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Os meus blogues de 2006 - 1
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É mais fácil escrever uma crónica entitulada “Os meus romances deste ano“ do que esta que é votada aos blogues. Um livro que se lê é sempre um tempo de vida. Seja uma fatia de Agosto, uma semana da Páscoa ou umas quantas noites do início do Outono. Um livro fica sempre marcado como se o tempo de incubação fosse já o da sua memória. De repente, David Lodge ocupa a cor solar das areias de Mil Fontes, Paul Auster aparece como uma papoila vermelha numa pousada de Serpa e Philip Roth ruge na minha direcção como se acompanhasse as folhas dos plátanos ao vento numa alameda de Cáceres. Um livro marca sempre um tempo e sinaliza uma presença: é como uma sombra que se une à luz, sua memória. Não há nada a fazer, é mesmo assim.
E é, também, por isso que posso perguntar com toda a ponderação: o que tenho eu em conta quando inicio a leitura de um livro? A resposta é óbvia e segura: um percurso, alguns heróis, uma arrumação linear, umas tantas complicações, uma topografia que privilegia a progressão e o plot, a necessidade de conjecturar o desenvolvimento do enredo (prefigurar conclusões, estados de clímax e as mais variadas possibilidades de desenlace), etc.
No entanto, quando se trata de viajar no continente dos blogues, esta questão deixa de ter razão de ser. O terreno passa, subitamente, a ser movediço. Será então mais adequado formulá-la do seguinte modo: O que tenho eu em conta quando entro num blogue?
A pergunta pressupõe desde logo o mais elementar: não há princípio num blogue, no sentido em que há incipit num livro. Quer isto dizer que, num blogue, estou sempre a bordo de uma deriva, como se estivesse mergulhado num projecto de design sem definições nem marcas muito precisas. O importante é ‘estar lá’ e dar-me conta do que fruo, como se percorresse uma espécie de diagonal que se propaga em várias direcções e que se cruza com diversas vozes de um monólogo tanto interior como exterior que abarca uma multidão.
E, no entanto, entre o ruído de fundo dessa multidão – o novo coro grego que deixou de ilustrar atmosferas para passar a ser ele mesmo a atmosfera –, há vozes que, de vez em quando, consigo suster, travar e escutar entre o infindo labirinto da rede. Essas vozes correspondem afinal àquilo que designo pelos “meus blogues”: aqueles por onde passo todos – ou quase todos – os dias; aqueles por que sinto uma (às vezes inexplicável) empatia e simpatia; aqueles com quem aprendi a contracenar num espectáculo que nem sempre vive da visibilidade e da ostensão.
Esta respiração silenciosa e imensamente partilhada é um novo mundo ainda por relatar, ainda por contar, ainda por revelar. O diálogo na rede não é, pois, apenas uma questão de “tom”, no sentido da procura expressiva por parte dos bloggers (tema sobre o qual tenho escrito). É também, e porventura em primeiro lugar, um novíssimo modelo de interacção e de comunicação entre mundos, euforias, emoções e afectos (com ênfase para o que costuma caracterizar-se pelo “não dito”) que se está agora a encetar e a explorar.
É mais fácil escrever uma crónica entitulada “Os meus romances deste ano“ do que esta que é votada aos blogues. Um livro que se lê é sempre um tempo de vida. Seja uma fatia de Agosto, uma semana da Páscoa ou umas quantas noites do início do Outono. Um livro fica sempre marcado como se o tempo de incubação fosse já o da sua memória. De repente, David Lodge ocupa a cor solar das areias de Mil Fontes, Paul Auster aparece como uma papoila vermelha numa pousada de Serpa e Philip Roth ruge na minha direcção como se acompanhasse as folhas dos plátanos ao vento numa alameda de Cáceres. Um livro marca sempre um tempo e sinaliza uma presença: é como uma sombra que se une à luz, sua memória. Não há nada a fazer, é mesmo assim.
E é, também, por isso que posso perguntar com toda a ponderação: o que tenho eu em conta quando inicio a leitura de um livro? A resposta é óbvia e segura: um percurso, alguns heróis, uma arrumação linear, umas tantas complicações, uma topografia que privilegia a progressão e o plot, a necessidade de conjecturar o desenvolvimento do enredo (prefigurar conclusões, estados de clímax e as mais variadas possibilidades de desenlace), etc.
No entanto, quando se trata de viajar no continente dos blogues, esta questão deixa de ter razão de ser. O terreno passa, subitamente, a ser movediço. Será então mais adequado formulá-la do seguinte modo: O que tenho eu em conta quando entro num blogue?
A pergunta pressupõe desde logo o mais elementar: não há princípio num blogue, no sentido em que há incipit num livro. Quer isto dizer que, num blogue, estou sempre a bordo de uma deriva, como se estivesse mergulhado num projecto de design sem definições nem marcas muito precisas. O importante é ‘estar lá’ e dar-me conta do que fruo, como se percorresse uma espécie de diagonal que se propaga em várias direcções e que se cruza com diversas vozes de um monólogo tanto interior como exterior que abarca uma multidão.
E, no entanto, entre o ruído de fundo dessa multidão – o novo coro grego que deixou de ilustrar atmosferas para passar a ser ele mesmo a atmosfera –, há vozes que, de vez em quando, consigo suster, travar e escutar entre o infindo labirinto da rede. Essas vozes correspondem afinal àquilo que designo pelos “meus blogues”: aqueles por onde passo todos – ou quase todos – os dias; aqueles por que sinto uma (às vezes inexplicável) empatia e simpatia; aqueles com quem aprendi a contracenar num espectáculo que nem sempre vive da visibilidade e da ostensão.
Esta respiração silenciosa e imensamente partilhada é um novo mundo ainda por relatar, ainda por contar, ainda por revelar. O diálogo na rede não é, pois, apenas uma questão de “tom”, no sentido da procura expressiva por parte dos bloggers (tema sobre o qual tenho escrito). É também, e porventura em primeiro lugar, um novíssimo modelo de interacção e de comunicação entre mundos, euforias, emoções e afectos (com ênfase para o que costuma caracterizar-se pelo “não dito”) que se está agora a encetar e a explorar.
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(continua)
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