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O menino do urso
E
Era uma casa em que os móveis estavam todos cobertos com panos brancos. Uma montanha de neve sob tectos recortados pela humidade e pela memória muito antiga dos passos ao longe (estrados que rangiam, degraus soltos, o soalho ao vento). Um torrão de açúcar a ocupar a respiração e o respigar com que o coração do menino se agitava.
Era uma casa em que os móveis estavam todos cobertos com panos brancos. Uma montanha de neve sob tectos recortados pela humidade e pela memória muito antiga dos passos ao longe (estrados que rangiam, degraus soltos, o soalho ao vento). Um torrão de açúcar a ocupar a respiração e o respigar com que o coração do menino se agitava.
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Até o relógio de parede (um papagaio de cobre a imergir no tic-tac), a ventoinha presa ao tecto e o bengaleiro de marfim pareciam mumificados. A luz apenas entrava pelo vão da janela por onde ia espreitando a brisa do fim da tarde. E não havia um único volume – sofá, cómoda ou piano – que não tivesse adormecido com toda a moleza sob a brancura dos lençóis. Há tantos anos.
Até o relógio de parede (um papagaio de cobre a imergir no tic-tac), a ventoinha presa ao tecto e o bengaleiro de marfim pareciam mumificados. A luz apenas entrava pelo vão da janela por onde ia espreitando a brisa do fim da tarde. E não havia um único volume – sofá, cómoda ou piano – que não tivesse adormecido com toda a moleza sob a brancura dos lençóis. Há tantos anos.
E
O tempo tinha cristalizado como salgema na gruta e apenas parecia dar de si quando a brisa empurrava, aqui e ali, as portadas pesadas das janelas. Um breve sobressalto a atravessar o olhar de soldadinho de chumbo que o menino respirava. Um longo pasmo a tecer o fôlego com que o menino temia, ao fim e ao cabo, este grande teatro da obscuridade.
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O tempo tinha cristalizado como salgema na gruta e apenas parecia dar de si quando a brisa empurrava, aqui e ali, as portadas pesadas das janelas. Um breve sobressalto a atravessar o olhar de soldadinho de chumbo que o menino respirava. Um longo pasmo a tecer o fôlego com que o menino temia, ao fim e ao cabo, este grande teatro da obscuridade.
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E foi quando tornou a olhar para o tecto que o menino reviu o desenho que lhe sugeria marés vivas, murmúrios de ondas, ecos de búzios marinhos e cascatas inundadas por peixes vermelhos. Um oceano sem águas.
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Depois, com muito vagar, o menino baixou os olhos e acabou por descobrir a cauda do urso a escapar-se por entre a dobra do manto branco que tudo cobria na penumbra antiga da casa.
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Subitamente, o menino percebeu que o som dos seus passos era igual ao som que a memória mais antiga da casa silenciara. Um augúrio feliz. Desde esse dia que o menino nunca mais abandonou o urso.
Depois, com muito vagar, o menino baixou os olhos e acabou por descobrir a cauda do urso a escapar-se por entre a dobra do manto branco que tudo cobria na penumbra antiga da casa.
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Subitamente, o menino percebeu que o som dos seus passos era igual ao som que a memória mais antiga da casa silenciara. Um augúrio feliz. Desde esse dia que o menino nunca mais abandonou o urso.
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Atravessou o corredor, correu, correu, correu, bateu com a porta e descobriu que a luz do fim da tarde lhe concedia o novo sinal, o novo sortilégio. Desde esse dia até hoje, quando estão a sós, o menino e o urso passam o tempo a falar.
Atravessou o corredor, correu, correu, correu, bateu com a porta e descobriu que a luz do fim da tarde lhe concedia o novo sinal, o novo sortilégio. Desde esse dia até hoje, quando estão a sós, o menino e o urso passam o tempo a falar.
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Uma fala de marés vivas.
Uma fala de marés vivas.
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Bom ano.
Bom ano.