domingo, 24 de dezembro de 2006

Pré-publicações - 10

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José Barbosa Machado (ed.), História do mui nobre Vespasiano imperador de Roma, 2ª ed. revista e ampliada. Edições Vercial, Janeiro de 2007.
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Pré-publicação:
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"De como desesperou el-rei Arquileu e chantou a espada pelo coração. Capítulo .xxii.
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E quando el-rei Arquileu viu que o imperador não no queria tomar em sua mercê, e viu que havia de entrar na cidade onde morriam de fome, assanhou-se consigo mesmo e diante de todos se desceu do cavalo e desarmou-se e tirou a espada. E como a tirou, disse: «Já a Deus não prazerá que eu vivo me ponha em vosso poder, nem em vossas mãos, nem tome cousa que a mim seja desonra.» E meteu a ponta da espada pelo meio do coração e deixou-se cair em cima dela e passou-lhe às espáduas e logo caiu morto em terra. E quando Pilatos viu que el-rei Arquileu era morto, foi mui triste e irado, e meteu-se na cidade sem pedir licença ao imperador, e ali fez grão dó pela morte del-rei Arquileu. E ao outro dia pela manhã, Pilatos fez ajuntar tôdolos cavaleiros da cidade e fez ali vir a José Jafaria e Barrabás seu mestre-sala por tomar seu conselho, e disse: «Senhores, bem vedes vós que nós não nos podemos ter [contra] o imperador, que Deus nos tem esquecido, e nenhumas viandas não temos nesta cidade, por[que] nunca tal tribulação foi e nenhuma [cidade] tal como esta.» E respondeu José e disse: «Senhor, em isto outro conselho vos não pode homem dar, pois o imperador não vos toma em sua mercê. E, senhor, deu-vos mau conselho aquele que vos disse que contra o imperador fôsseis, que bem podeis ver que contra o imperador vós não éreis igual, mas demandai-o àquele que mau conselho vos deu.» E disse Pilatos: «Isso não farei eu, mas façamos assim: aqui na cidade há aí muito tesouro e grande, de ouro e de prata e de pedras preciosas. E o imperador e as suas gentes cuidam de o haver todo. Mas não haverão nenhuma cousa. Pelo qual mando que o ouro e a prata seja limado e as pedras preciosas sejam moídas, e daquilo seja feita pólvora. E seja assim repartido, que tanto seja dado ao rico como ao pobre, e cada um coma dele sua parte. E o imperador nem tôdolos outros inimigos não no haverão.» E logo foi feito. E dês que foi tudo comesto, vieram diante de Pilatos e disseram: «Senhor, feito temos teu mandado; manda o que façamos.» E quando Pilatos isto ouviu, começou mui fortemente de chorar, e disse diante de todos: «Senhores, vós outros me estabelecestes que fosse governador. Bem sabeis todos que da primeira eu era adiantado do honrado César Augusto, imperador de Roma, ao qual fazia certo tributo e o tinha por senhor e vós outros todos. E agora, por mau conselho, alcei-me contra Vespasiano seu filho, donde por este pecado e pela traição que foi feita e consentida na morte daquele santo profeta, que bem vos deve lembrar que tais sinais fez no dia em que morreu, e antes que morresse disse pela sua boca no dia de Ramos todos estes males que agora são, não são cumpridos, mas creio que ainda se cumprirão; que já parece cada dia, pois eu não creio que possa escapar de morte. Vós outros porventura escapareis; rogo-vos por Deus que me queirais perdoar se porventura a algum de vós outros fiz algum nojo.» E os cavaleiros e o povo, quando ouviram estas palavras, foram muito turvados, em tal guisa que nenhum não pôde falar nem responder, tão fortemente choravam que sabiam que haviam de ser todos destruídos. E Pilatos disse: «Barões, outro conselho eu não vejo nem vos posso dar, senão que nos demos ao imperador e estejamos à sua mercê, que porventura alguns escaparão, que melhor é que morrermos todos de fome.» E todos tiveram por bom o conselho de Pilatos, e disseram que melhor seria estar à mercê do imperador que morrer de fome. E ao outro dia Pilatos e tôdolos outros pela manhã saíram fora da cidade e foram à vala que estava derredor do muro. E Tito andava cavalgando com muitos cavaleiros, e Pilatos fez-lhe seus sinais com as luvas que trazia nas mãos. E quando Tito o viu, veio com seus cavaleiros adiante onde Pilatos o viu. E Pilatos começou a dizer a Tito: «Senhor, seja vossa mercê que rogueis ao imperador, vosso padre e meu senhor, que haja mercê de mim e de todo este povo, e não pareis mentes às nossas maldades.» E isto lhe dizia chorando fortemente. E Tito enviou dous cavaleiros ao imperador que lhe dissessem as palavras em que Pilatos estava com ele. E quando o imperador ouviu isto, fez armar dous cavaleiros e cavalgou e veio onde estava Tito seu filho. E começou Tito a dizer ao imperador: «Senhor, sabei que Pilatos vos quer entregar a cidade com condição que o filheis em vossa mercê.» E o imperador lhe respondeu: «Filho, não é agora tempo de pedir mercê, que o faz porque não pode mais fazer.» E o imperador olhou mentes que fazia Pilatos e disse-lhe isto: «Se tu me quiseres entregar a cidade com todos os Judeus que dentro são para fazer nossas vontades, eu a tomarei. E digo-te que tão pouco haverei mercê de ti nem dos outros, como vós houvestes do santo profeta Jesus Cristo, o qual vós outros acusastes falsamente à morte, e os maus Judeus o enclavaram na cruz, pelo qual vos digo que já mercê não achareis em mim.» E quando Pilatos isto ouviu, foi mui triste ele e tôdolos outros, e disse ao imperador: «Senhor, tomai a cidade e tudo quanto em ela está e seja vossa mercê feita à vossa vontade.» Quando o imperador viu que de todo em todo Pilatos se punha em seu poder, fez cercar as valas derredor por que nenhum judeu não pudesse sair. E mandou entrar até quatro mil cavaleiros na cidade, e mandou-lhes que cerrassem as portas todas, e que nenhum judeu não deixassem sair nem outras cousas. E então Pilatos se tornou e tôdolos outros à cidade. E Tito entrou na cidade com grande cavalaria e entraram com ele Jacob e Jafel por ordenar a cavalaria, que era mui grande. E Tito tomou Pilatos pela barba e encomendou-o a dez cavaleiros que o guardassem mui bem. E Jacob tomou a José Jafaria e Jafel, e porque era bom cavaleiro, foi tomar Barrabás, mestre-sala de Pilatos. E dês que tudo isto foi feito, o imperador entrou em Jerusalém e mandou que todos os Judeus fossem presos e bem atados, e que logo os trouxessem diante dele, e logo foi feito, e disse às suas gentes: «Pois que a cidade é em nosso poder, nós queremos fazer almoeda dos Judeus que estão aqui. Como eles venderam ao santo profeta Jesus Cristo, o qual é saúde da nossa enfermidade, assim como o venderam por trinta dinheiros, nós queremos vender trinta Judeus por um dinheiro. Quem quiser mercar, merque por um dinheiro.» E então veio um cavaleiro e disse ao imperador: «Senhor, eu tomarei um dinheiro se vos aprouver.» E o imperador mandou que lhe dessem antre homens e mulheres e crianças trinta por um dinheiro. Mas foi ventura de um cavaleiro que houve todos os Judeus que eram grandes e valentes. E dês que os tinha recebidos, levou-os à sua tenda. E depois que os teve aí, deu com a sua espada um golpe pelo ventre e matou um judeu e logo caiu em terra morto. E ao tirar da espada, saiu do ventre do judeu ouro e prata. E o cavaleiro ficou muito maravilhado do que viu, e tomou adeparte um dos outros Judeus que lhe pareceu mais velho e disse-lhe: «Dize-me tu que será isto, que eu nunca vi em corpo de homem morto, judeu nem doutra pessoa, que saísse ouro nem prata senão deste.» E o judeu disse: «Senhor, se tu me segurares a vida, eu to direi.» E o cavaleiro segurou ao judeu de morte, e o judeu contou-lhe como lhes mandara Pilatos comer todo o tesouro que estava na cidade e as pedras preciosas, por que o imperador nem a sua gente não no houvessem nem se servissem dele. «E esta é a razão porque tu achaste no corpo deste judeu morto ouro e prata. E saberás que tanto dava de comer ao pobre como ao rico.» E quando o cavaleiro soube isto, mandou a dois escudeiros que matassem os vinte e oito Judeus e que não tocassem naquele judeu que tinha seguro, mas que o guardassem bem. E dês que os vinte e oito Judeus foram mortos, mandou-os abrir pelo ventre e tiraram tanto de ouro e prata que foi maravilha. E logo foi sabido por toda a hoste do imperador que os Judeus estavam cheios em seus corpos de ouro e prata, porque todo o tesouro da cidade tinham comido. E vereis vir cavaleiros e outras pessoas muitas correndo à cidade para mercar dos Judeus e cada um dizia: «Senhor, vende-nos sequer um por um dinheiro.» E cada um tanto que os tinha mercados, matavam-nos por tirar o tesouro que tinham. E daí a poucas horas se ajuntou tanta gente que era sem conto, e havia maior pressa naquilo que parecia taverna de bom vinho, ainda que o dessem de graça. E cada um, assim como o mercava, assim o matava por tirar deles o tesouro. Mas por muito mau houveram o conselho de Pilatos, porque lhes fez comer o tesouro, que muitos escaparam da morte e por esta razão morreram. E quando o imperador viu a grão pressa dos mercadores, mandou que dali adiante não vendessem mais até que soubessem quantos deles haviam de vender. E o seu mestre-sala os fez contar e, dês que foram contados, disseram ao imperador: «Senhor, sabede que antre homens e mulheres e criaturas são os que ficam por vender cento e oitenta, que valem seis dinheiros, tantos vos sobejam e mais não.» «Pois – disse o imperador –, não vendam mais; fiquem estes, porque a paixão do filho de Deus seja relembrada melhor, e porque em todo tempo as gentes que virem chamem traidores, porque mataram o santo profeta Jesus Cristo; assim como eles deram ao senhor maior por trinta dinheiros, bem assim tenho dado trinta Judeus por um dinheiro. E estes Judeus que ficam sejam para mim e guardai-os bem.» E cumprida foi a ocasião do povo naqueles que foram vendidos trinta Judeus por um dinheiro. E foram os vendidos por conta quarenta mil pessoas ao menos de quantos jaziam mortos e esquartejados pela cidade, que não podiam andar senão sobre mortos. Mas dês que tudo isso foi feito, o imperador mandou que todos os mortos fossem enterrados, porque, enquanto estivessem na cidade, não houvesse aí fedor. E logo foi feito, porque as gentes o tinham na vontade; e cada um fazia quanto podia."
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