terça-feira, 20 de junho de 2006

O "tom" dos blogues - 38 (act.)

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Gianni Vattimo disse que o design era o “sonho de um resgate estético da quotidianidade através da optimização das formas dos objectos, do aspecto do ambiente” (A Sociedade Transparente, 1989). Este tipo de esteticização do quotidiano acrescentou à eficácia da cultura material aspectos formais autónomos (estéticos), cuja função era criar múltiplas sugestões e perturbar a tradição de adequação tácita entre acondicionamento formal e funcionalidade (uma colher apenas para comer, um armário apenas para guardar, uma cadeira apenas para sentar).
E a verdade é que o design não só não perturbou o legado da eficácia técnica como ainda lhe acrescentou uma diversidade de valores que havia sido ditada pelas vanguardas artísticas do século XX (sobretudo as linhas de “expressão” - expressionismo, informalismo, etc. -, as linhas de “formatividade” - cubismo, stijl, op art, etc. - as linhas de “arte útil” - bauhaus, construtivismo de Malevich, etc. – e as linhas da “redução” - arte minimal, arte conceptual, etc.). É por isso que, para Vattimo, o design foi entendido como um resgate estético do quotidiano. O sonho, em tal concepção, passou por uma espécie de elevação do quotidiano: neste caso, o ter concedido ao dia a dia aquela sacralização que foi sonhada para o estético desde o Iluminismo, ou seja estender a nova catedral - que se enclausurara em museus, galerias e salões - ao asfalto das ruas e aos ambientes de passagem ou de habitação.
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A blogosfera é a consecução de um sonho parecido. Não se pode dizer que a blogosfera é a parte da rede que ligou o quotidiano a um devir estético (distante da função transitiva de meramente sinalizar), mas pode dizer-se que a blogosfera está a reinventar um conjunto inovador de conexões entre a experiência pessoal (e às vezes íntima) do quotidiano e um eclectismo de regras e linguagens que são em si mesmas uma procura.
Poder-se-ia até ir mais longe e reivindicar para a blogosfera um certo tipo de ‘efeito estético’ que resulta da permanente adaptação da linguagem ao multi-posicionamento das escritas na relação com outras escritas hipertextuais e com o novo meio em que se inserem. A linguagem no novo meio blogosférico é uma linguagem que acaba por flectir em tempo real, como se fosse um corpo em movimento, mas sem regras óbvias que lhe apontassem uma sintaxe apropriada, uma locução tipificada e um sentido estrito de finalidade. O jogo desta nova linguagem é a pesquisa da sua própria expressão, afinal. Este tipo de ‘efeito estético’ que se sente na blogosfera vive sobretudo de um princípio que o design tornou presente há algumas décadas: uma permanente perturbação no que sempre foi um encaixe perfeito entre acondicionamento e finalidade.
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O que se escreve nos blogues tem características de inacabado e vive sempre na iminência da sua flutuação noutro local da rede. Em cada palavra escrita na rede existe sempre um parapeito de perturbação ou um limiar de transtorno, na medida em que o destino da enunciação anda invariavelmente associado a uma imponderada mobilidade.
É por isso que se constata nos blogues uma espécie de suspensão do texto e das imagens que se traduz por marcas e inscrições variadas (esta uma matéria fascinante para investigar de modo mais aprofundado: encadamentos sintácticos, formas fáticas, estratégias de síntese, teores condensados, etc.). É como se o próprio texto soubesse que está inevitavelmente condenado a uma metamorfose, à mão de anfitriões sempre provisórios e desconhecidos. Um texto de hoje será, noutro dia, já outro texto; ou melhor: um texto de hoje poderá ser, noutro altura qualquer, ele próprio e muitos outros que nele e com ele se terão cruzado e interagido.
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A blogosfera também está assim muito próxima do tal “resgate do quotidiano” de que falava Vattimo, embora por via da optimização de formas expressivas em contínua adaptação aos impactos da instantaneidade comunicacional (o “tom”).
Tal como no design, a perturbação e a eficácia complementam-se na blogosfera.
A primeira, por transtornar a sequencialidade tradicional das escritas, por criar polaridades sugestivas e ainda por perturbar a tradição que sempre adequou à funcionalidade um pacote expressivo hipercodificado. A segunda, por repor a individualização na sua relação com uma agenda de grande proximidade (geralmente colocada fora da visibilidade dos média e de outros tipos de mediações tradicionais) e de vizinhaças múltiplas e inadvertidas.
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P.S. - Quando se reage a esta série deste modo, é preciso dizer uma palavra. Afinal, não gosto de reagir com indiferença. O que atravessa esta reacção (aparentemente descontraída e convencida) é, ao fim e ao cabo, o ressentimento e sobretudo a invídia. Não face a mim, como é óbvio e natural, mas face a um objecto fantasmático que representa como sendo o oposto daquilo que sente que é: uma pequena partícula na galáxia da rede. Tem pena de o reconhecer e não o podendo aceitar, reage atacando (injustamente) quem com ele se cruza. E fala da “bola” e das “três palavras novas” que um tipo inventa por dia. E fica todo contente.