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Durante o século passado, os filósofos da literatura (deixem-me caracterizá-los assim) andaram durante anos a tentar explicar o que era a “literariedade” e baptizaram-na como uma espécie de água benta, ou de espírito santo cordato, que navegaria na pena e no molde ímpar de certas almas. O ‘livro’, na sua dimensão de objecto perenemente sacralizado, foi assim concedendo à literatura a aura de uma actividade que “não colhia outros frutos senão os sobrenaturais” (parodiando Vico). Kant - muito dado ao sublime - preferia a palavra “génio”.É verdade que, hoje em dia, a literatura já não corresponde à ideia que foi sendo formada desde há pouco mais de dois séculos no Ocidente (de Schlegel a Garrett, a Holderlin, a Musset, a James, a Proust, etc.): a arquitectura digital, o circo mundializado de imagens, a hipertecnologia e a redução - sobretudo - das Escrituras a simples escritas alteraram radicalmente as coisas. O “escritor” é hoje alguém que agencia ficcionalidades e não mais o fruto de uma iluminação subliminar.