segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Cerveja e literatura - 11

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Discutir a posição do ganso ou do macaco à luz do Kama Sutra é uma coisa. Pode dar para rir ou para chorar. Mas com canecas de cerveja e um hálito levemente amargo pelo meio, os efeitos, a abordagem, os gestos e as poeiras que se intrometem no olhar ganham outra claridade. E evidência. Não sei se essa evidência é apenas uma forma de humor, ou de descuido sage, mas, é de certeza, uma forma de segredar o que navega entre o pasmo, o brilho insperado e o porto de abrigo folgazão da tanquilidade. Às vezes, pode dar para o torto. É certo. Mas as palavras continuarão a saber a mar, a corpo, a pedra, a terra ou a nuvem. A substâncias da carne. Rudes, mas plenas:
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“Pond voltou do balcão com três canecas de cerveja.
- É engraçado – disse Adam. – Estás a coxear.
- O que é que isso tem de engraçado?
- Bem, é que eu também estou.
- Talvez seja andaço – observou Camel.
- Não sei porquê, mas não creio que os nossos sintomas tenham a mesma causa – disse Pond.
- Eu nem sequer sei qual é a causa dos meus. Só sei que acordei esta manhã com uma dor na perna.
- E tu, por que é que estás a coxear? – perguntou Camel.
- Pond fez uma careta.
- Aquele raio do Kama Sutra – disse ele, no tom de um homem a vangloriar-se pelo seu mal hereditário."
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(David Lodge, O Museu Britânico Ainda Vem Abaixo, tradução: Rita Pires e Ana Maria Chaves; Edições Asa, 2002, pp. 86/87)