sábado, 13 de maio de 2006

O "tom" dos blogues - 8

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Ao falar sobre o “tom” dos blogues tenho querido significar a procura expressiva que é própria da jovem história da blogosfera. Ao contrário de outras – muitas - intervenções, nunca identifiquei “tom” com estilo, com estado de espírito, com tipologia de abordagem, com gosto, ou até com epicentro educativo (o ‘bom tom’, o ‘tom certo’, o ‘tom aziago’, etc.). Seja como for, o mal-entendido é a prova de que estamos vivos e de que significamos com a errância e o precipício à vista. Seja, pois, bem-vinda a diversidade e o múltiplo entendimento (embora, com as desculpas da praxe, eu continue a seguir a via que adoptei desde o primeiro minuto).
A metáfora do “tom” surgiu na leitura de um post e, posteriormente, reconverteu-se em reflexão autonomizada – distante do modo como foi entendida nesse mesmo blogue - e creio que tem neste momento pernas para andar. É apaixonante analisar as metamorfoses e a maleabilidade que acompanham a linguagem dos blogues, assim como as diversíssimas matizes que moldam a tematização, a agenda, o vendaval intertextual e a marcada individidualização em confronto com outro dado que é próprio da rede em geral: a des-subjectivação.
De facto, verifica-se na rede um inevitável descolar das marcas enunciação de carácter pessoal ou subjectiva. De certo modo, está-se a assistir, hoje em dia, a um regresso ao palimpsesto de várias entradas e de várias autorias. Esta sobreposição de quase anonimatos tem mais tendência a ser activamente sincrónica - várias autores ao mesmo tempo, ou em tempos diferentes de um mesmo registo que se enuncia - do que diacrónica, no sentido em que um texto profético medieval era rescrito secularmente (e se ia adaptando às mais variadas circunstâncias históricas). Na actualidade, o evento é sempre o evento actual e, nessa medida, ele mesmo se encarrega de virtualizar as instâncias autoriais e as suas próprias circunstâncias de existência referencial, retórica ou estética. Contudo, a blogosfera acedeu, desde o primeiro momento, ao interessante paradoxo da individualização (já analisado em anteriores posts desta série). Este paradoxo é uma das características mais singulares da procura expressiva que caracteriza o “globário” dos blogues: movem-se na primeira pessoa, mas percorrem todos a mesma água, o mesmo tipo de leitura, a mesma instantaneidade de sentido, a mesma remoção da memória e a mesma inscrição de tipo síncrono (a remissão como respiração).
O modo com a blogosfera é habitada pela rede assemelha-se a um mar que se move ao mesmo tempo que as embarcações individuais solitariamente se abrem a uma interlocução enigmática: não se lhe conhece a carne do contacto, mas ele é permanente e contagioso. Daí que os seus textos – a palavra “post” é apenas o ligeiro fragmento de um rosto – se abram a caminhadas generativas sempre em mutação. É por isso que o contacto entre ‘bloggers’ se adivinha enquanto se processa e se consuma: é como se os deuses estivessem a criar o seu mundo, enquanto as criaturas desse mundo se acomodam às circunstâncias da navegação muito para além da vontade dos deuses criadores. Trata-se de uma autonomia que foge à própria iminência de prisão (haverá realmente voz própria no “globário”?)