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Jorge Reis-Sá, O Dom - Divertimento, Editorial Magnólia, Vila Nova de Famalicão, 2007 (Outubro).
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Pré-publicação:
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"Como se a chuva viesse com as nuvens baixas. Como naqueles dias de Inverno em que as nuvens são escuras, pretas, quase que não se imagina o sol por detrás do frio. Como se a chuva viesse nesses dias com o vento que as faz voar como pássaros pelo céu, e nós aqui, agasalhados até aos ossos, os guarda-chuva não funcionam, dobram, partem, e nada se pode fazer senão deixar que o Inverno passe, pensar que sim, que o Inverno ainda há-de passar e que essas nuvens baixas e ventosas são passageiras.
Mas foi assim, como se a chuva viesse. Foi com esse frio que algo se passou e ainda agora, algum tempo depois, eu não sei o quê. Vi, só. Nada mais. Estava no centro comercial e vi pelos vidros enormes que dão para o adro e para a avenida e logo me apeteceu descer as escadas rolantes em desespero e ir ajudar, ver o que se teria passado, mas o que se está a passar, pensava, o que é isto, as pessoas, as pessoas, este vento de sul que parece vindo do mar, a oeste, um vento que trará a chuva, para já só salpicos, quase toda a gente sem guarda-chuva na avenida que desce até ao rio.
Foi assim: as pessoas a caírem. E eu estava à espera que as horas passassem, tão-só. Eu estava encostado ao vidro, no centro comercial entre as minhas coisas, entre os meus desejos mais íntimos, entre as minhas loucuras diárias e a minha vida.
"Como se a chuva viesse com as nuvens baixas. Como naqueles dias de Inverno em que as nuvens são escuras, pretas, quase que não se imagina o sol por detrás do frio. Como se a chuva viesse nesses dias com o vento que as faz voar como pássaros pelo céu, e nós aqui, agasalhados até aos ossos, os guarda-chuva não funcionam, dobram, partem, e nada se pode fazer senão deixar que o Inverno passe, pensar que sim, que o Inverno ainda há-de passar e que essas nuvens baixas e ventosas são passageiras.
Mas foi assim, como se a chuva viesse. Foi com esse frio que algo se passou e ainda agora, algum tempo depois, eu não sei o quê. Vi, só. Nada mais. Estava no centro comercial e vi pelos vidros enormes que dão para o adro e para a avenida e logo me apeteceu descer as escadas rolantes em desespero e ir ajudar, ver o que se teria passado, mas o que se está a passar, pensava, o que é isto, as pessoas, as pessoas, este vento de sul que parece vindo do mar, a oeste, um vento que trará a chuva, para já só salpicos, quase toda a gente sem guarda-chuva na avenida que desce até ao rio.
Foi assim: as pessoas a caírem. E eu estava à espera que as horas passassem, tão-só. Eu estava encostado ao vidro, no centro comercial entre as minhas coisas, entre os meus desejos mais íntimos, entre as minhas loucuras diárias e a minha vida.
Porque foi assim: as pessoas a caírem. A primeira que vi tinha decerto a minha idade, alguns anos dentro da casa dos trinta e levava pela mão uma criança. Vestia um sobretudo castanho, as nuvens assim o impunham e a miúda, essa criança, trazia um guarda-chuva verde, pequenino, na mão direita. Brincava com ele, dirigiam-se para o centro comercial. Se tudo acontecesse como devia, se por debaixo dessas nuvens não tivesse vindo o que veio, iriam certamente passar por mim junto a este vidro e eu, como homem, ver a senhora da minha idade que trazia a criança pela mão, tirar-lhe então as medidas. Filha? Que me interessa isso, nunca interessou. Iria observar paulatinamente, em câmara lenta, quase, a sua passagem, medir-lhe as curvas e imaginá-la como veio ao mundo."
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