sábado, 8 de setembro de 2007

Uma história encantada

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Uma amiga minha entra na Biblioteca de Oeiras. É fim de verão. Tempo para leituras ao modo dos teares por completar. E diz-me ela, alertando-me para uma "história curiosa": "Tenho passado o dia a ler e a escrever com calma. E como te disse as minhas leituras têm sido as tuas páginas". Até aqui tudo bem, Vanessa, e só espero que não te caia em cima um meteorito ou uma dessas setas envenenadas que são próprias dos deuses mais desastrados. A minha amiga resistiu e lá conseguiu continuar a ler-me (há vários romances meus por lá: é assim a generosidade do serviço público). A certa altura, está a Vanessa à luta com o meu Máscaras de Amesterdão, e eis que a grande surpresa invade a via láctea. Diz ela: "imagine-se que eu estava apenas a abrir as páginas ao acaso para saborear frases soltas. Não era para perceber o sentido, queria apenas sentir o som. Por vezes, faço isso com poesia e também o tento fazer lendo outro tipo de literatura" (...) "E ao abrir, comecei pela página de face, quase vazia, com inscrições de datas e pontuações da biblioteca com referências. Então os olhos caíram sobre a tinta azul que dizia: "Para o Eduardo Prado Coelho com um abraço do... assinatura ilegível".
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Nessa altura, a Vanessa precisou de confirmar a assinatura com a do seu próprio exemplar de E Deus Pegou-me pela Cintura para ter todas as certezas acerca do móbil do crime. Salvo seja. Mas era mesmo verdade, verdadinha: "Eu tinha nas mãos um livro que autografaste ao Eduardo Prado Coelho em 22/10/02. Em cima da secretária repousava um outro que me tinhas autografado em 06/03/2007. Após o pasmo inicial, calculei que aquele momento fosse muito bonito e representativo da forma mágica como as vidas se cruzam no ocaso do acaso. E as datas, que já foram dias específicos, com acontecimentos concretos, com pessoas dentro de pessoas, de repente foram mais do que números" (...) " Fiquei imaginando o hiato entre os dois tempos com a mesma assinatura, a quantidade de vida, de histórias, de pessoas, de paisagens sonoras, que cabiam ali dentro" (...) "e era verdadeiramente impressionante".
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"É assim", minha amiga - que me autorizaste a tornar pública esta ópera silenciosa: do outro lado das empatias, dos reconhecimentos e dos panegíricos sinceros, ou não, os vulcões também se abatem. Há muitos anos, já tinha comprado romances meus por vinte escudos no Terreiro do Paço. O que eu não sabia é que um romance com dedicatória e tudo pudesse, em menos de cinco anos, ser extraviado para os corredores de uma biblioteca pública. Achei este enredo delicioso, confesso. É terno e dispõe os acasos diante de nós como se fossem um self-service sem fim. Às vezes, a literatura não muda mesmo as nossas vidas. Não é?