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Escreve Abel Barros Baptista, num estimulante texto hoje publicado no blogue de Carla Quevedo: "(...) só podemos dizer que mudaram a nossa vida os livros que nós próprios escrevemos, e só podemos dizer que não mudaram a nossa vida os livros que não escrevemos". Não iria tão longe, pois há muitos livros que escrevi no último quarto de século que em nada mudaram a minha vida: nela desaguaram, confundiram-se nela e depois aluíram no anonimato e nos sortilégios inexplicáveis do esquecimento. Hoje pertencerão a outro céu, a outras montanhas e a um outro rio. Por outro lado, os livros que ainda não escrevi - e estou neste Setembro a braços com dois projectos de livro a vir - mudam-me amiúde o curso real da vida, na medida em que pressionam limites, evitam horizontes definidos e alteram percursos que seriam (intimamente) óbvios. Estou a respirar, neste momento, dia a dia, o encanto de tal vertigem.
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Já agora, lembro-me do impacto que teve em mim o Grande Sertão: Veredas (que li, de ponta a ponta, apenas em 1983). O livro continua aqui, neste escritório, mesmo em frente, na estante principal. Sei que jamais o poderia ter incluído na minha lista, mas, por outro lado, devo confessar que acabou por diluir-se na minha memória activa. Aquela permanente metáfora da "travessia" acabou por criar outros precursores que, de longe, a foram iluminando e legitimando. E é por isso que o Grande Sertão:Veredas deixou, para mim, de ser matriz: por trás, envolvendo esse pasmo mais imediato, foram aparecendo e sobretudo reaparecendo textos de deriva, redenção e expiação que o superaram: textos sibilinos medievais (que o mundo académico me obrigou a ler durante anos), releituras do Quijote ou de Diderot e, nos últimos anos, toda a recolocação em evidência de uma literatura baseada em media res.