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Uma proposta irrecusável
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(crónica publicada desde hoje no Expresso Online)
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Há uma década, o Carlos Pinto Coelho convidou-me a ir ao Acontece para fazer uma “proposta”. No então programa do Canal 2 da RTP, a rubrica pretendia dar voz a algo de singular, interessante ou até inadvertido. Várias foram as pessoas que, na altura, aproveitaram o palco para propor leituras de Joseph Conrad e Wislawa Szymborska, audições de Lionel Cecil e Leo Slezak, ou visitas ao Guggenheim que abrira as suas portas, em Bilbao, a 19 Outubro de 1997. Outros ainda, porventura menos eruditos, terão sugerido viagens a Taiwan ou à indiana Noida.
Há uma década, o Carlos Pinto Coelho convidou-me a ir ao Acontece para fazer uma “proposta”. No então programa do Canal 2 da RTP, a rubrica pretendia dar voz a algo de singular, interessante ou até inadvertido. Várias foram as pessoas que, na altura, aproveitaram o palco para propor leituras de Joseph Conrad e Wislawa Szymborska, audições de Lionel Cecil e Leo Slezak, ou visitas ao Guggenheim que abrira as suas portas, em Bilbao, a 19 Outubro de 1997. Outros ainda, porventura menos eruditos, terão sugerido viagens a Taiwan ou à indiana Noida.
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Mas eu, indeciso e sem aquele beau dire e beau faire que é natural em Vasco Graça Moura, aproveitei os meus sessenta segundos para propor aos tele-espectadores que faltassem ao trabalho durante um dia. Apenas isso: preguiçar, dar uma volta, ficar em casa, experimentar um banco do jardim, auscultar coretos e vultos, espreitar montras, decotes, olhares, nuvens altas, quiosques ou cafés imobilizados pelo tempo. Apenas isso: reinventar em 24 horas aquilo que jamais se faria num dia normal de trabalho. Fosse qual fosse o trabalho.
Mas eu, indeciso e sem aquele beau dire e beau faire que é natural em Vasco Graça Moura, aproveitei os meus sessenta segundos para propor aos tele-espectadores que faltassem ao trabalho durante um dia. Apenas isso: preguiçar, dar uma volta, ficar em casa, experimentar um banco do jardim, auscultar coretos e vultos, espreitar montras, decotes, olhares, nuvens altas, quiosques ou cafés imobilizados pelo tempo. Apenas isso: reinventar em 24 horas aquilo que jamais se faria num dia normal de trabalho. Fosse qual fosse o trabalho.
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Parece que nos corredores de S.Bento a coisa foi motivo de chiste. Aliás – soube-o mais tarde através da equipa do Acontece –, Guterres achou graça ao figurão e até mandou um assessor dizer que aquilo não era coisa a repetir. Humor governamental, claro. Na altura, ainda em poderosíssimo estado de graça.
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A verdade é que a minha ideia nada teve que ver com a Intersindical, nem com o processo de doutoramento – porventura ainda em gestação – de Carvalho da Silva. Não, a ideia era bem mais heterodoxa e, para os lados da Infante Santo, Fernando Namora tê-la-ia compreendido com toda a fidelidade se ainda fosse vivo nos idos de noventa. É que o seu romance, Rio Triste, publicado em 1982, espelhava a mesma proposta que, quinze anos mais tarde, me viria a passar pela cabeça.
A verdade é que a minha ideia nada teve que ver com a Intersindical, nem com o processo de doutoramento – porventura ainda em gestação – de Carvalho da Silva. Não, a ideia era bem mais heterodoxa e, para os lados da Infante Santo, Fernando Namora tê-la-ia compreendido com toda a fidelidade se ainda fosse vivo nos idos de noventa. É que o seu romance, Rio Triste, publicado em 1982, espelhava a mesma proposta que, quinze anos mais tarde, me viria a passar pela cabeça.
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O livro narra a história de um homem normalíssimo que, num belo dia, não regressa a casa como sempre ao fim da tarde. Esgotada toda a trama de cariz policial, é no desfecho que a verosimilhança acaba subitamente por ocupar a expectativa do leitor. Ao fim e ao cabo, como se me tivesse visto e ouvido no Acontece, o homem decidira, ao contrário da sua rotina de anos e anos, faltar um dia ao emprego. Sem razão nenhuma, a não ser a de uma sadia contingência de natureza impulsiva e espontânea. Um acidente no Tejo, que aconteceu nesse dia como podia ter acontecido noutro dia qualquer, fez o resto: a morte do artista.
O livro narra a história de um homem normalíssimo que, num belo dia, não regressa a casa como sempre ao fim da tarde. Esgotada toda a trama de cariz policial, é no desfecho que a verosimilhança acaba subitamente por ocupar a expectativa do leitor. Ao fim e ao cabo, como se me tivesse visto e ouvido no Acontece, o homem decidira, ao contrário da sua rotina de anos e anos, faltar um dia ao emprego. Sem razão nenhuma, a não ser a de uma sadia contingência de natureza impulsiva e espontânea. Um acidente no Tejo, que aconteceu nesse dia como podia ter acontecido noutro dia qualquer, fez o resto: a morte do artista.
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Eis como um simples proposta, aparentemente “irrecusável” (ao jeito de Coppola), encontrou os seus públicos-alvo no passado. Melhor: na ficção. Só gostava de saber se houve alguém, na realidade, que também tenha seguido as pisadas dessa minha proposta televisiva e perversa.
Eis como um simples proposta, aparentemente “irrecusável” (ao jeito de Coppola), encontrou os seus públicos-alvo no passado. Melhor: na ficção. Só gostava de saber se houve alguém, na realidade, que também tenha seguido as pisadas dessa minha proposta televisiva e perversa.