segunda-feira, 30 de abril de 2007

Folhetim - 5

VANITAS
51, AVENUE D´IÉNA

por Almeida Faria

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(a ler, também, no novíssimo blogue: Folhetins e Novelas)
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«Fui mais afortunado com esta morada, que me serviu de pinacoteca privada e de residência oficial. A minha mulher e meus filhos Nubar e Rita é que habitavam de facto aqui. Eu vinha por causa da família, dos contactos comerciais e sociais, para controlar o essencial, fiscalizar as finanças, disciplinar o pessoal, suportar os aspectos mais chatos de ser milionário. Estava no centro financeiro da cidade, ao pé dos Bancos com que trabalhava, e passei a gostar dela a partir do momento em que juntei sob os seus tectos alguns dos móveis que por aí vê e as colecções que foram para Lisboa e me fizeram passar dias inteiros nesta galeria, na biblioteca ou no meu gabinete de trabalho, estudando investimentos ou contemplando as minhas preciosidades. Gente maldosa e invejosa, gente inclusive muito próxima, chamou-me avarento insinuando que eu dava volta aos cestos dos papéis para ver se as secretárias gastavam papel de carta a mais. Mentiras e mesquinhices, claro, pessoas que não percebiam que eu preferisse os meus quadros ao convívio com elas. Depois do jantar ia dormir à place Vendôme na minha suite do Ritz, sozinho ou com quem me apetecia. Não por ser libertino, nem apenas pelas razões de segurança que aleguei à família. Na verdade detestava confundir no mesmo ambiente as noites e os dias, e se agora volto à noite aqui é porque já cá não vivo. Não, as minhas noites no Ritz pouco tinham das cenas galantes do Lafrensen, pintor sueco, secreto e sensual de quem comprei alguns quadros. Nem sequer eram noites de aventuras. A partir de dada altura a minha aventura foi a luta pela conquista e pela posse de certas obras, umas a preços de loucura, outras à custa de paciência, persistência e alguma astúcia, outras impossíveis de conseguir. Nunca notou que na minha colecção há poucas naturezas-mortas? Uma delas, a maior e mais vistosa, do Jan Baptist Weenix, fazia um figurão por cima da lareira do Salon Rond, com o seu pavão de longa cauda e os seus troféus de caça, incluindo um cisne morto de gosto duvidoso. Outra, discreta e pequena, do Monet, nunca a apreciei por aí além. A minha predilecta, não por acaso, era do Fantin, a de Lisboa, pois, aquela da jarra redonda com hortênsias creme e rosa velho, em cima de uma toalha com vincos pintados por mão de mestre – sabe qual é? Tem um prato fundo cheio de fruta e um prato de sobremesa com morangos, ao lado de um ramo de groselhas e duas cerejas, um pêssego partido e outro meio reflectido na lâmina brilhante da faca, posta de propósito bem à beira do tampo da mesa de modo a mostrar que o pintor é capaz de fazê-la saltar em relevo do quadro. E o minúsculo reflexo da janela no bojo da jarra, não o acha sublime? Para verificar se me enganei ou não, desafio-o a ir ao meu museu quando regressar à sua cidade.
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(continua)
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Próximo episódio: “Em contrapartida, Fantin apresentou-o a Courbet, que havia de retratar a modelo irlandesa de Whistler em La Belle Irlandaise. Lembra-se? Era uma beleza, efectivamente!»”