quarta-feira, 13 de junho de 2007

Era eu ainda um jovem deus

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Só falámos duas vezes, creio. Mas ele andou pelas mesmas terras que eu andei. Peregrinos diferentes de silêncios parecidos, talvez. Sempre apreciei o modo como ele enfrentava o tosco, o desfigurado, o limiar do kitsch e todo o paraíso das naturezas incontidas. Não era amigo de grandes depurações e o ritmo corrido e comprido sorria-lhe como uma festa que aparentemente não partilhava. Padeceria, porventura, do mesmo mito da planície que entrevê na larga sintaxe de Bernardim Ribeiro uma alma plena e satisfeita? Não sei. Mas um pasmo sereno acompanhava-o; um pasmo de labaredas que se revia no Aberto de Rilke. Um pastoreio de palavras sem medo. Sim, o livro continuou sempre aqui no meu escritório. É como uma antologia em forma de rolo, resguardada pela fotografia performativa de Nozolino que me faz lembrar ainda hoje as performances de José de Carvalho, Conduto ou Caravaggio. Morreu faz hoje dez anos. Não concluirei com ditames alarves do género "continua vivo entre nós" ou "a morte separou-nos...". Não, o Al berto é apenas uma memória, um acontecimento pessoal e íntimo, um verso que se leu naquela noite de temporal em Amesterdão. Havia neve na janela do quintal e o gato da vizinha, molhado como um glaciar branco, olhava-me olhos nos olhos: "A ponta dos dedos acendendo o firmamento da alma". Foi agora mesmo. Era eu ainda um jovem deus à procura do seu céu. Até já, Al berto!