónica ganhou novos sabores e saberes. Ao fim e ao cabo, entre a imagem escrita e o que ela sugeriria, deixou de haver um casamento perfeito e monolítico. As palavras passaram subitamente a reinventar-se ao jeito de um jogo de damas sem fim. Um cachalote a escalar a montanha ou Luís Filipe Menezes a falar sobre Sísifo seriam assim – e não serão? – coisas parecidas. E não tanto pelo facto de os habitantes de Creta serem cretinos ou os de Malta serem apenas malteses.
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Diga o que disser Kundera, a leveza sempre foi matéria cinematográfica. Imagens fortes, pois então. E já o era séculos antes de haver cinema, sob a forma de sombra e luz projectadas num quarto escuro em tudo parecido às circunvalações neurais. No fundo, é este tipo de leveza que permite a uma boa escrita não depender apenas do que diz (ou do que refere). A crónica é sempre uma síntese, um simples electrão, ou melhor: a própria electricidade mais estética do que estática. E é por isso mesmo uma bênção e um hiato que se recolhe na boca que a lê e digere – à moda das pastilhas elásticas – com humor e leveza (se possível).
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Nunca conheci pessoalmente Miguel Esteves Cardoso, embora na minha pré-história universitária ele tenha frequentado a mesma escola de jesuítas que eu frequentei. E na mesma época, segredam-me os botões de punho. Na altura em que o MEC passa uma fase difícil, queria aqui relembrar a Causa destas Coisas todas. Ainda que por vezes o personagem me tenha entaliscasdo o juízo (e me cheirasse a redundância), nada ofusca os deleites que vivi na Palmstraat Nº 90, quando, pelo correio, me chegava o Expresso fresquinho entre discursos do Gorbatchov, romances de Sollers e o saudoso cata-vento televisivo chamado VPRO. Foi aí que percebi que algo estava a mudar na arte lusa da crónica. E percebi bem.