e
por Onésimo Teotónio Almeida
(acabado de chegar do outro lado do Atlântico)
e
Essa música de ser a Internet o exílio moderno ou pós-moderno pois soa mais chique ouço-a volta e volta sempre já monótona de repetida que antigamente é que era bom o adro das igrejas na ilha o Canto da Fonte no meu Pico da Pedra a piazza italiana os cafés da pátria isso sim eram a continuação das ágoras gregas e da família alargada dos vizinhos e amigos de paleio diário como a natureza humana requeria e ainda requer
Agora a Internet veio destruir o convívio a familiaridade desenvolvida nos encontros diários a palração fiada no cortar da casaca do próximo mas distante naquele preciso momento mais pancada no governo e as grandes soluções para os problemas políticos do país e do universo na idade de ouro AC isto é Antes do Computador e desse inferno da emailação internetional cada um metido no buraco negro do maldito caixote isolado do resto da casa da família e dos mais na solitude de um ecrã cenário pré-anunciado naquele cartoon a mostrar um corte longitudinal de arranha-céus em Nova Iorque revelando apartamentos individuais cada qual com um inquilino solitário apenas no seu canto enganando-se na cura da sua solidão a masturbar-se
Na mente dos seus detractores a Internet virou metamorfose do pecado de onanismo e a verdade é que se eu fosse dado a antigos remorsos andaria dia sim dia sim a confessar-me pecador sem direito a absolvição por impenitência incurável que não me molesta apenas a mim pois tenho um novo vizinho que há meses neste longo Inverno vejo da janela ao lado do meu computador sentado naturalmente a comunicar com amigos sei lá se na Califórnia na Bolívia ou na Austrália ou mesmo se calhar com a mulher na cozinha mesmo ali no andar de baixo A verdade é que nada sei dele nem tenho interesse em saber muito embora me assalte de vez em quando a curiosidade de descobrir para onde comunica pois as coincidências acontecem sempre como uma vez eu no ar a doze mil metros algures sobre a Terra a meter conversa com o passageiro do assento ao lado De onde é? e ele De Boston melhor dos arredores e eu De onde? ele De Providence e eu a insistir De que bairro? ele Ah! Conhece Providence? Do East Side eu De que rua? ele Rochambeau eu Que número? e era daqui mesmo ao pé quatro casas mais além sem nunca nos termos cruzado cá em baixo Mas a ironia cavou mais fundo porque ele acabou dando-me o seu cartão de visita e topei logo Goulart nome das minhas ilhas e ele a confirmar S. Jorge terra do avô antecedido de um Brian escolha da mãe irlandesa Deu convite a passar no Amsterdam o bar dele na baixa o downtown daqui e dois copos de Chardonay à borla cada vez que eu lá entrava mais a Leonor e a verdade é que sendo vizinhos sem convivermos nem nos conhecermos sequer íamos ali à South Main Street fazer-lhe vizinhança até um dia ele desaparecer não sei para onde
Obviamente tenho vizinhos de cruzamento de vez em quando como o Enric catalão que sei quando não está em Providence pois deixa a luz acesa toda a noite e o Brian que manda postal de Boas Festas cada Natal e um dia me disse ser meio-irlandês e meio-português do lado da mãe oriunda de um sítio algures em Portugal diz ele que em inglês é qualquer coisa como Beyond-the-Mountains e há ainda uma vizinha defronte loura e solitária que segundo a Leonor me faz distrair do computador para olhar quando ela assoma ao jardim
Nas casas americanas quase não há vedações nada que se pareça com os muros de Berlim das casas em Portugal muito embora Robert Frost tenha imortalizado o aviso em verso Good fences make good neighbors outro poeta o Michael Harper mesmo aqui da Brown prefere America is always about neighborhood Por sinal aqui em casa há cercas herdadas dos anteriores donos mas são de verde que desaparece no Inverno deixando a nu por entre troncos e caules a vida dos vizinhos novos para cá mudados há meses e tal como nós sem cortinas nas janelas pois não se devem importar de a sua casa parecer um ecrã de TV contemplado defronte porque vivem distantes e não nos conhecemos
Às vezes a mulher vai à Internet mas demora-se muito pouco e por isso não acredito que ela seja qualquer das desperate housewives que me chegam anunciadas em e-mails de um serviço não-solicitado de nome Adult-Couples Hookup Lounge dizendo sem pejo Lonely cheating-hot-wives are waiting for you in the privacy of their homes e publicita mesmo o nome da interessada supostamente minha vizinha uma tal Lorna porque o anúncio diz que o meu perfil se ajusta perfeitamente ao seu visto o cruzamento ter sido feito no infalível computador Ora eu nunca me inscrevi em serviço quejando e está-se mesmo a ver que se essa Lorna fosse a minha vizinha e eu me aventurasse a ir lá a casa eu próprio me veria daqui mas não pensemos nisso
Estou neste embalo a delirar palermices porque ao fim e ao cabo nunca soube o que era a solidão e muitas vezes desejei solitude sem conseguir espaço e além disso nunca sinto saudades de Portugal porque vou lá sempre todos os dias a qualquer hora que antes era só na mente e agora é mesmo em viagens virtuais graças à Internet e aos e-mails por isso continuo sem saber o que seja isso de exílio para mais se fui eu próprio quem pagou a passagem para sair Portugal fica logo ali na outra margem do rio Atlântico a Internet mantem os amigos ao pé da gente as cartas de papel demoravam muito e era preciso pôr o selo colar com cuspo e esperar semanas seguidas pela resposta de um Portugal avesso a correspondências já desde o tempo das Índias e Brasis
O mundo virou aldeia o Zelimir envia-me um e-mail a dizer que acaba de ler um interessante livro sobre a Base das Lajes de um tal Luís Qualquer-Coisa Rodrigues e pergunta se o conheço e na volta respondo-lhe que ele vem jantar cá em casa nessa mesma noite e já contei noutro lugar que o Leon Machado de Vila Real nos antigamente perdidos Trás-os-Montes o Beyond-the-Mountains do Brian me emailou a pedir uma informação e eu dei-lha em segundos para segundos depois ele responder Que bom é ter amigos ao pé da gente Para ser franco vou admitir que a minha vontade cá bem no íntimo era juntar os amigos todos no Canto da Fonte do meu Pico da Pedra mas isso iria exigir uma boa pipa de massa e as trocas virtuais saem bem mais em conta
Dir-me-á o leitor que não tivesse eu saído lá da terra e não teria agora este problema mas eu na minha acho que se não tivesse abalado se calhar andaria agora mergulhado no cinzento da monotonia e da mesmidade de conversas e além do mais eu não teria encontrado toda essa gente interessante e se não tivesse a Internet eu tê-la-ia perdido pelo que isso de exílio e vizinhanças tem muito que se lhe diga pois os vizinhos são como a família que não escolhemos enquanto os amigos sim
Tinha este prosema dependurado por não saber como terminá-lo a jeito e eis senão quando vindo da garagem fui subitamente atravessado por uma voz chegada do lado dos novos vizinhos Hi! I am Fred You must be Onésimo o meu nome pronunciado assim certinho Era para se apresentar que trabalha na Brown e é amigo da nossa colega Pat e até fez no computador o arranjo gráfico de um cartaz para colóquio do Departamento e mais ainda foi com a sua Karen passar a lua-de-mel nos Açores e queria dizer que adorou as ilhas e parece ter adivinhado que ao revelar-me aquilo ficava logo ali velho amigo Fui ao computador googlá-lo e passei a conhecer-lhe a vida quase toda que até escreve e publica e entrevista gente como o escritor Robert Coover que às vezes janta connosco em casa do Enric e mais soube ainda que o o meu novo vizinho se interessa muito por letras e humanidades
O mais estranho é que acabei desiludido pois estava a magicar um desfecho sensacional para estas linhas que faria delas uma portentosa tirada sobre a alienação e os vizinhos do lado que se ignoram e não se cruzam e escrevem na Internet para amigos a milhares de quilómetros e nem ligam às gentes de ao pé da porta e eu que já não tinha ilusões de compreender o que vinha a ser isso de exílio e nem sequer mesmo o lusitaníssimo mistério da saudade agora já nem entendo o que sejam distâncias no globo porque a Internet deu cabo do conceito Só me resta dizer que da próxima vez que for à ilha garanto levarei o meu portátil para me sentar no Canto da Fonte do Pico da Pedra e depois de um papo com a rapaziada que restar do meu tempo hei-de conversar com os hoje meus vizinhos espalhados pelos quatro cantos da fonte do mundo
Essa música de ser a Internet o exílio moderno ou pós-moderno pois soa mais chique ouço-a volta e volta sempre já monótona de repetida que antigamente é que era bom o adro das igrejas na ilha o Canto da Fonte no meu Pico da Pedra a piazza italiana os cafés da pátria isso sim eram a continuação das ágoras gregas e da família alargada dos vizinhos e amigos de paleio diário como a natureza humana requeria e ainda requer
Agora a Internet veio destruir o convívio a familiaridade desenvolvida nos encontros diários a palração fiada no cortar da casaca do próximo mas distante naquele preciso momento mais pancada no governo e as grandes soluções para os problemas políticos do país e do universo na idade de ouro AC isto é Antes do Computador e desse inferno da emailação internetional cada um metido no buraco negro do maldito caixote isolado do resto da casa da família e dos mais na solitude de um ecrã cenário pré-anunciado naquele cartoon a mostrar um corte longitudinal de arranha-céus em Nova Iorque revelando apartamentos individuais cada qual com um inquilino solitário apenas no seu canto enganando-se na cura da sua solidão a masturbar-se
Na mente dos seus detractores a Internet virou metamorfose do pecado de onanismo e a verdade é que se eu fosse dado a antigos remorsos andaria dia sim dia sim a confessar-me pecador sem direito a absolvição por impenitência incurável que não me molesta apenas a mim pois tenho um novo vizinho que há meses neste longo Inverno vejo da janela ao lado do meu computador sentado naturalmente a comunicar com amigos sei lá se na Califórnia na Bolívia ou na Austrália ou mesmo se calhar com a mulher na cozinha mesmo ali no andar de baixo A verdade é que nada sei dele nem tenho interesse em saber muito embora me assalte de vez em quando a curiosidade de descobrir para onde comunica pois as coincidências acontecem sempre como uma vez eu no ar a doze mil metros algures sobre a Terra a meter conversa com o passageiro do assento ao lado De onde é? e ele De Boston melhor dos arredores e eu De onde? ele De Providence e eu a insistir De que bairro? ele Ah! Conhece Providence? Do East Side eu De que rua? ele Rochambeau eu Que número? e era daqui mesmo ao pé quatro casas mais além sem nunca nos termos cruzado cá em baixo Mas a ironia cavou mais fundo porque ele acabou dando-me o seu cartão de visita e topei logo Goulart nome das minhas ilhas e ele a confirmar S. Jorge terra do avô antecedido de um Brian escolha da mãe irlandesa Deu convite a passar no Amsterdam o bar dele na baixa o downtown daqui e dois copos de Chardonay à borla cada vez que eu lá entrava mais a Leonor e a verdade é que sendo vizinhos sem convivermos nem nos conhecermos sequer íamos ali à South Main Street fazer-lhe vizinhança até um dia ele desaparecer não sei para onde
Obviamente tenho vizinhos de cruzamento de vez em quando como o Enric catalão que sei quando não está em Providence pois deixa a luz acesa toda a noite e o Brian que manda postal de Boas Festas cada Natal e um dia me disse ser meio-irlandês e meio-português do lado da mãe oriunda de um sítio algures em Portugal diz ele que em inglês é qualquer coisa como Beyond-the-Mountains e há ainda uma vizinha defronte loura e solitária que segundo a Leonor me faz distrair do computador para olhar quando ela assoma ao jardim
Nas casas americanas quase não há vedações nada que se pareça com os muros de Berlim das casas em Portugal muito embora Robert Frost tenha imortalizado o aviso em verso Good fences make good neighbors outro poeta o Michael Harper mesmo aqui da Brown prefere America is always about neighborhood Por sinal aqui em casa há cercas herdadas dos anteriores donos mas são de verde que desaparece no Inverno deixando a nu por entre troncos e caules a vida dos vizinhos novos para cá mudados há meses e tal como nós sem cortinas nas janelas pois não se devem importar de a sua casa parecer um ecrã de TV contemplado defronte porque vivem distantes e não nos conhecemos
Às vezes a mulher vai à Internet mas demora-se muito pouco e por isso não acredito que ela seja qualquer das desperate housewives que me chegam anunciadas em e-mails de um serviço não-solicitado de nome Adult-Couples Hookup Lounge dizendo sem pejo Lonely cheating-hot-wives are waiting for you in the privacy of their homes e publicita mesmo o nome da interessada supostamente minha vizinha uma tal Lorna porque o anúncio diz que o meu perfil se ajusta perfeitamente ao seu visto o cruzamento ter sido feito no infalível computador Ora eu nunca me inscrevi em serviço quejando e está-se mesmo a ver que se essa Lorna fosse a minha vizinha e eu me aventurasse a ir lá a casa eu próprio me veria daqui mas não pensemos nisso
Estou neste embalo a delirar palermices porque ao fim e ao cabo nunca soube o que era a solidão e muitas vezes desejei solitude sem conseguir espaço e além disso nunca sinto saudades de Portugal porque vou lá sempre todos os dias a qualquer hora que antes era só na mente e agora é mesmo em viagens virtuais graças à Internet e aos e-mails por isso continuo sem saber o que seja isso de exílio para mais se fui eu próprio quem pagou a passagem para sair Portugal fica logo ali na outra margem do rio Atlântico a Internet mantem os amigos ao pé da gente as cartas de papel demoravam muito e era preciso pôr o selo colar com cuspo e esperar semanas seguidas pela resposta de um Portugal avesso a correspondências já desde o tempo das Índias e Brasis
O mundo virou aldeia o Zelimir envia-me um e-mail a dizer que acaba de ler um interessante livro sobre a Base das Lajes de um tal Luís Qualquer-Coisa Rodrigues e pergunta se o conheço e na volta respondo-lhe que ele vem jantar cá em casa nessa mesma noite e já contei noutro lugar que o Leon Machado de Vila Real nos antigamente perdidos Trás-os-Montes o Beyond-the-Mountains do Brian me emailou a pedir uma informação e eu dei-lha em segundos para segundos depois ele responder Que bom é ter amigos ao pé da gente Para ser franco vou admitir que a minha vontade cá bem no íntimo era juntar os amigos todos no Canto da Fonte do meu Pico da Pedra mas isso iria exigir uma boa pipa de massa e as trocas virtuais saem bem mais em conta
Dir-me-á o leitor que não tivesse eu saído lá da terra e não teria agora este problema mas eu na minha acho que se não tivesse abalado se calhar andaria agora mergulhado no cinzento da monotonia e da mesmidade de conversas e além do mais eu não teria encontrado toda essa gente interessante e se não tivesse a Internet eu tê-la-ia perdido pelo que isso de exílio e vizinhanças tem muito que se lhe diga pois os vizinhos são como a família que não escolhemos enquanto os amigos sim
Tinha este prosema dependurado por não saber como terminá-lo a jeito e eis senão quando vindo da garagem fui subitamente atravessado por uma voz chegada do lado dos novos vizinhos Hi! I am Fred You must be Onésimo o meu nome pronunciado assim certinho Era para se apresentar que trabalha na Brown e é amigo da nossa colega Pat e até fez no computador o arranjo gráfico de um cartaz para colóquio do Departamento e mais ainda foi com a sua Karen passar a lua-de-mel nos Açores e queria dizer que adorou as ilhas e parece ter adivinhado que ao revelar-me aquilo ficava logo ali velho amigo Fui ao computador googlá-lo e passei a conhecer-lhe a vida quase toda que até escreve e publica e entrevista gente como o escritor Robert Coover que às vezes janta connosco em casa do Enric e mais soube ainda que o o meu novo vizinho se interessa muito por letras e humanidades
O mais estranho é que acabei desiludido pois estava a magicar um desfecho sensacional para estas linhas que faria delas uma portentosa tirada sobre a alienação e os vizinhos do lado que se ignoram e não se cruzam e escrevem na Internet para amigos a milhares de quilómetros e nem ligam às gentes de ao pé da porta e eu que já não tinha ilusões de compreender o que vinha a ser isso de exílio e nem sequer mesmo o lusitaníssimo mistério da saudade agora já nem entendo o que sejam distâncias no globo porque a Internet deu cabo do conceito Só me resta dizer que da próxima vez que for à ilha garanto levarei o meu portátil para me sentar no Canto da Fonte do Pico da Pedra e depois de um papo com a rapaziada que restar do meu tempo hei-de conversar com os hoje meus vizinhos espalhados pelos quatro cantos da fonte do mundo