sábado, 10 de março de 2007

Histórias de um lançamento - 1

"{Este conto é uma ficção baseada em alguns factos reais (mais concretamente uma piada sobre um psicopata e uma estranguladora) e surgiu depois de alguns alunos do Laboratório de Escrita Criativa do Instituto Camões se terem encontrado no lançamento do 10º romance do Luís Carmelo. Como se deve calcular, qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência}."
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por Francisco Barão da Cunha
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"Amarrados e vendados, o psicopata e a estranguladora acordaram fechados num porta-bagagens de um automóvel. Ao despertarem, a pouco e pouco começaram a imaginar como poderiam ter ido ali parar.
Era a primeira vez que se encontravam. O psicopata, a estranguladora, a mulher da máscara amarela, a mulher do corte de cabelo moderno, o senhor do fato completo, o homem da calvície luzidia e a sua mulher.
O pretexto tinha sido o lançamento de um livro. Ao princípio a emoção das apresentações, o nervoso dos risos e a procura de uma ligação entre as pessoas imaginadas e as reais atrapalharam um discurso mais fluido. Trocavam-se gargalhadas, olhares vivos e cumplicidades construídas na internet. Mas o psicopata e a estranguladora, cada um por si, sondavam novas vítimas. Se se proporcionasse iriam agir em conformidade com os seus fatais instintos.
O psicopata parecia amável, franco e descontraído. Mas na sua mala a tiracolo escondia a arma com a qual torturava as suas vítimas: uma gramática de holandês, forrada com uma capa de aço.
Por seu lado, a calma e a ponderação da estranguladora inspirava uma estranha confiança, que de modo nenhum contrastava com com a efusão com que costumava escrever na internet. A bondade do seu rosto dissimulava os seus longos e finos dedos mortíferos.
Ao deixar cair a máscara, a mulher da máscara amarela substitui-a por uma cara viva, de olhos brilhantes e expressivos, que se destacavam no ocasional rubor da sua face. Toda ela era luz mas seria ela capaz de enfiar no reino das trevas o psicopata e a estranguladora?
A mulher do corte de cabelo moderno irradiava energia e prestabilidade, enchendo a sala com os seus sorrisos, mas teria sido ela quem colocou uma droga sonâmbula nos sumos de laranja do psicopata e da estranguladora?
O senhor do fato completo foi o que esteve menos tempo presente, tendo sido o último a chegar e o primeiro a partir. Mas também ele poderia ter ajudado a tramar o psicopata e a estranguladora. Desconfia-se sempre de um homem de fato e gravata.
O homem da calvície luzidia (e a sua mulher) poderiam encaixar-se perfeitamente no perfil Bonnie and Clyde. Ele mais calado mas muito atento, a mulher mais faladora e curiosa. Eram a dupla perfeita para trapacearem um psicopata e uma estranguladora.
A verdade é que ambos começaram a sentir algo estranho quando o autor do livro os veio cumprimentar. Sentiram uma ligeira excitação mas que ao mesmo tempo lhes parecia algo estranhamente entorpecedor. Seria uma espécie de plenitude efusiva misturada com uma iluminação interior? Hum, mal sabiam eles que era o sumo de laranja a começar a fazer efeito.
O grupo esteve muito divertido, continuando assim após a saída do homem do fato completo e os abraços e cumprimentos ao autor do livro (que os presenteou a todos com 1 autógrafo). E muito divertido foi o jantar. Foram todos corridos a sopas e pouco mais. Mas o pouco mais tornou-se muito pela conversa, pelas risadas e principalmente pelo final da refeição.
A mulher da máscara amarela ofereceu-se para levar a casa o psicopata e a estranguladora mas antes tinha de ir buscar o namorado que se encontrava nos arredores da cidade.
E nesse momento tudo se precipitou:
— Olha que eu sou um psicopata e ela é uma estranguladora — Disse entre risos o psicopata.
— Sim, tu sabes lá quem a quem vais dar boleia — A estranguladora meteu a sua colherada. Risos no grupo.
E o psicopata continuou:— E se chegares viva ao teu namorado aposto que os dois vão estar sempre de olho em nós.— Melhor ainda! Vão-nos dar as chaves do carro para que um de nós conduza e o outro vá ao lado, vigiando-nos do banco de trás.Mais risos no grupo. E o psicopata, sem o saber, descobriu a tramóia:
— Pior do que isso, tu e o teu namorado dão cabo de nós!
Risos sonoros por toda a sala do restaurante, quase que a obrigar que as pessoas das outras mesas se virassem todas para aquele peculiar grupo. Foi por entre alguma sonolência insuspeita do psicopata e da estranguladora que todos se despediram. A mulher da máscara amarela ia levá-los no seu carro.
A partir daí tudo se tornou mais nebuloso: havia uma cidade com luzes e automóveis a circular; um engano no percurso e depois as luzes tornaram-se mais ténues e as estradas mais escuras, tão pntadas de bréu que quando o psicopata e a estranguladora acordaram deveriam ainda pensar que andavam às voltas pelos arredores da cidade. Afinal estavam amarrados e vendados. E iriam ter muito tempo para pensar em como foram ali parar."