domingo, 15 de abril de 2007

Celebrações silenciosas


LVX (Edith Piaf)
e
Vi ontem em Évora (no Fórum da Fundação Eugénio de Almeida) uma exposição de Henri Cartier-Bresson. Dezenas de retratos a disputarem o lugar do corpo, a transmutação do olhar e a ruína. Na poética da fotografia, há sempre algo de profundamente letal: um adeus que é moldado através de uma inscrição que persiste, ou um paradoxo que acena do locus amenus onde já houve respiração e riso e onde hoje apenas resta o assombro fascinado pela superfície impressa. Involuntariamente, os olhos de quem observa são levados a deambular entre os traços que se formaram; divagam entre a geometria e o acaso, como se procurassem a incerta chave de um enigma antiquíssimo. E o mais curioso é que, nestes retratos de Henri Cartier-Bresson, pululavam rostos conhecidos, referências do século que passou: Pound, Camus, Beckett, Eluard, Coco, Barthes, Zontag, Colette, Hokenheimer, Aragon, Stravinsky, Sartre, Matisse, Miró, Piaf, etc. Uma imensa nuvem daquela matéria que Kant designou por “génio” e que fez o mundo das várias gerações que nasceram sob o ímpeto das “Grandes Guerras” e de um leque amplo e variado de ideais inefáveis, sacralizados e ilusórios. Hoje – a relação entre a memória e a actualidade é cruel – quase toda essa matéria é pura reciclagem. Um coro que evoca a alma da ruína e o encanto fúnebre das águas de Ofélia. Apenas isso (e “isso”, um simples deíctico, pode ser uma galáxia).