sexta-feira, 1 de junho de 2007

Pré-publicações - 32

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Edith Wharton, Em Marrocos, Publicações Europa-América, Mem Martins, 2007.
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Pré-publicação:
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"Com tais oportunidades à minha frente, era impossível, nessa radiosa manhã de Setembro de 1917, não partir logo para Tânger, impossível não fazer justiça à cidade de um azul pálido alcandorada entre muros castanhos contra os densos jardins da «Montanha», à animação do mercado e às belezas secretas das suas íngremes ruas árabes. Tânger está apinhada de gente em trajes europeus, há letreiros ingleses, franceses e espanhóis por cima das suas lojas e táxis nas suas praças; pertence, tanto como a Argélia, ao familiar mundo de viagens — e aí, para além da última prega da «Montanha», fica um mundo de mistério, onde irrompe a aurora rosada. O automóvel está à porta e lá vamos nós.
Depois de deixar a estrada de macadame que sai de Tânger para sul, parece que embarcamos num oceano petrificado num barco que não está à altura da aventura. Assim, aos saltos entre lombas e rodados, a descer margens e a entrar em rios, a subir precipícios e a entrar em poços de areia, ganha-se fé no transporte usado e na coluna vertebral; mas ambos devem estar sãos em todas as articulações, para resistirem ao esforço dos longos quilómetros até Arbaoua, o posto fronteiriço do protectorado francês.
Felizmente, há mais em que pensar. Na primeira curva à saída de Tânger, a Europa e os europeus desaparecem, e assim que o automóvel começa a subir e descer os montes áridos além dos últimos jardins, tem-se a certeza de que cada figura na estrada será pitoresca e não prosaica, cada traje gracioso e não grotesco. Do mesmo modo, sabe-se que não haverá mais camionetas, nem eléctricos, nem veículos motorizados, apenas longas filas de camelos que se erguem em frisos castanhos contra o céu, burricos pretos a trotar pela vegetação debaixo de selas carregadas, e nobres figuras embrulhadas andando ao lado deles ou majestosamente empoleiradas nas suas bossas. E durante quilómetros e quilómetros não haverá mais cidades — somente, salpicando algumas encostas nuas, círculos de palhotas com telhados de junco numa paliçada de cactos azuis, ou uma ou duas centenas de tendas nómadas feitas de pêlo de camelo preto, abrigadas em paredes de espinhos de barbela e agrupadas em redor de um terebinto e um poço.
Entre estas colónias nómadas fica o bled, a imensidão de terra inculta e deserto de palmito; uma terra tão destituída de vida quanto o céu está vazio de nuvens. O cenário é sempre o mesmo; mas, para quem tem o amor dos grandes espaços vazios e do jogo de luz nas extensões de terra e rocha ressequida, a uniformidade faz parte do encanto. Num tal cenário, cada ponto de referência ganha um valor extremo. Observa-se, durante quilómetros, a pequena cúpula branca da campa de um santo a erguer-se e a desaparecer com as ondulações da pista; por fim chega-se lá, e a campa solitária, sozinha com a sua figueira e o seu poço de parapeito partido, dá significado à imensidão. A mesma importância, mas intensificada, assinala a aparição de cada figura humana. Os dois cavaleiros vestidos de branco que passaram em fila indiana na encosta vermelha até ao círculo de tendas no espinhaço têm uma importância misteriosa e inexplicável: segue-se o seu avanço com olhos que doem de conjecturas. Ainda mais empolgante é o encontro da primeira mulher velada que lidera uma pequena cavalgada vinda do sul. Todo o mistério que nos espera espreita pelos buracos para os olhos nas roupas tumulares que a abafam. De onde vieram, para onde vão, todos estes lentos viajantes vindos do desconhecido? Talvez apenas de um douar coberto de colmo para outro; mas desenrolam-se atrás deles distâncias intermináveis, e cheiram a Tombuctu e ao deserto longínquo. As figuras que devem abundar nas cidades saarianas, no Sudão e no Senegal. Não há elos quebrados; estes viandantes olharam a edificação de cidades que eram pó quando os Romanos empurraram os seus postos avançados através do Atlas."
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