segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Cerveja e literatura - 16

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Uma primorosa descrição de Rodrigues Miguéis a evocar a cerveja Gueuze. Quando se bebe uma Gueuze pela primeira vez, há um halo de champagne que se espalha pelo corpo. Pelo corpo todo. Talvez seja por isso que, na Holanda e na Flandres, ela leve quase sempre meia roda de limão na parte de cima do copo. No texto de Miguéis, a Gueuze é equiparada a um “deus insaciável” que joga às cartas com a “retícula vermelha” da sua simpática personagem, a Madame Lambertin:
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“Madame Lambertin era flamenga à vista desarmada, e de maneiras bastante livres, mas com certa tinta bondosa. Devia passar bem dos trinta. Quando sorria, o sorriso enchia-lhe a cara toda. Tinha os olhos verdes e bastante vivos. Da janela do meu quarto passei a vê-la atravessar todos os dias a rua, a caminho da brasserie da esquina, em frente, onde ia aplacar um deus insaciável. Voltava com uma cabazada de garrafas de Gueuze. Chegava a beber (soube-o depois) às dezoito e vinte por dia. Era decerto o que lhe estragava a frescura, ainda apreciável através da retícula vermelha que já lhe bordava as faces.”
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(José Rodrigues Miguéis, Léah e Outras Histórias, Editorial Estampa, Lisboa, 1960)