Iñaki Abad, Despedidas fatais, Sextante Editora, Lisboa, 2007 (Junho - traduzido do castelhano por Marcelo Correia Ribeiro).
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Pré-publicação:
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"Arrastando o saco de viagem como se disso dependesse a sua vida, Isabel Varela puxava por ele mas de nada lhe valiam as rodas, atolavam-se no empedrado do passeio que rodeava a imponente fachada da estação central da Piazza Garibaldi, e retirá-las de lá exigia um ulterior esforço do braço, um golpe seco, esgotante. Havia algo de desesperado naquele movimento aos tropeções, mas o que mais surpreendia era a firmeza e a determinação com que a mulher avançava no meio da gente, a cabeça erguida, a cara descoberta e o cabelo castanho solto, o impermeável comprido, azul-marinho, ajustado na cintura e os passos desenvoltos. Passou diante duma farmácia onde piscava uma cruz verde e luminosa, e dirigiu-se para a entrada principal, onde se concentrava um formigar incessante de pessoas. Umas saíam apressadas para as paragens dos autocarros ou para a bicha duma praça de táxis vazia, enquanto outras, pelo contrário, se precipitavam para o átrio da estação.
– Táxi, táxi – murmurou alguém como uma cobra junto do pescoço de Isabel Varela. – Táxi, signorina, táxi…
Continuou a andar sem prestar atenção ao tipo que lhe oferecera os serviços de um táxi ilegal e que, com mais uma dezena de outros, revoluteava à roda de algum turista ou de um incauto, dispostos a transportá-los num veículo sem licença nem taxímetro e a enganá-los no preço da corrida ou, no pior dos casos, a roubá-los em qualquer descampado da periferia.
– … táxi, signorina, táxi – as palavras eram moscas pegajosas – táxi barato, táxi para a cidade ou para fora, táxi…
Vagueavam também pela zona várias albanesas de rostos citrinos e olhar ávido, com crianças enfaixadas nos seus colos, prontas para roubar habilmente qualquer objecto de valor. Isabel aferrou-se ainda com mais força ao cabo do saco, não para defender as bagatelas da mulher que tinha começado a deixar, a identidade de um passado que se reduzia a uns poucos vestidos, camisolas, roupa interior, um necessaire, cremes, alguns livros lidos e inúteis, sapatos e uma agenda, mas apenas por essa estranha fidelidade aos féretros, que era precisamente como ela sentia, padecia e arrastava aquele saco. Vigiamos os féretros mesmo se só contêm matéria morta, velamo-los, acompanhamo-los e empurramos, carregamo-los, levamo-los de um lado para o outro, choramo-los. Abraçamo-nos desesperadamente a eles e depois damos-lhes sepultura sob a terra, ou encerramo-los em nichos ou os incineramos. Já nada contém de vital, só matéria morta, repetiu para si mesma; e, todavia, defendemo-los com unhas e dentes, com lágrimas e recordações. O saco era o féretro da vida que Isabel Varela estava a deixar para trás, sim, porque ao fim e ao cabo, a vida é um féretro que trazemos às costas e que vamos enchendo a cada minuto, a cada segundo, que torna mais pesada a nossa caminhada, como costumava dizer o seu pai, e quando já não podemos dar sequer mais um passo, quando aquela caixa está cheia e nos extenua, significa que é chegada a nossa hora e, simplesmente, morremos.
Ela já não podia nem queria continuar a carregar aquele peso, mas também não queria morrer."
– Táxi, táxi – murmurou alguém como uma cobra junto do pescoço de Isabel Varela. – Táxi, signorina, táxi…
Continuou a andar sem prestar atenção ao tipo que lhe oferecera os serviços de um táxi ilegal e que, com mais uma dezena de outros, revoluteava à roda de algum turista ou de um incauto, dispostos a transportá-los num veículo sem licença nem taxímetro e a enganá-los no preço da corrida ou, no pior dos casos, a roubá-los em qualquer descampado da periferia.
– … táxi, signorina, táxi – as palavras eram moscas pegajosas – táxi barato, táxi para a cidade ou para fora, táxi…
Vagueavam também pela zona várias albanesas de rostos citrinos e olhar ávido, com crianças enfaixadas nos seus colos, prontas para roubar habilmente qualquer objecto de valor. Isabel aferrou-se ainda com mais força ao cabo do saco, não para defender as bagatelas da mulher que tinha começado a deixar, a identidade de um passado que se reduzia a uns poucos vestidos, camisolas, roupa interior, um necessaire, cremes, alguns livros lidos e inúteis, sapatos e uma agenda, mas apenas por essa estranha fidelidade aos féretros, que era precisamente como ela sentia, padecia e arrastava aquele saco. Vigiamos os féretros mesmo se só contêm matéria morta, velamo-los, acompanhamo-los e empurramos, carregamo-los, levamo-los de um lado para o outro, choramo-los. Abraçamo-nos desesperadamente a eles e depois damos-lhes sepultura sob a terra, ou encerramo-los em nichos ou os incineramos. Já nada contém de vital, só matéria morta, repetiu para si mesma; e, todavia, defendemo-los com unhas e dentes, com lágrimas e recordações. O saco era o féretro da vida que Isabel Varela estava a deixar para trás, sim, porque ao fim e ao cabo, a vida é um féretro que trazemos às costas e que vamos enchendo a cada minuto, a cada segundo, que torna mais pesada a nossa caminhada, como costumava dizer o seu pai, e quando já não podemos dar sequer mais um passo, quando aquela caixa está cheia e nos extenua, significa que é chegada a nossa hora e, simplesmente, morremos.
Ela já não podia nem queria continuar a carregar aquele peso, mas também não queria morrer."
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eActualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.
eActualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.