domingo, 20 de janeiro de 2008

Episódios e Meteoros - 66

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O encapuzado Mário Lino
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Portugal é um país extraordinário. Pleno de prodígios e de uma solaridade rara. Sinceramente, nem chego a perceber a razão que terá levado o governo a pagar campanhas publicitárias tão caras, quando a nossa matéria-prima fala por si e é única no seu pedigree histórico e presente. Qual Ronaldo, Mourinho ou Marisa! Repare-se na genialidade com que uma simples jogada de damas, entre o referendo europeu que nunca foi e um aeroporto ainda por vir, tornou os espectros mais negros do ano novo num auspicioso milagre.
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Todos sabemos que seria obra referendar a lista telefónica de Lisboa com a agravante de, a cada página, ela remeter para a lista telefónica de Madrid, de Atenas, de Berlim, de Bruxelas ou de Varsóvia. Dizer "sim" ou "não" a uma cidade de papel de tal dimensão seria, de facto, tão divertido como ser palhaço ou acrobata no Cirque du Soleil. É claro que a liturgia política tem apetites que não são menos cómicos: de um lado, o eterno core das promessas (como se a acção e o verbo, em política, tivessem inevitável concordância); do outro lado, as virgens da imaculada correcção que acham que tudo deve sempre bater certo-certinho (ou seja: se o senhor prior prometeu, na campanha eleitoral, que ia comer a ermida, agora vai ter mesmo que o fazer… sem poupar os alicerces).
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A liturgia e a demagogia, como boas irmãs siamesas, prometiam-nos, deste modo, diversão sem fim. O Janeiro português prometia e muito. Mas eis senão quando… O gongue bate e soa, de repente, em todo o hemisfério lusitano, a palavra “Alcochete”. Lá se foi, de uma só penada, o referendo, o Cirque du Soleil, o Bel Canto do Bloco e a retórica das promessas jamais cumpridas.
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Na mais reveladora conferência de imprensa do século XXI, Mário Lino apareceu ao lado de Sócrates com a cauda enroladinha aos quatro cantos da mesa. Parecia um marciano convertido aos dotes terrenos. Melhor ainda: Henrique Neto descobriria, nesse mesmo dia, em debate na SIC-Notícias, que o ministro era afinal um destemido oponente da Ota. A sua trágica "inabilidade" em defender a Ota, sobretudo na Primavera de 2007 (quando criou a famosa metáfora do "deserto"), seria a irrefutável prova disso mesmo.
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Que mais se poderá dizer deste inspiradíssimo mês de Janeiro?
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Bem podiam, de facto, retirar Ronaldo, Mourinho e Marisa dos cartazes que publicitam Portugal e substituí-los por um único prodígio: Mário Lino. Henrique Neto tinha e tem, pois, toda a razão: Mário Lino é afinal o mitológico rei encoberto e encapuzado que, ao lado dos flamingos cor-de-rosa, acaba de regressar à pátria de Alcochete numa manhã de nevoeiro. Tal como os monstros medievais que, depois de inspirarem o terror e o temor divinos, sempre acabavam por nos iluminar com o doce caminho da salvação.